Discurso durante a 26ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Criação de CPI pela Assembléia Legislativa de Pernambuco para investigar as atividades do MST no Estado de Pernambuco.

Autor
José Jorge (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: José Jorge de Vasconcelos Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MOVIMENTO TRABALHISTA.:
  • Criação de CPI pela Assembléia Legislativa de Pernambuco para investigar as atividades do MST no Estado de Pernambuco.
Publicação
Publicação no DSF de 24/03/2005 - Página 6269
Assunto
Outros > MOVIMENTO TRABALHISTA.
Indexação
  • REGISTRO, DECISÃO, ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), INSTALAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), INVESTIGAÇÃO, IRREGULARIDADE, CORRUPÇÃO, VIOLENCIA, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, REGIÃO.
  • REPUDIO, TORTURA, HOMICIDIO, POLICIAL MILITAR, AUTORIA, SEM-TERRA, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE).
  • CRITICA, EXCESSO, DISPONIBILIDADE, RECURSOS, GOVERNO FEDERAL, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), ASSISTENCIA SOCIAL, ACUSAÇÃO, IRREGULARIDADE.
  • SOLICITAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, IMPLANTAÇÃO, SISTEMA, FISCALIZAÇÃO, CONTRATO, ORGÃO PUBLICO, UNIÃO FEDERAL, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA.
  • REITERAÇÃO, PEDIDO, REALIZAÇÃO, PESQUISA, AVALIAÇÃO, SITUAÇÃO, QUALIDADE DE VIDA, ASSENTAMENTO RURAL, SEM-TERRA.

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, infelizmente, não vou poder esperar minha vez de me pronunciar, por isso peço a V. Exª que publique como lido o pronunciamento que eu iria fazer em que anuncio que a Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco aprovou, no dia 14 passado, uma CPI para investigar as atividades do MST no Estado, tendo em vista diversas acusações de mal uso de recursos, a morte de um soldado, enfim, uma série de questões que têm que ser bastante analisadas.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SENADOR JOSÉ JORGE.

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O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Assembléia Legislativa de Pernambuco, no dia 14 deste mês, instalou Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar a violência em assentamentos do MST no Estado e também para apurar atos de corrupção e desvios na aplicação dos recursos públicos federais e estaduais destinados a projetos em diversos assentamentos do MST.

Vale ressaltar que é a primeira vez que se instala uma CPI em nossa Assembléia com esta finalidade. Considero a iniciativa como um fato saudável para a vivência democrática, porque o Legislativo pernambucano vai tratar o MST como se deve tratar qualquer outro movimento social, isto é, pelo princípio da isonomia democrática, sem privilégios e sem o manto protetor com que os membros do atual Governo distinguem desse movimento.

Os fatos que levaram o ilustre parlamentar pernambucano, Deputado Bruno Rodrigues, a requerer a CPI, tiveram origem no assassinato de Luis Pereira da Silva, soldado da PM de Pernambuco, crime cometido pelos assentados do MST no Engenho Bananeiras, no município de Quipapá, no dia 05 de fevereiro deste ano.

O PM assassinado, como noticiaram todos os jornais de Pernambuco, com repercussão nacional, estava em companhia de outros dois policiais, em perseguição ao agricultor José Ricardo de Oliveira, acusado de ser o líder de uma quadrilha de assaltantes na região e que, coincidentemente ou não, também possuía lote no assentamento Bananeiras e era um dos líderes do MST na Mata Sul do Estado.

Segundo os dados da imprensa local e da polícia, o soldado Luiz Pereira da Silva foi dominado por um grupo de assentados e executado sumariamente com três tiros, após sofrer torturas e espancamentos pelo mesmo grupo. Com ele, também foi dominado e espancado o sargento Cícero Jacinto da Silva, que depois ficou amarrado em uma casa no assentamento e posteriormente foi liberado após negociação com os representantes da Polícia Militar de Pernambuco. O terceiro policial conseguiu escapar.

Como desdobramento do fato do homicídio, vieram à tona as disputas internas nos próprios assentamentos do MST; a incompetência do coordenador regional no gerenciamento das atividades dos assentamentos; as irregularidades na aplicação das verbas públicas recebidas e a cobrança indevida de taxas.

Não há dúvida de que os fatos ocorridos em Pernambuco, pela sua gravidade e pela sua contundência, estão levando cada vez mais a sociedade local a considerar inaceitável que os líderes do MST, a despeito de desfraldarem suas bandeiras, teoricamente justas, queiram se sobrepor à lei, colocar-se acima da democracia, acima das autoridades constituídas e até acima da obrigação de serem fiscalizados pelos órgãos constitucionais existentes.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Pernambuco vem sendo historicamente um dos Estados da Federação onde os conflitos agrários são mais freqüentes e mais intensos e sempre fortemente ideologizados, acarretando um clima quase permanente de tensão social no campo, que muitas vezes tem descambado para a violência, para o crime e para a insegurança de nossa população.

No mundo das ciências sempre se trabalha com o princípio da causalidade: cada efeito decorre necessariamente de uma respectiva causa.

A respeito da violência no campo, que continua fazendo vítimas em diversas partes do país, podemos apontar, à luz do atual contexto em Pernambuco, pelo menos três causas que me parecem as mais importantes, para maior compreensão do que se passa em nosso país neste momento :

Em primeiro lugar, é posição unânime de todos nós Senadores, que compomos esta Casa na atual legislatura, que sem a reforma agrária, não desaparecerá a violência no campo.

A reforma agrária sempre foi e continua sendo de máxima urgência, por ser uma questão de justiça social e também por ser um fator de crescimento de nossa produção agrícola e pecuária. O agricultor que vive da terra, sabe trabalhar a terra e tem apoio técnico e creditício para a sua atividade, terá garantida a sua cidadania, a sua fonte de renda, a segurança de sua família e a esperança de futuro melhor.

A reforma agrária, volto a dizer, se feita de forma correta, diminuirá o desemprego e a violência e evitará o desperdício de recursos com programas paternalistas e de puro fisiologismo eleitoral, tão ao gosto do atual Presidente.

No entanto, o desempenho do Governo Lula continua pífio na implantação da reforma agrária e como em muitos outros setores, este Governo permanece paralisado e anêmico. O Ministro Miguel Rosseto se preocupa muito em articular apoios políticos dos movimentos sociais do campo, já de olho na reeleição do Presidente, sem efetivamente executar as políticas públicas de sua área.

Valho-me do caso de Pernambuco: segundo os dados do IBGE e da Comissão Pastoral da Terra, existem hoje no Estado, cerca de 280 mil famílias sem-terra, 12 mil famílias em assentamentos e 35 mil famílias em acampamentos. E pasmem, Srªs e Srs. Senadores, o Governo Federal, através do Incra, projetou assentar apenas 6.600 famílias em 2004, portanto, 2,3% do necessário.

E o pior, o Incra só assentou efetivamente em 2004, no Estado de Pernambuco, o irrisório número de 756 famílias, ou seja, 11% da meta prevista, o que significa 0,26 % do necessário para atender às 280 mil famílias de sem-terra.

Isto é absolutamente inaceitável, incompreensível e revoltante.

Diante desses dados, referentes a um Estado onde a situação é tão explosiva, cabe perguntar: será que efetivamente o Governo Lula quer fazer reforma agrária?

Os fatos apresentados, sem dúvida, são a resposta.

Diante dessa situação quero lembrar aqui uma expressão utilizada pelo ilustre Senador Alvaro Dias, quando em abril de 2004 estava eu aqui mais uma vez abordando o problema da reforma agrária, agudizado então pela onda gigante de invasões de terras que estava ocorrendo no Brasil.

Em aparte que lhe concedi, o nobre Senador pelo Paraná dizia que o Ministro Miguel Rosseto era um “tartarugão”, para logo modificar a palavra e comparar o ministro a um “paquiderme enorme, caminhando a passos lentos, provocando a insatisfação e a revolta nos campos do país”.

Não titubeio em afirmar que a falta de competência do Governo Lula para empreender uma reforma agrária séria, objetiva, realista e progressista leva a violências como a da morte do policial em Pernambuco. A lentidão do Governo, como ocorreu na tomada de providências, diversas vezes pedidas e reiteradas pela Irmã Dorothy Stang no Pará, pode culminar com barbáries como a do assassinato daquela religiosa, uma mulher admirável e digna, inteiramente dedicada a causas humanitárias dentro e fora de seu país de origem.

Em segundo lugar, vejo também como causa da violência no campo, a postura antidemocrática de alguns movimentos sociais, como o MST, orientados mais para os seus projetos de poder, do que para o projeto da reforma agrária propriamente dita. Não são poucos os casos em que se vê a instrumentalização de pessoas humildes apenas com fins políticos ideologicamente já predeterminados, sem qualquer compromisso com sua melhoria de vida.

Em 2004 tivemos a oportunidade de registrar nesta Casa a nossa preocupação com a onda que ficou conhecida como “abril vermelho”, decretada pelo Sr. Stédile, com o objetivo de invadir propriedades rurais em todo o território nacional, “no grito e na marra”, como proclamou Stédile, e de realizar megaeventos de pressão social, bloqueando estradas, e invadindo prédios públicos.

Nos últimos dias de janeiro próximo passado, após 3 invasões de terra no Pontal de Paranapanema, o Sr. Luciano Francisco Paraíso, da secretaria regional do MST, anunciava que estava iniciado o “2005 Vermelho”.

Em Pernambuco existem hoje 14 organizações de agricultores supostamente sem terras, sendo o MST o mais importante deles, seguido pela Fetape e pela Pastoral da Terra. Mas, ao que tudo indica, o assassinato do Soldado Luis Pereira inibiu ou protelou o desencadeamento da programação do “2005 vermelho” do MST, pois apenas a Fetape iniciou as invasões de terras, sendo 3 em Águas Belas, na região agreste e uma em Salgueiro, no sertão, no dia 13.02.

No dia 11.03 o MST de Alagoas formou um batalhão de 400 homens armados com porretes, barras de ferro, foices e facões para atuar no acampamento urbano fincado em uma praça no centro de Maceió. Eles bloquearam também o acesso ao Incra da capital alagoana.

Evidentemente, atitudes assim não contribuem para o avanço das reformas e nem para a paz no campo.

Em terceiro lugar, aponto como causa da violência no campo a gestão incompetente dos recursos e programas públicos, às vezes permeado por corrupção, como são os casos que passo a relatar.

Em nosso Estado a coordenação do MST nos seus acampamentos e assentamentos se mostra extremamente precária e ineficiente. E a prova está nos fatos que estão surgindo para a sociedade após o assassinato do soldado Luis Pereira. São recrutamentos feitos sem critérios rígidos dos assentados, no campo e nas periferias das cidades; brigas internas pelo poder; venda e a revenda de lotes; desvio de recursos de projetos e a corrupção em sua aplicação; falta de prestação de contas dos convênios aos órgãos públicos financiadores; a cobrança indevida de taxas e o desvio de cestas básicas.

O Sr. José Ricardo, aquele assentado e coordenador de áreas de assentamentos do MST, de quem já falamos, que também foi pivô do crime ocorrido contra o soldado e é tido como chefe de uma quadrilha de assaltantes na região, ele afirmou que o coordenador geral do MST em Pernambuco, o Sr. Jaime Amorim, teria desviado verbas destinadas à construção de casas no assentamento Gulandi, região entre Belém de Maria e Lagoa dos Gatos.

O Sr. Jaime Amorim confirmou que o movimento recebeu R$ 214.160,88 para construir 59 casas e apenas 32 foram construídas e que a prestação de contas não foi feita. O Tribunal de Contas inclusive já apurou o caso e constatou as irregularidades.

Por informação da Sra. Brenda Braga, gerente do Programa Pro-Rural/Renascer, do Estado de Pernambuco, há irregularidades em 26 dos convênios assinados entre 1999 e 2001 com os assentamentos do MST e todos os processos já estão sendo enviados ou já o foram ao Tribunal de Contas do Estado.

Só para o Assentamento Marighela foram repassados R$222.360,99 e para o Assentamento Antônio Conselheiro mais R$214.160,88. Ambos estão com irregularidades.

Para estes e mais para o Assentamento Che Guevara, para o Assentamento Gregório Bezerra, para o Assentamento Ourives Palmeira e outros assentamentos, foram repassados pelo Governo do Estado a quantia de R$1.612.504,26. Todos estes assentamentos são ligados ao MST e estão com problemas na aplicação dos recursos.

Veio a público também, através da imprensa pernambucana, o depoimento do Sr. José Francisco, técnico do MST, dando conta de que realmente há fraudes nos contratos de assistência técnica financiados pelo Incra para cada assentamento. Segundo ele, os técnicos recebem apenas a metade do salário e a outra metade fica para o MST.

Houve também a denúncia de que a coordenação do MST cobra taxas de 5% sobre os repasses que são feitos a cada assentado. O Incra, neste caso, declarou que nunca autorizou a cobrança.

Outra denúncia de natureza extremamente grave foi feita pelo presidente do Assentamento Brejo, no Município de Tamandaré, o Sr. Severino Nazareno Barbosa Gomes, de que cerca de 15 toneladas de alimento foram desviadas pelo MST e grande parte vendida por militantes nos mercadinhos da cidade.

O mesmo denunciante, pela imprensa, informa que foi feito o aumento do cadastro para as cestas básicas com o nome dos filhos dos assentados. Fala-se também em vendas ilegais de lotes para estranhos.

Temos de convir, portanto, que tais fatos exigem por parte dos Governos uma fiscalização rigorosa e uma tomada de providências rápida e eficaz para impedir que os programas de reforma agrária sejam prejudicados, contraditoriamente, pelos próprios movimentos que a reivindicam.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não há dúvida de que o Governo Federal não pode ficar omisso diante dessas irregularidades, pois é inverossímil que o MST de Pernambuco seja uma exceção no sistema nacional. O problema deve ser muito mais extenso.

Este problema se agiganta se considerarmos o crescimento do número de organizações não-governamentais que no Governo Lula estão sendo regiamente contempladas com grandes convênios.

Não se pode negar a importância do terceiro setor na organização da sociedade e na prestação de serviços assistenciais, educacionais e até de pesquisas. Mas há de se convir que os recursos públicos devem ser fiscalizados e não se pode entender que a Corregedoria da União haja com tanto rigor para com as administrações municipais e estaduais, sem que haja igualmente o devido rigor no acompanhamento da execução dos programas financiados e dos recursos públicos aplicados por outros agentes, quaisquer que sejam.

Infelizmente não existe a devida transparência e informação sobre todos os recursos repassados pelo Incra e pelo Ministério da Reforma Agrária para a totalidade dos assentamentos do MST em Pernambuco. Mas como não prever que também nestes repasses federais, haja também as mesmas irregularidades?

Por isso termino meu pronunciamento solicitando à Presidência da República que, em nome da moralidade, da legalidade, da transparência e do interesse público, que determine à Corregedoria da União implantar um sistema de acompanhamento e fiscalização de todas as subvenções e contratos assinados pelos órgãos federais com os movimentos sociais e com as organizações não-governamentais. E que se dê prioridade na apuração das irregularidades já vindas a público em todos os Estados da Federação, inclusive Pernambuco.

Defendo também que relatórios periódicos da Corregedoria, no mesmo sentido, sejam enviados ao Senado Federal para que possamos acompanhar com mais objetividade todas as atividades do terceiro setor, como parceiros que devem ser na construção de uma sociedade mais justa.

Quero também reiterar o apelo feito desta tribuna ao Governo Federal em 30.04.2004, que assegure a realização de pesquisas sobre a situação dos atuais assentados ou acampados dos movimentos de sem-terra, para avaliar a sua qualidade social e econômica, encontrando o custo-benefício dos investimentos feitos pela sociedade brasileira no programa da reforma agrária neste país.

Era o que tinha a dizer.

Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/03/2005 - Página 6269