Discurso durante a 24ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Análise dos problemas enfrentados pela Fundação do Bem-Estar do Menor, Febem, em São Paulo.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PENITENCIARIA. POLITICA SOCIAL.:
  • Análise dos problemas enfrentados pela Fundação do Bem-Estar do Menor, Febem, em São Paulo.
Publicação
Publicação no DSF de 22/03/2005 - Página 5595
Assunto
Outros > POLITICA PENITENCIARIA. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, CRISE, FUNDAÇÃO ESTADUAL DO BEM ESTAR DO MENOR (FEBEM), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), EFEITO, IRREGULARIDADE, ADMINISTRAÇÃO, SISTEMA, VIOLENCIA, SERVIDOR, RECLUSO, COMENTARIO, PUBLICAÇÃO, LIVRO, AUTORIA, EX-DETENTO.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, PERIODICO, VEJA, ISTOE, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DEPOIMENTO, PSICOLOGO, VITIMA, ESTUPRO, REBELIÃO, FUNDAÇÃO ESTADUAL DO BEM ESTAR DO MENOR (FEBEM).
  • APOIO, ANUNCIO, GOVERNADOR, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), PRESIDENTE, FUNDAÇÃO ESTADUAL DO BEM ESTAR DO MENOR (FEBEM), ALTERAÇÃO, ORGANIZAÇÃO, ENTIDADE, PROIBIÇÃO, MAUS-TRATOS, DETENTO, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA, DESCENTRALIZAÇÃO, UNIDADE, IMPLANTAÇÃO, PROGRAMA, RENDA, FAMILIA, RECLUSO, OPORTUNIDADE, EMPREGO, ASSISTENCIA JUDICIARIA, ASSISTENCIA PSICOLOGICA.
  • REGISTRO, OPOSIÇÃO, SUSPENSÃO, BENEFICIO, RECLUSO, SITUAÇÃO, VINCULAÇÃO, REBELIÃO, UNIDADE, FUNDAÇÃO ESTADUAL DO BEM ESTAR DO MENOR (FEBEM).

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Mão Santa, Srªs e Srs. Senadores, gostaria hoje de fazer uma reflexão sobre uma das instituições que, no Brasil, vem sofrendo crise após crise. Refiro-me à Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor, a Febem, especialmente em São Paulo.

Fundada em 1964, a Fundação resultou da transformação de várias instituições para a recuperação de menores que tivessem cometido delitos e infrações perante a lei. A Febem, desde a sua criação, foi passando repetidamente por situações de crise.

Lembro-me muito bem, Sr. Presidente, porque fui eleito Deputado Estadual em 1978, época da gestão do governador não eleito diretamente, Paulo Salim Maluf, quando na Assembléia Legislativa de São Paulo foi constituída uma Comissão Parlamentar de Inquérito, presidida pelo Deputado Flávio Bierrenbach e que teve como Relator Almir Pazzianotto, posteriormente Ministro do Trabalho, que averiguou as mais diversas denúncias de maus tratos, de tortura, de dificuldades de menores naquela instituição .

Recordo-me que a Srª Lia Junqueira, Presidente do Movimento em Defesa do Menor, chamou-me, certo dia, para contar-me a história de uma moça interna na Febem desde os 14 anos, por ter sido considerada uma pessoa difícil, muito indisciplinada, pelos pais adotivos. Ela, ainda que sem ter cometido qualquer delito, foi viver na Febem dos 14 anos aos 17 anos e meio. Tudo o que ocorreu lá, seja na unidade de recepção dos menores, no Tatuapé, seja na unidade de Imigrantes, seja depois na unidade de Pacaembu e ainda na unidade de Vila Maria, foi relatado por ela em um livro notável - A queda para o alto -, com mais de 25 edições, publicado pela Editora Vozes. Eu me refiro ao depoimento de Sandra Mara Herzer, que também assinava os seus poemas como Anderson Herzer. Ela já dizia das enormes dificuldades e de como os adultos, em nossa sociedade, não estavam percebendo qual a maneira de resolver o problema do menor. Talvez tenha sido Carlito Maia, o publicitário que sabia usar sinteticamente tão bem as palavras, que qualificou a questão muito bem, dizendo que o problema do menor é o maior.

Ora, o Governador Geraldo Alckmin tem exatamente na Febem um de seus maiores problemas. Na verdade, trata-se de um problema que é de todos nós, maiores. Tenho acompanhado os debates, os esforços, e quero elogiar o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana - Condepe, que, juntamente com inúmeras entidades preocupadas com os direitos humanos, iniciou nos últimos meses um debate bastante importante. Avalio que muitas das medidas anunciadas, na sexta-feira última, pelo Governador Geraldo AlcKmin leva em conta o acúmulo de conhecimentos relativamente a tudo que vem ocorrendo. Mas notem que, nesses últimos meses, o número de rebeliões na Febem tem batido recordes e os motins têm sido cada vez mais graves, com violência, assassinatos, estupros.

Vimos recentemente, no jornal O Estado de S. Paulo, na revista Veja, na revista IstoÉ, o depoimento impressionante de uma psicóloga, vítima de abuso sexual na rebelião do complexo de Franco da Rocha, no último dia 11. Ela descreve a dificílima situação por que passou e afirma que ali nunca mais pisará, apesar de ter tido o ideal de trabalhar com menores.

Sr. Presidente, eu gostaria de comentar as medidas anunciadas pelo Governador e pelo Secretário da Justiça e Presidente da Febem, Alexandre de Moraes, que, na última sexta-feira, na Câmara Municipal de São Paulo, em encontro promovido pela Vereadora Claudete Alves, fez uma exposição. Participaram do debate inúmeras pessoas, inclusive a Srª Conceição, Presidente da Amar - Associação das Mães e Amigos da Criança e do Adolescente em Risco.

Entre as medidas anunciadas pelo Governador e pelo Secretário da Justiça, Alexandre de Moraes, estão: primeiro, não se admite qualquer forma de maus tratos na Febem, por parte de qualquer pessoa, sendo afastados com rigor aqueles que porventura contrariarem essa diretriz. Obviamente, essa atitude tem o nosso total apoio. É importante que não se admitam as recorrentes práticas de tortura e de maus tratos que, na Febem, ocorrem desde o tempo em que a instituição foi criada, e eu conheço muito, pelos depoimentos, inclusive em 1979/1980, ouvi manifestações sobre a Febem na CPI. Entretanto, esses problemas continuam a ocorrer. Segundo, transparência nas ações da Febem, em seus erros e acertos, abrindo-se as suas portas para as mães dos internos - o que considero muito positivo -, assim como para as entidades relacionadas aos direitos humanos, inclusive com a diretriz de se adotar um modelo ecumênico para que os praticantes de todas as religiões possam ser considerados com o devido respeito.

Avalio que essa prática de transparência e de respeito ecumênico também seja positiva, assim como e sobretudo, a possibilidade de as mães e os pais poderem ingressar na Febem, dialogar com os menores e saber o que está ocorrendo.

A terceira medida refere-se à descentralização das unidades da Febem - para que os menores possam ficar mais próximos de suas famílias e comunidades - com a determinação de se construírem 41 unidades menores em diversas cidades do interior. Trata-se de medida que há tempo vem sendo recomendada a fim de fazer face a unidades com 1.380 menores infratores, como ocorre hoje no Tatuapé.

Situação semelhante também existia há cerca de um ano, quando visitei mais de 500 menores que estavam na Unidade de Atendimento Inicial no Braz, para onde se dirigiu a senhora representante da ONU, preocupada com os direitos humanos e que deixou o local dizendo: “Horrível, horrível, horrível!” Justamente naquele lugar, tive um diálogo com os menores, expondo a importância de instituir-se uma renda básica como direito à cidadania para todas as pessoas. Se essa medida já estivesse vigente para o Brasil, aqueles jovens não teriam praticado os delitos que os fazem estar naquela instituição. Quando assim falei, eles simplesmente perguntaram por que aquele projeto ainda não estava em vigência no Brasil, uma vez que, em 2003, eu dissera que estava pronto para ser votado, como ocorreu posteriormente no Senado Federal e na Câmara dos Deputados e foi sancionado pelo Presidente em 08 de janeiro passado.

É justamente o quarto item aqui que se relaciona a esse tema, pois disse o Governador Geraldo Alckmin que as famílias dos internos da Febem passarão a receber a Renda Cidadã, que corresponde a um benefício mensal de R$60,00 destinados por lei às famílias com renda familiar mensal per capita de meio salário mínimo, com a responsabilidade de os pais demonstrarem que suas crianças de até 16 anos estão freqüentando a escola e, na medida do possível, procurando uma capacitação. Passarei a anunciar as demais medidas para voltar a esse ponto: implementação do Programa Jovem Cidadão, que proverá oportunidade para que quinhentos jovens egressos sejam empregados por empresas com a remuneração de R$200,00 mensais, numa fase de treinamento, dos quais o Governo estadual pagará R$135,00 e a empresa, R$65,00. Programa Ação Jovem, para que aqueles que estejam em situação de liberdade assistida possam ter a oportunidade de se capacitarem. Além disso...

(Interrupção do som.)

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - ...convênios com faculdades de Direito e de Psicologia para que os estudantes possam prestar assistência jurídica e psicológica aos menores. Também se proporá a criação de um departamento específico de Defensoria Pública para dar assistência à infância e à adolescência.

Sr. Presidente, quero analisar um aspecto desse conjunto de medidas referente à Renda Cidadã. Disse o Governador que ali na Febem só há menores provenientes de famílias pobres. Diagnosticou corretamente que lá não há menores filhos de famílias ricas e proverá a Renda Cidadã como uma forma de ajudar as famílias e, obviamente, de não se criarem condições que levam essas famílias a terem menores que cometam infrações. Mas o Governador anunciou que retirará o benefício da Renda Cidadã se, porventura, o menor participar de rebeliões. O que quero refletir, Sr. Presidente, é o seguinte: uma família tem o seu filho, o seu irmão, a sua irmã detido na Febem por ter cometido uma infração. Vamos supor que esse rapaz ou essa menina um dia se revolte porque soube que um amigo ou uma amiga, uma companheiro seu ou ela própria tenha sido torturado, espancado na Febem por um de seus funcionários - como inúmeras vezes tem ocorrido - e, por causa disso, comete um ato de rebelião qualquer que seja. Será, então, retirada a Renda Cidadã? Ora, que culpa tem nisso o irmão de um ano do menor infrator ou a irmã de dez anos, ou o avô de 65 ou 70 anos? Trata-se justamente de um ponto importante para refletirmos e quero transmitir ao Governador Geraldo Alckmin que é importante saber que o próprio Congresso Nacional, o partido do Governador, o PSDB, e o PFL do Secretário Alexandre de Morais, aprovaram a Renda Básica de Cidadania que teve por Relator o eminente Senador Francelino Pereira que indica que será instituído no Brasil, gradualmente, começando pelos mais necessitados, a Renda Básica de Cidadania, até que todos venham a ter; não importa sua origem, raça, sexo, idade, condição civil ou socioeconômica, será paga por pessoa e a todos. Assim, quando isso for universalmente pago a todos não haverá qualquer estigma para a família que tiver um menor infrator, estando recebendo só porque o seu filho cometeu uma infração; mas será um direito de todo e qualquer brasileiro ou brasileira de participar da riqueza da Nação, algo que se constituirá um direito inalienável dos seres humanos.

(Interrupção do som.)

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - V. Ex.ª dispõe de mais um minuto.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Só faria uma referência a V. Exª.

            Bem sei que por vezes V. Ex.ª diz que só pode receber rendimentos aquele que, segundo a bíblia, está com seu trabalho, seu suor no rosto, na carne dizendo “eu trabalhei muito”. Mas, Senador Mão Santa, aquelas pessoas que detêm o capital têm o direito de receber juros, lucros, aluguéis sem qualquer necessidade de trabalhar; não se diz que obrigatoriamente têm que trabalhar. Se asseguramos aos que detêm maior rendimento e maior riqueza na sociedade o direito de receber rendimentos mesmo sem trabalhar - e eles trabalham porque é próprio do ser humano querer progredir e trabalhar - por que não simplesmente estender a todos o direito inalienável de receber o necessário e suficiente para a sua sobrevivência com dignidade...

(Interrupção do som.)

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - ...criando assim as condições para que todo e qualquer jovem tenha alternativas de sobrevivência que não praticar atos que os levem à condição de estar na Febem, à condição de infratores?

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/03/2005 - Página 5595