Discurso durante a 26ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Relato dos trabalhos realizados pela Comissão Externa do Senado destinada a acompanhar as investigações sobre o assassinato da missionária Dorotthy Stang, elogiando o competente relatório exarado pelo Senador Demóstenees Torres.

Autor
Ana Júlia Carepa (PT - Partido dos Trabalhadores/PA)
Nome completo: Ana Júlia de Vasconcelos Carepa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Relato dos trabalhos realizados pela Comissão Externa do Senado destinada a acompanhar as investigações sobre o assassinato da missionária Dorotthy Stang, elogiando o competente relatório exarado pelo Senador Demóstenees Torres.
Aparteantes
Flexa Ribeiro.
Publicação
Publicação no DSF de 24/03/2005 - Página 6254
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • CONGRATULAÇÕES, SENADOR, POSSE, CARGO PUBLICO, ALTERAÇÃO, FILIAÇÃO PARTIDARIA.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, CRIAÇÃO, COMISSÃO ESPECIAL, INVESTIGAÇÃO, HOMICIDIO, IRMÃ DE CARIDADE, MISSÃO, REGIÃO AMAZONICA, ELOGIO, INICIATIVA, PRESIDENTE, SENADO.
  • ELOGIO, DEMOSTENES TORRES, SENADOR, ELABORAÇÃO, RELATORIO, COMISSÃO, INVESTIGAÇÃO, HOMICIDIO, IRMÃ DE CARIDADE, MISSÃO, REGIÃO AMAZONICA.
  • DETALHAMENTO, RELATORIO, COMISSÃO ESPECIAL, COMENTARIO, IMPORTANCIA, CONTINUAÇÃO, INVESTIGAÇÃO, CONFLITO, TERRAS, REGIÃO AMAZONICA.
  • REGISTRO, EXISTENCIA, PROVA, VINCULAÇÃO, POLICIA MILITAR, EMPRESA, PRODUÇÃO, MADEIRA, CRIME ORGANIZADO, REGIÃO AMAZONICA, COMENTARIO, CONFLITO, REGIÃO, EFEITO, HOMOLOGAÇÃO, RESERVA EXTRATIVISTA, GOVERNO FEDERAL.
  • COMENTARIO, POSSIBILIDADE, PARCERIA, INDUSTRIA EXTRATIVA, MADEIRA, PLANO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, GOVERNO FEDERAL, OBJETIVO, MANUTENÇÃO, INDUSTRIA, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE.
  • SOLICITAÇÃO, GARANTIA, ESTADOS, RECURSOS, DESTINAÇÃO, SEGURANÇA PUBLICA.

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, num dia de posses, parabenizo os Senadores que assumem novos cargos e aqueles que assumem novos partidos, como o Senador Geraldo Mesquita.

Sr. Presidente, quero falar da importância de uma Comissão especial determinada por V. Exª a acompanhar as investigações sobre a morte da missionária Dorothy, que, mesmo tendo nascido nos Estados Unidos, era uma das mais maiores amazônidas que conheci na minha vida. Está demonstrado - e eu sei disso pois sou do Pará, sou amazônida - que não é necessário nascer na Amazônia para defender e amar aquela terra. Muitos que ali nasceram, infelizmente, não a defendem; graças a Deus, a maioria dos que ali nasceram a defendem.

            Sr. Presidente, Senador Renan Calheiros, V. Exª foi extremamente feliz ao determinar a criação dessa Comissão externa, que já demonstrou a sua importância. A própria imprensa divulgou, no jornal O Liberal, que foi a partir de um contato - nosso, por sinal - que um dos mandantes do assassinato, um fazendeiro, vai se entregar. Isso é muito bom. É importante que se entreguem aqueles que estão envolvidos nesse crime bárbaro, não apenas por essa ação, mas pelo histórico de centenas de crimes bárbaros ocorridos neste País, especialmente naquela região, pela disputa da terra. Aliás, a terra é tão abundante naquela região que não precisaria estar sendo regada com o sangue de ninguém.

Hoje, a Comissão se reuniu, e o Relator, Senador Demóstenes Torres, a quem parabenizo, apresentou o seu relatório. Não vou detalhá-lo, mas o relatório do Senador Demóstenes Torres é primoroso. Primeiramente, óbvio, faz um histórico da própria Comissão, listando tudo o que fizemos, como as viagens à região de Anapu, as pessoas que foram ouvidas, as audiências públicas que realizamos, tudo em pouco mais de 30 dias. Aprovaremos esse relatório, acredito, com pequenos ajustes, porque, não tenho a menor dúvida, ele contará com a aprovação, se não de todos, da maioria dos membros da Comissão pela precisão com que o Senador Demóstenes Torres o elaborou.

A escolha do Senador Demóstenes Torres como relator da Comissão foi uma unanimidade, até pela sua experiência como Promotor de Justiça.

Farei alguns comentários sobre o relatório. Esta Comissão não tem o papel investigativo de uma CPMI, mas foi deliberação nossa apresentar todos os documentos e o relatório final à CPMI da Terra, para que esta aprofunde as investigações.

Uma outra conseqüência positiva da nossa Comissão será a continuidade das investigações chamadas suplementares, pois percebemos, em alguns momentos, a tentativa de encerrar as investigações. O natural em uma investigação criminal é que a polícia investigue, consiga prender o assassino e, no máximo, o mandante, e dê o caso por encerrado. Mas o histórico da situação na região e a própria atuação da Comissão fizeram com que investigações suplementares fossem desenvolvidas, até porque a Comissão ouviu, mais de uma vez, referências à existência de coletas de dinheiro para pagar pistoleiros e também advogados. Essa denúncia veio ao encontro das evidências percebidas em relação ao interesse no assassinato de alguém que tinha papel de líder.

Quando nos referimos à vida de Irmã Dorothy, lembramos que não se tratava de apenas uma pessoa, mas de um grupo de pessoas daquela região. Essa foi mais uma das evidências do papel importante da nossa Comissão.

O Relator faz um histórico resumido dos conflitos no Pará, onde há exploração ilegal de madeira, que contribui para o desmatamento da Amazônia. No relatório, há também a declaração do Presidente da Associação dos Produtores Rurais da Terra do Meio. Não se trata de declaração de sindicato de trabalhadores rurais, mas do Presidente da Associação dos Produtores Rurais, dos fazendeiros, segundo o qual não há presença do Estado nem de segurança pública na região

O relatório conta ainda como foi criado e ocupado o Município de Anapu, de forma diferente de outros da mesma região. Fazemos referência aos contratos de alienação de terras públicas, por meio do qual, na década de 70, o Incra, por licitação pública, fez contratos com particulares. Esses contratos tinham cláusulas claras, que estabeleciam que, ao final de cinco anos, deveria haver uma empresa rural; e nenhuma empresa rural foi formada naquela região. Portanto, nenhuma terra deveria ser particular.

Apesar disso e por conta também da atuação fraudulenta de muitos cartórios, esses títulos, que eram temporários, acabaram se tornando títulos, embora fraudulentos, efetivos.

O relatório trata também da criação do Plano de Desenvolvimento Sustentável - PDS, que tem origem nos programas de ocupação da Amazônia, iniciados há 30 anos, e foram objeto de uma grande luta daquela população, sob a orientação de, entre outras pessoas, técnicos e também da irmã Dorothy, essa educadora. O PDS representava uma forma de exploração sustentável, com uma concepção diferenciada, inclusive sem a posse da terra, e foram assumidos pelo Incra, como uma forma também de assentamento, desde 1997. Em 1999 o Incra reconhece os PDSs.

Os PDSs em Anapu foram criados em 13 de novembro de 2003, quando foi publicada no Diário Oficial a proposta de assentar imediatamente 600 famílias. O Incra garante o acompanhamento por meio de um plano de desenvolvimento de assentamento, com garantia, inclusive, de assistência técnica.

O Relator faz também referência às invasões, ao desmatamento criminoso, à pistolagem e ao comércio ilegal de terras públicas, em uma análise muito bem feita da situação, em que apresenta alguns casos específicos, como, por exemplo, o caso da gleba Mandoacari, da Fazenda Gospel. Cita que a própria Polícia Militar, no seu destacamento de Altamira, ajudou a tirar famílias de dentro da área, prendeu posseiros, derrubou e queimou casas com todos os objetos das famílias, inclusive documentos pessoais. A Polícia Militar acompanhou um fazendeiro chamado Yoakim Petrola, que se dizia proprietário da terra.

Ao fazer referência a todos esses conflitos, o relatório conta a atuação da Irmã Dorothy, desde sua chegada à Amazônia, ao Estado do Pará, inicialmente em um Município próximo a Anapu. Em 1982, ela chegou à região da Transamazônica, quando disse a Dom Erwin Kräutler que queria trabalhar com os mais pobres e ele, então, indicou que ela fosse trabalhar naquela região da Transamazônica. Ela chegou ao Estado do Pará em 1976, no atual Município de Jacundá. Portanto, naquela época, ela já vivia no Amazonas ou no Maranhão.

Esse relatório, extremamente bem elaborado, refere-se às entrevistas, às ameaças, ao crime e às conseqüências da atuação da nossa Comissão. A apresentação está extremamente precisa, motivo pelo qual ele deve ser aprovado. Já foi aprovado previamente, mas todos os Senadores terão a oportunidade de conhecê-lo mais profundamente. Entretanto, pelo que eu conheço da Comissão, com certeza, o relatório será aprovado por todos porque está sendo fiel à realidade local.

A Comissão também recebeu fitas, filmes e documentários importantes, que mostram a presença da Polícia Militar defendendo uma empresa conhecida como sendo a maior grileira de terras do Brasil, a CR Almeida. Recebemos uma fita com o documentário em que o próprio policial fala que ele está ali para defender e cumprir as ordens do gerente da empresa CR Almeida. Somos testemunhas também de que o relatório mostra isso claramente.

Recebemos também outro documentário, no início de 2004. Perante o Ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, e o Presidente Nacional do Incra, Rolf Hackbart - quando o Ministro falava sobre a necessidade de se construir uma agenda de paz -, um cidadão, de uma forma ousada - ousadia que só têm aqueles que têm muita certeza da impunidade -, levanta-se e fala que, implantados os PDSs, aí é que vai começar a agenda de mortes na região.

Está claro que essa atitude foi motivada pela ação do Governo na implementação dos PDSs, no momento em que homologou reservas extrativistas. Vários daqueles produtores rurais, como vários madeireiros, resistiam à idéia dos PDSs, resistiam à idéia das reservas extrativistas, como a que a Ministra Marina, no dia do assassinato da Irmã Dorothy, estava homologando no Município de Novo Progresso.

Então, tem-se claro, inclusive pela análise de todos esses documentos, que foi a ação do Governo que causou uma reação.

Para ser justa, sempre faço questão de dizer que não se trata de uma reação de todos os produtores rurais, nem de todos os madeireiros. Ouvimos a Associação de Madeireiros de Anapu falar claramente à Comissão: “Nós éramos contra, inicialmente, os Planos de Desenvolvimento Sustentável, mas depois mudamos de opinião. Somos favoráveis. Inclusive, fizemos parceria com os PDSs”.

Encontraram essa forma legal de agir, que é absolutamente positiva. Devemos parabenizar o Ibama, o Incra e a Associação de Madeireiros, no caso, por fazer essa parceria, tornando possível a exploração com madeira legal. Infelizmente, grande parte das madeiras vem de forma ilegal.

Queremos dizer que o relatório da Comissão é extremamente positivo. Mais uma vez, faço este registro e parabenizo o Senador Demóstenes Torres por mostrar as contradições que foram confirmadas.

Tenho em mão outro documento. Mas antes de falar sobre ele, vou comentar as contradições do papel da própria polícia ali.

O nosso relatório também referenda propostas para as diversas esferas de Governo e solicita ao Governo Federal que garanta, sim, recursos para continuar o trabalho de regularização fundiária, de georeferenciamento naquela região, que garanta os recursos ao Ministério do Meio Ambiente, que garanta os recursos que precisam ser passados aos Estados. Já que não estão conseguindo dar conta da sua obrigação na área de segurança, que garanta recursos aos Estados, para que possam trabalhar melhor a segurança. Está claro para nós os problemas de insegurança.

Estamos referendando essas propostas feitas pelo Ibama e pelo Incra, mas eu queria também uma referência: infelizmente, eram paraenses, sim, os membros da Polícia, tanto de Altamira quanto de Anapu. A própria Secretaria Especial de Estado de Defesa Social nos enviou o documento. Dos doze processos abertos pela Polícia, dez eram contra os trabalhadores rurais. Dez! Estranhamente, a Polícia dizia que a área estava sub judice. O Secretário disse isso aqui, na comissão, que a Polícia não podia entrar porque a área estava sub judice. Mas o histórico brilhante do Senador Demóstenes mostra o contrário; o documento do Secretário de Defesa Social do Estado do Pará, Dr. Santino, mostra o contrário. O histórico afirma que a Polícia sempre teve um papel no sentido de criminalizar os trabalhadores e a irmã Dorothy. Chegou ao ponto de abrir um inquérito contra a Irmã. E pior: o Ministério Público do Estado acatou o pedido e fez o indiciamento. A Irmã Dorothy estava processada, a vítima passou a ser ré.

Então, é esse o histórico e é nessa conjuntura, na verdade, que se deu o assassinato da Irmã Dorothy. Infelizmente, os órgãos de segurança do Estado foram além em não garantir a proteção da Irmã e dos trabalhadores - e isto está provado por meio dos documentos -, eles foram coniventes, eles acompanharam os fazendeiros. Na hora de tirar os trabalhadores, não se importaram se as terras estavam sub judice ou não. Tomaram a decisão de acatar que aqueles ditos donos da terra, os fazendeiros, eram donos definitivamente, como se tivessem os títulos definitivos da Justiça.

Portanto, fica comprovado, infelizmente, que pior que a ausência da segurança pública foi a conivência. 

Senador Flexa Ribeiro, tenho 34 segundos. Se V. Exª for extremamente breve, e o Presidente permitir, posso lhe dar um aparte. Posso fazê-lo, Sr. Presidente?

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Siqueira Campos. PSDB - TO) - Senador Flexa Ribeiro, V. Exª tem a palavra

O Sr. Flexa Ribeiro (PSDB - PA) - Nobre Senadora Ana Júlia Carepa, em 34 segundos, tenho que lembrar aquele Deputado de São Paulo: “Meu nome é Enéas”! Eu pediria ao Presidente que me concedesse pelo menos uns dois minutos para fazer o meu aparte.

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Siqueira Campos. PSDB - TO) - Senador Flexa Ribeiro, de acordo com o novo Regimento de plenário, a Senadora já obteve dois minuto de prorrogação, tempo suficiente para que V. Exª faça o seu aparte. 

O Sr. Flexa Ribeiro (PSDB - PA) - Vou ser rápido, então. Sr. Presidente, quero discordar em apenas um aspecto do pronunciamento da Senadora Ana Júlia e concordar em vários, principalmente no que se refere à competência e à inteligência do relatório do Senador Demóstenes Torres, que é Promotor de Justiça. Lembro à Senadora Ana Júlia que o Secretário Especial de Defesa Social do Estado do Pará também foi Promotor de Justiça do Estado do Pará e é um jurista. Com certeza absoluta S. Exª não iria contra a ordem jurídica legal. Então, as ações dele visam à legalidade e à ordem jurídica institucionalizada. Senadora, é lamentável - repito o que disse no pronunciamento que fiz há pouco - que um Estado como o nosso tenha conflitos como esses, reconhecidos por todos. V. Exª tem esse documento, e fiquei de passar estes as suas mãos, durante a reunião, para fazer parte do nosso relatório final. Eles estão aqui, vou encaminhá-los a V. Exª. Nos anos de 2003 e 2004...

(Interrupção do som.)

O Sr. Flexa Ribeiro (PSDB - PA) - ... foram aplicados no Estado do Pará..., em 2003 e 2004, na área de Defesa Social, R$887 milhões, dos quais 96% repassados pelo Tesouro do Estado e 3,67%, pela União. É lamentável que isso se dê num Estado pobre como o Pará.

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA) - Obrigada, Senador.

Sr. Presidente, peço apenas um minuto para fazer a conclusão do meu pronunciamento.

Devemo-nos lembrar que a segurança pública é, pela Constituição do País, responsabilidade dos Estados, e que 95% da apuração de crimes são de responsabilidade das Polícias civil e militar. Portanto, nada mais óbvio que os Estados garantam os recursos para a Segurança Pública.

(Interrupção do som.)

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA) - Obrigada, Sr. Presidente.

Quero parabenizar o Senador Demóstenes Torres, do PFL, que fez um brilhante relatório.

Já cumprimos nosso papel nessa Comissão, mas as investigações devem continuar porque esse crime, como tantos outros, não foi elucidado. Aliás, só houve todo esse aparato no Estado responsável porque se tratava da Irmã Dorothy. Tantos outros trabalhadores foram vitimados no Pará, tantos crimes já aconteceram no campo e, infelizmente, nada foi elucidado, nada foi julgado.

Para acabarmos com a impunidade, para termos paz, que é o que queremos, é necessário que se elucide o fato. O relatório feito pelo Senador Demóstenes deixa claro que a tentativa de incriminar a Irmã Dorothy não deu certo e mostra ao Senado, com certeza...

(Interrupção do som.)

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA) - (...) que somente colocaremos um ponto final na impunidade quando forem trocadas as polícias locais, pelo seu envolvimento com aqueles que podem ser os mandantes desse crime, e quando cada um destes, sejam quantos forem, estiverem onde qualquer criminoso deve estar: atrás das grades.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/03/2005 - Página 6254