Discurso durante a 26ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da livre circulação das pessoas entre os países. (como Líder)

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TERRORISMO. MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).:
  • Defesa da livre circulação das pessoas entre os países. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 24/03/2005 - Página 6267
Assunto
Outros > TERRORISMO. MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).
Indexação
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, JUSTIÇA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, ERRADICAÇÃO, POBREZA, IMPLANTAÇÃO, INSTITUIÇÃO DEMOCRATICA, COMBATE, TERRORISMO.
  • ANALISE, LIBERDADE, CIRCULAÇÃO, CIDADÃO, PAIS, FAVORECIMENTO, ABERTURA, NATUREZA COMERCIAL, BENEFICIO, MÃO DE OBRA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, PLANETA TERRA, DEFESA, UTILIZAÇÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), SEMELHANÇA, UNIÃO EUROPEIA.
  • PROTESTO, ANUNCIO, GOVERNO, PAIS ESTRANGEIRO, PARAGUAI, DEPORTAÇÃO, BRASILEIROS, SITUAÇÃO, ILEGALIDADE, PREJUIZO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, gostaria de trazer a esta tribuna uma reflexão acerca de uma das grandes preocupações que nos acometem no presente momento e nos solidarizam com o povo das Américas. Tais preocupações dizem respeito à imigração e aos inevitáveis temas correlatos, portadores de efeitos nocivos aos nossos países e aos seus povos.

É necessário que a efetiva coalizão contra o terrorismo não seja aquela das armas, das bombas e da simples violência contra a violência, demonstração de retrocesso à antiga lei do talião. A evolução do homem e a consolidação das estruturas políticas e jurídicas nos ensinam que uma das formas mais efetivas de se combater o terrorismo é pela coalizão dos esforços para erradicar a pobreza ou diminuí-la, por meio da melhoria das condições de distribuição de renda e de riqueza, aliada sempre à democracia. Combater a causa, desde a medicina hipocrática, é a melhor forma de fazer sustar o efeito. Desse modo, uma das maneiras mais efetivas de se prover a melhoria das condições de vida das pessoas é permitir-lhes a livre circulação e o direito de estabelecimento sem os limites rígidos das fronteiras, o que, por vezes, lhes é arbitrariamente vetado pela lógica inconfessável de interesses menores ou então por uma percepção que não é a mais adequada ao interesse maior de cada nação e de seu povo.

Ressalto esse ponto neste dia em que estamos recebendo a visita do Secretário de Defesa dos Estados Unidos, Donald Rumsfeld.

Quando se fala em abertura comercial e em livre comércio, é necessário que se tenha consciência da necessidade da livre circulação não apenas de bens, de serviços e de capitais, mas, fundamentalmente, de seres humanos, objetivo último de qualquer projeto cujas convicções tenham base no desenvolvimento sustentado e na liberdade política e econômica.

Senadora Heloísa Helena, Amartya Sem, Prêmio Nobel de Economia, economista indiano de Harvard, ressalta no seu livro Desenvolvimento como Liberdade que há um ponto comum entre Adam Smith e Karl Marx, quando falam exatamente da liberdade maior dos seres humanos.

Karl Marx - que era muito crítico do capitalismo -, numa das passagens de O Capital, ressalta que num aspecto o capitalismo se desenvolveu muito exatamente pelo maior fenômeno contemporâneo a ele, que foi a Guerra Civil norte-americana e a libertação dos escravos. Ele analisou como é que os escravos, passando a ter livre circulação nos Estados Unidos da América e a ser contratados, ao invés de serem escravizados, geraram um enorme desenvolvimento ao capitalismo. Adam Smith, por seu turno, quando criticava a chamada Lei dos Pobres, The Poor Laws, ressaltava que elas tinham o aspecto de permitir às paróquias cobrarem dos senhores de terra uma certa quantia para proverem subsídios aos trabalhadores que tinham que permanecer naquelas áreas, sem mobilidade para irem aonde desejassem para serem contratados da melhor forma. Daí, começaram a surgir inúmeras formas de prestar declarações incorretas e fraudes. Adam Smith era crítico daquelas leis exatamente porque impediam maior mobilidade dos próprios trabalhadores para irem buscar o trabalho aonde lhes fosse melhor.

A livre circulação das pessoas, direito consagrado pela Constituição no âmbito interno, é algo que vem avançando nas negociações internacionais que visavam eminentemente às trocas do comércio. A extensão da abertura de barreiras também às pessoas evidencia conclusão muito clara: todos saem ganhando. Quando há livre movimentação de mão-de-obra, viabilizam-se mecanismos efetivos para a desconcentração de renda, que continua a ser o grande problema de nosso tempo, de cujas raízes, profundas desde nossa formação colonial, ainda não nos libertamos. Não podemos conceber o discurso do livre mercado apenas por seu lado usurário de bens e de capitais, ignorando a maior das riquezas que é aquela redentora do homem: sua força de trabalho.

Estamos certos de que a melhoria de distribuição de renda e de riqueza é fator formidável para o equilíbrio social. A União Européia é exemplo disso, e os históricos bolsões de pobreza que existiam no limiar dos anos de 1960, na bacia do Mediterrâneo, estendendo-se do sul da Itália, da Península Ibérica até a Irlanda e mesmo a algumas regiões da Alemanha, hoje dizem respeito a um passado remoto em uma Europa abundante e de expressivo níveis de desenvolvimento social.

No âmbito do Mercosul, desde as primeiras negociações do Tratado de Assunção, em 26 de março de 1991, houve o compromisso de buscar-se, de modo programático, espaço integrado, onde as pessoas pudessem circular livremente, como se a geografia imperasse despida de amarras políticas, que se materializam nas fronteiras e na separação de espaços contínuos.

Embora as assimetrias e as dificuldades macroeconômicas dos países mercosulinos ainda não tenham permitido a concreção do verdadeiro Mercado Comum, como se pretende, inclusive com a livre circulação da pessoa humana, avanços nesse sentido têm-se verificado. Vale ressaltar a desnecessidade de visto e mesmo do uso de passaporte para os cidadãos do Mercosul, os quais podem circular apenas com suas carteiras de identidade, como se estivessem no país pátrio. Mais do que isso, já está em vigor, também no quadro do Mercosul, protocolo de livre circulação de trabalhadores transfronteiriços, permitindo que a mão-de-obra possa se movimentar livremente em regiões previamente determinadas.

Pelo que podemos ver, portanto, a notícia que hoje lemos nos jornais nos assusta e preocupa, em face dos avanços substanciais que a integração sul-americana já alcançou. O Governo do Paraguai pretende expulsar de seu território, de forma indiscriminada e injusta, os brasiguaios ou aqueles brasileiros que ali estariam com documentação ainda não completa ou os chamados ilegais. Prescindível dizer que tal medida causaria grande consternação em toda a região, com o agravamento de problemas sociais por si só muito grandes. A primeira notícia que temos é assustadora, porquanto se tratar de verdadeira deportação em massa, algo que contrasta com o momento histórico que vivemos e com o nível de evolução do tratamento humanitário a que devemos obedecer. O drama dos imigrantes que saem do País é algo que preocupa muito de perto a sociedade brasileira. Mais e mais migram em busca da realização de um sonho de prosperidade material, de estabilidade e de recompensa. A realidade que encontram, porém, muitas vezes, é distinta daquela que habita o imaginário.

            E a novela de Glória Perez, “América”, com ousadia e competência, retrata o processo de desilusão, de sofrimento e, por vezes, de privações pelo qual passam os imigrantes. Quero, dessa forma, aproveitando a oportunidade, parabenizar a Rede Globo, a Glória Peres e o Jayme Monjardim por abordarem corajosamente tema de tão grande relevância não só para o Brasil, mas para todos os países que buscam compreender as novas forças que movem e estimulam o mundo. Ainda não sei qual será o conteúdo dessa novela, mas temos notícias de que estarão reportando o drama de brasileiros e latino-americanos que têm procurado cruzar a fronteira do México para os Estados Unidos e, muitas vezes, são assassinados, terminando seus sonhos de forma abrupta.

Devemos exortar as autoridades paraguaias para que repensem a medida de força desnecessária em relação aos brasileiros ou brasiguaios. Soluções de força não resolvem, mas agravam problemas sociais, como os que levam cidadãos para fora de seus países em busca de melhores condições de vida.

            (O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - O atual estágio de desenvolvimento do Mercosul não permite retrocesso. Vivemos em bloco de nações que consagra a cláusula democrática, base da relação entre Estados, conforme manda o Protocolo de Ushuaia. A mesma República Paraguaia que reivindica e obtém a instalação do Tribunal Arbitral de Revisão do Mercosul, em Assunção, conforme o Protocolo de Olivos de 1994, recentemente ratificado por todos os países membros, por prezar o direito e a justiça, seguramente não irá resvalar para medidas arbitrárias, como a deportação de expressivos contingentes migratórios. Quer-se, salvo melhor juízo, avançar na evolução das garantias sociais, políticas e econômicas. E o Paraguai, tenho certeza, não se dobrará ao caminho inverso da história.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/03/2005 - Página 6267