Discurso durante a 24ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Protesto contra a prática de acordos entre órgãos públicos e bancos que administram os depósitos obrigatórios dos vencimentos de servidores.

Autor
Geraldo Mesquita Júnior (S/PARTIDO - Sem Partido/AC)
Nome completo: Geraldo Gurgel de Mesquita Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
BANCOS.:
  • Protesto contra a prática de acordos entre órgãos públicos e bancos que administram os depósitos obrigatórios dos vencimentos de servidores.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 22/03/2005 - Página 5576
Assunto
Outros > BANCOS.
Indexação
  • COMPLEMENTAÇÃO, DISCURSO, ANALISE, SISTEMA BANCARIO NACIONAL, CRITICA, ATUAÇÃO, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), EXCESSO, FAVORECIMENTO, LUCRO, BANQUEIRO, EXTORSÃO, TARIFAS, CORRENTISTA, REGISTRO, DADOS, PROTESTO, LIBERALISMO, POLITICA MONETARIA.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DENUNCIA, PROPINA, BANCO PARTICULAR, DEPUTADO ESTADUAL, ESTADO DA BAHIA (BA), MANUTENÇÃO, CONTA-CORRENTE, ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, SUPERIORIDADE, ONUS, TARIFAS BANCARIAS, COMPARAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF), MOBILIZAÇÃO, SINDICATO, ISENÇÃO, CONTAS, SALARIO, TRABALHADOR, PROTESTO, NEGLIGENCIA, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN).

O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (Sem Partido - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srª Senadora Heloísa Helena, Srs. Senadores, faço hoje o terceiro e último discurso de análise acerca do funcionamento e atuação do Banco Central, do Sistema Bancário Brasileiro, sem que isso signifique que estarei encerrando o debate a respeito do assunto. Elaborei um discurso longo e tive que desdobrá-lo em três, para que se adequasse às novas regras de uso da palavra nesta Casa.

Com esta última intervenção sobre o sistema bancário, Sr. Presidente, o único setor da economia que sempre ganhou com a inflação e que continuou lucrando com a instabilidade da moeda, quero deixar claro de antemão não pretender que, em uma economia capitalista, os bancos tenham prejuízo ou que os banqueiros se tornem agentes do desenvolvimento nacional e, menos ainda, parceiros na eliminação de nossas iniqüidades sociais. É justo e salutar que os bancos sejam eficientes e rentáveis, mas é inadmissível que o Banco Central, responsável pela higidez do sistema e pela saúde da moeda, se transforme em anjo tutelar da bolsa dos banqueiros e em padroeiro dos lucros exorbitantes dos bancos, no processo de extorsão a que vêm submetendo a sociedade brasileira.

A diferença dos demais setores econômicos, protegidos por incentivos, isenções e estímulos fiscais, é que, no caso dos bancos, eles são arrancados diretamente dos correntistas, independentemente do seu poder aquisitivo. É o Banco Central fazendo caridade com o bolso dos brasileiros.

Com o processo inflacionário sob o qual vivemos há algumas décadas, os bancos ganharam dinheiro com o overnight, Sr Presidente. Quando trocamos a inflação pelo endividamento público, eles passaram a se locupletar com os juros escorchantes pagos pela sociedade para rolar essa dívida. Mas a ela acrescentaram, na transição entre a inflação da moeda e a inflação da dívida pública, as mais extorsivas tarifas que gravam, indistintamente, assalariados, aposentados, empresas e correntistas.

Na década que vai de 1994 a 2003, a receita com as tarifas que o Banco Central instituiu e liberou, em nome da liberdade do mercado, cresceu de R$4,2 bilhões para R$27,7 bilhões. No mesmo período, os bancos passaram de R$1,2 bilhão para R$14,5 bilhões. Para simplificar, as tarifas equivalem a quase o dobro do lucro dos bancos.

Em outras palavras, o aumento de 6,5 vezes as tarifas proporcionou um lucro que aumentou mais de 11 vezes, enquanto a despesa com pessoal cresceu pouco mais de uma vez e meia - exatamente 1,62.

O dogma da liberdade do mercado adotado pelo Banco Central é aquele definido pelo ex-ministro Mário Henrique Simonsen: o que pede liberdade no ativo e incentivos no passivo. Por isso, dizia ele, o balanço do Brasil nunca fechou e continua em aberto.

Que mercado livre é esse, Sr. Presidente, Srª Senadora Heloísa Helena, em que os cinco maiores bancos compraram, no período aqui considerado, nada menos que 43 outros bancos menores? Doze desses foram comprados por apenas um dos maiores. E as tarifas, que em 1994 cobriam menos da metade das despesas de pessoal, exatos 44,4%, em 2003 atingiram 101,1%. Como compensação, a oferta de crédito baixou, no mesmo período, de 35% do PIB para 24,8% do PIB.

Mesmo com os juros que um Ex-Ministro chamou de indecentes, os bancos não precisam correr riscos emprestando dinheiro. Os números a que me refiro, Srªs e Srs. Senadores, não são um escândalo. São um escárnio. Se as cartas-patentes antes da atual Constituição constituíam verdadeiras cartas de corso, a suposta liberdade do mercado, que o Banco Central adotou como doutrina, transformou-se num habeas corpus preventivo para a prática da extorsão continuada, amparada pelo manto da impunidade. As vítimas são os trabalhadores que têm seu salário depositado nos bancos escolhidos pelas empresas, com as quais os bancos trocam concessões. São os servidores, federais, estaduais e municipais, obrigados a transacionar com os respectivos bancos oficiais ou com os que oferecem aos órgãos públicos vantagens que a ética classificaria não de imorais, mas, sem dúvida, de indecentes.

Leio, sem comentários, notícia da Folha de S.Paulo publicada na edição de 13 de janeiro deste ano: “Em troca da manutenção da conta da Assembléia Legislativa, o Bradesco deu um Focus sedan completo, avaliado em R$46 mil, para cada um dos 63 Deputados Estaduais da Bahia. No total, o banco gastou R$2,998 milhões com a aquisição dos carros, segundo a Assembléia. ‘Nós apenas aderimos a um acordo feito pelo Governo da Bahia, Poder Judiciário, Tribunal de Contas do Estado e Tribunal de Contas do Município’, disse o Presidente da Assembléia”. Na linguagem dos banqueiros, trata-se, como se vê, de “acordo”. Na linguagem corrente, essa transação chama-se barganha, sinônimo, segundo o Aurélio, de “transação fraudulenta, trapaça”. É o nome da liberdade de mercado patrocinada pelo Banco Central.

Em artigo de 13 de outubro do ano passado, o Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, José Lopez Feijó, lembrou que a discussão das tarifas bancárias ultrapassou o âmbito restrito das relações entre empresas e clientes e passou a fazer parte da pauta dos sindicados mais organizados e representativos do País. Eles pleiteiam a extensão dos benefícios que já amparam os trabalhadores de algumas empresas, entre as quais a Daimler-Chrysler, a Scania e a Panex, que já não pagam tarifas nas contas de salários em que são depositados seus vencimentos.

Em 10 de janeiro do corrente, o ex-Deputado Marcos Cintra, atualmente Secretário de Finanças de São Bernardo do Campo, professor titular e Vice-Presidente da Getúlio Vargas, insuspeito de incendiário, entre muitas outras razões, por sua condição de Doutor em Economia pela Universidade de Harvard, mostrou, em artigo publicado na Folha de S.Paulo, que os ônus das tarifas representam para as empresas mais que a CPMF, pois equivale a um imposto de 1,43% sobre a movimentação financeira.

Não partem apenas dos trabalhadores e dos profissionais liberais, dos funcionários, das empresas, dos economistas e da mídia os protestos contra a suspeita e inaceitável cumplicidade do Banco Central com os abusos dos bancos. O assunto tem repercutido também no Congresso. Em junho do ano passado, se não me engano, o nobre Senador Hélio Costa levantou a voz contra esses abusos, denunciando que o PIB tinha crescido, de 1994 a 2003, apenas 26,42%, enquanto o lucro dos bancos aumentou - pasmem - 1.039%.

Na Câmara, o Deputado Alexandre Cardoso apresentou projeto de lei tentando disciplinar a matéria em março do ano passado, e a Deputada Alice Portugal, em agosto.

Com a estupenda ignorância e a supina arrogância que o caracteriza, um dos burocratas do Banco Central - cito textualmente - “manifestou surpresa com a iniciativa de Cardoso. Segundo o banco, é ele, Banco Central que legisla sobre o sistema financeiro, respaldado pela Constituição e pela Lei nº 4.594”. Aquele Diretor do Banco Central fez essa afirmação no Congresso Nacional.

O Congresso Nacional, que tem o monopólio de reformar e de emendar a Constituição, não pode, Senadora Heloísa Helena, segundo a interpretação de um “energúmeno” - ressalvo que o termo é castiço e está nos clássicos -, aprovar uma lei disciplinando o sistema financeiro...

Chamo a atenção para a postura desses presunçosos, porque aqui na Casa tramita projeto do Líder do Governo, nosso colega Senador Aloizio Mercadante, cuja aprovação atenuaria sensivelmente, e até resolveria, o problema. Trata-se de dar a todos os assalariados, ativou ou inativos, tanto da iniciativa privada quanto da União, o direito de optar pelo banco em que desejam receber seus vencimentos, seus salários e suas pensões. Temo pela sorte da proposição, menos pela generosidade do Senado, responsável pela aprovação dos nomes do presidente e diretores do Banco Central, do que pela reação do próprio Banco Central, jungido, notória e ostensivamente, aos interesses dos bancos e banqueiros do País. Faltam regras até no âmbito da União. Um servidor do Poder Executivo pode optar pelo banco pelo qual deseja receber sua remuneração, desde que o mesmo esteja credenciado junto ao Siape, gerido pelo Ministério do Planejamento. Mas, se for servidor de qualquer das duas Casas do Congresso Nacional ou do Judiciário não terá opção: ou recebe pelo Banco do Brasil ou pela Caixa Econômica Federal.

E hoje, Sr. Presidente, já não há mais distinção entre bancos públicos ou privados, nacionais ou transnacionais. Estão todos no mesmo barco; solidários entre si, depois que transformaram o Brasil, como espero ter demonstrado, no paraíso dos banqueiros, no purgatório dos bancários e no inferno dos correntistas.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - V. Exª me permite um aparte, nobre Senador Geraldo Mesquita Júnior?

O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (S/Partido - AC) - Pois não, nobre Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Geraldo Mesquita, a cada dia, conquista o primeiro lugar, com medalha de ouro, de Parlamentar Brasileiro, por sua competência, coragem e firmeza. Eu queria apenas complementar. Estou diante de um artigo do Vice-Presidente da República, José Alencar, em que S. Exª diz que “temos que fazer a revolução”. O Vice-Presidente da República, constrangido, quer uma revolução, uma mudança brusca e violenta, porque o que prometeram em palanque não está ocorrendo. S. Exª, que é um empresário de êxito e, sem dúvida alguma, contribuiu muito para a crença no Governo do Presidente Lula, diz - e é quase o pensamento de V. Exª: “Não tenho dúvida de que o Brasil se encontra em melhores condições do que a esmagadora maioria dos países que pagam um décimo, um doze avos, um vinte avos, um trinta avos da taxa real que pagamos. Estamos com taxa básica real de 12%, a média de quarenta países é algo em torno de 1%”. S. Exª está tão constrangido que nas entrelinhas dá a entender que será capaz até de se candidatar a Presidente da República, pois se considera traído, em uma situação que V. Exª, com muito fundamento, denuncia à Nação.

O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (S/Partido - AC) - Muito obrigado, Senador Mão Santa. A intervenção de V. Exª é sempre oportuna. Além de acrescentar fatos, V. Exª aborda o assunto com precisão e inteligência, mostrando à Nação brasileira a razão de ser dos assuntos aqui tratados.

Encerro, Senadora Heloísa Helena, que no momento preside a Casa, reafirmando o propósito de voltar ao tema em outras oportunidades, porque temos que permanecer vigilantes contra as tentativas solertes, licenciosas e até libertinas, quando se trata de encaminhar proposições que visam conceder ao Banco Central a chamada autonomia, que, a meu ver, ele já possui de forma escancarada e absoluta.

Na semana passada, citei o caso do atual Presidente do Banco Central - para ilustrar a liberdade plena, a autonomia total de que dispõe aquela instituição -, que, ao assumir a nobre função, em duas penadas, mandou arquivar processos de fiscalização envolvendo transações irregulares. Como os processos eram de fiscalização, supõe-se que deveria existir alguma irregularidade nas transações de transferência de bilhões e bilhões de dólares de agências do banco que presidira, o Banco de Boston.

Srª Presidente, voltarei a mencionar o assunto com ênfase, a fim de que possamos nos prevenir contra iniciativas dessa natureza, que não acrescentam nada e que trabalham contra os interesses do povo brasileiro.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/03/2005 - Página 5576