Discurso durante a 20ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração dos vinte anos da redemocratização do Brasil.

Autor
Valmir Amaral (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/DF)
Nome completo: Valmir Antônio Amaral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. ESTADO DEMOCRATICO.:
  • Comemoração dos vinte anos da redemocratização do Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 16/03/2005 - Página 5083
Assunto
Outros > HOMENAGEM. ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, REDEMOCRATIZAÇÃO, BRASIL, COMENTARIO, IMPORTANCIA, LIVRO DIDATICO, HISTORIA, DEBATE, COMBATE, AUTORITARISMO, REGIME MILITAR.
  • ELOGIO, PARTICIPAÇÃO, ABERTURA, DEMOCRACIA, TANCREDO NEVES, CANDIDATO ELEITO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ULYSSES GUIMARÃES, EX-DEPUTADO, JOSE SARNEY, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. VALMIR AMARAL (PMDB - DF. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o escritor inglês George Orwell, autor do clássico livro intitulado 1984 -- um libelo contra toda forma de arbítrio --, mostra-nos a estreita conexão entre liberdade e linguagem. Em um momento em que se apresentam consolidados a ordem constitucional e o Estado de Direito, vão ficando distantes aqueles tempos sombrios em que o autoritarismo solapava os direitos civis e políticos mais básicos. Em conseqüência, hoje em dia, já não se fala mais tanto na importância do processo de redemocratização. É preciso, assim, Sr. Presidente, relembrar. E relembrar para não esquecer! É por esse motivo que saúdo a iniciativa desta Casa em instituir Sessão Especial para comemorar os 20 anos da redemocratização do Brasil.

Os manuais de história recente do Brasil são confluentes ao dividi-la em duas fases. A primeira corresponderia ao processo de superação do chamado entulho autoritário, ou seja, dos traços antidemocráticos do regime militar. São marcos dessa fase, principalmente, a elaboração da Constituição Cidadã de 1988 e a eleição presidencial de 1989. A segunda fase é marcada pelos esforços em restaurar a cidadania, moralizar a vida pública e consolidar as instituições democráticas. Os principais marcos seriam a CPI sobre a atuação do Sr. Paulo César Farias, o PC, o impeachment de um ex-Presidente, e a CPI do Orçamento.

Quero destacar, contudo, neste curto espaço de tempo, o papel de três personagens que já se inscreveram na História Pátria.

Primeiro, falarei do mineiro Tancredo Neves, personagem que se notabilizou pela incrível capacidade de articulação política, que o levou a exercer três mandatos de Deputado Federal e um de Senador da República, entre vários outros cargos. Essa capacidade foi especialmente exigida durante a crise provocada pela renúncia de Jânio Quadros, em 1961. Naquele ponto anguloso da trajetória nacional, Tancredo viajou ao encontro de João Goulart em Montevidéu e o convenceu a aceitar a Presidência sob o regime parlamentarista. Em 1982, foi eleito Governador de Minas Gerais pelo PMDB. Famoso pelo espírito conciliador e por trafegar bem entre a oposição e os políticos governistas, candidatou-se à Presidência pelo Colégio Eleitoral quando a campanha pelas Diretas Já ainda estava nas ruas. Uma vez derrotada a emenda Dante de Oliveira, surgiu como alternativa viável, tanto para as oposições como para a dissidência do PDS, a chamada Frente Liberal. Escolhido Presidente em 15 de janeiro de 1985, não chegou a tomar posse.

O nome do paulista Ulysses Guimarães ficou para sempre associado à moralidade na vida pública e à inflexível dedicação aos princípios da democracia e do estado de direito. Participou praticamente de todos os momentos importantes da história do País a partir da década de cinqüenta. Opositor ferrenho do Regime Militar e Presidente do então MDB, tornou-se, em 1974, anticandidato à Presidência da República, na sucessão do General Médici. Uma década depois, já em 1984, constituiu-se em uma das principais lideranças da campanha pelas eleições livres e diretas, fazendo jus à alcunha de “Senhor Diretas”. Com a derrocada da causa das diretas, transformou-se em um dos principais articuladores da eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral. Considerado um dos políticos mais hábeis e um dos mais respeitados de nossa tradição política, Ulysses Guimarães dirigiu com maestria os trabalhos do Congresso Constituinte. Em 1989, lançou-se candidato à Presidência da República pelo PMDB, mas sua campanha infelizmente não deslanchou.

Esses dois gigantes da política brasileira desapareceram tragicamente, e só nos restou imaginar o que seria a continuidade de suas carreiras. Um terceiro, porém, continua participante ativo da arena política de nossos dias, e não cessa de contribuir, com sua experiência e ânimo incansável, para a estabilidade política, o aperfeiçoamento da vida democrática e a melhoria das condições materiais de vida da população brasileira. Estou falando, como alguns já adivinharam, do ex-Presidente da República e ex-Presidente do Congresso Nacional, o Senador José Sarney.

Em mais de 50 anos de vida pública, José Sarney ocupou todos os cargos de relevância nos cenários regional e nacional da política brasileira, de modo que se torna impossível sintetizar sua carreira em um breve pronunciamento. Focarei, portanto, de maneira muito acanhada, sua atuação brilhante no processo de transição democrática.

De José Sarney é possível dizer que aprendeu com Tancredo e Ulysses sem nunca ter sido discípulo. Nem deles, nem de ninguém, diga-se de passagem. É certo, porém, que de seus exemplos hauriu um aprendizado que soube somar a suas características inatas. Trata-se de um homem que teve descortino, coragem e habilidade em um momento crucial de nossa história recente. Seu perfil confiável e sereno, ao lado da figura também conciliadora de Tancredo Neves, e sob inspiração de Ulysses Guimarães, foi capaz de assegurar a estabilidade e conter os temores de parcelas do Governo que hesitavam em transferir o poder para mãos civis. Poder-se-ia dizer, Sr. Presidente, que José Sarney foi o homem certo no momento certo -- como raras vezes a História brinda os seus protagonistas.

Sr, Presidente, Srªs e Srs, Senadores, o processo de abertura política e de redemocratização deveu muito aos três personagens que ora homenageamos. Hoje, não resta dúvida de que Tancredo Neves e Ulysses Guimarães pontificaram entre os grandes da política brasileira no século que passou. Um terceiro, de estatura similar à daqueles dois, pôde vencer o pórtico do século XXI. E ele, incansável, continua a exercer o papel para o qual sempre esteve vocacionado: o de um líder sereno e conciliador, capaz de suportar as mais diversas pressões de momento, sempre com o olhar no horizonte, à procura de um futuro que soe como um desdobramento natural do trabalho operoso e da boa escolha que se faz no presente.

Era o que eu tinha a dizer.

Obrigado, Sr. Presidente!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/03/2005 - Página 5083