Discurso durante a 28ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Exaltação ao projeto de Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado - Reca, como exemplo de desenvolvimento sustentável na Amazônia.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Exaltação ao projeto de Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado - Reca, como exemplo de desenvolvimento sustentável na Amazônia.
Aparteantes
Fátima Cleide.
Publicação
Publicação no DSF de 30/03/2005 - Página 6778
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, VISITA, ORADOR, PROJETO, REFLORESTAMENTO, ASSOCIAÇÃO RURAL, PEQUENO AGRICULTOR, ESTADO DE RONDONIA (RO), PROXIMIDADE, FRONTEIRA, ESTADO DO ACRE (AC), PRODUÇÃO, BENEFICIAMENTO, COMERCIALIZAÇÃO, PRODUTO FLORESTAL, PRODUTO AGRICOLA, REGISTRO, DADOS, ELOGIO, MODELO, ORGANIZAÇÃO, INICIATIVA PRIVADA, DEFESA, APOIO, GOVERNO, FACILITAÇÃO, CREDITOS, BANCO DO BRASIL, BANCO DA AMAZONIA S/A (BASA), DIVULGAÇÃO, EXPERIENCIA, REGIÃO AMAZONICA.
  • REGISTRO, HISTORIA, OCUPAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA, CONFLITO, TERRAS, DESMATAMENTO, IMPORTANCIA, VALORIZAÇÃO, INICIATIVA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL.
  • VISITA, ORADOR, ESTADO DO ACRE (AC), ELOGIO, GOVERNO ESTADUAL, POLITICA, APROVEITAMENTO, RECURSOS FLORESTAIS, MANEJO ECOLOGICO, EXTRATIVISMO.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, durante a Semana Santa, fui conhecer o projeto Reca, uma experiência bem-sucedida de pequenos agricultores que vivem em Rondônia, terra da Senadora Fátima Cleide, próximo à fronteira do Acre.

Reca é a sigla de Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado. O projeto tem dezesseis anos e garante boa qualidade de vida a 300 famílias rurais. São famílias paranaenses, catarinenses, mineiras e de outros Estados do centro-sul, que migraram a partir dos anos 70, procurando terra para trabalhar e produzir. Na Vila Califórnia decidiram juntar-se a agricultores locais, organizando uma associação. Hoje, produzem e vendem manteiga e polpa de cupuaçu, palmito e sementes de pupunha, como produtos principais, mas também café, mandioca e mais uma diversidade de produtos cultivados em pequenas áreas, que são os seus quintais florestais ou, tecnicamente, os SAFs, Sistemas Agroflorestais.

Srªs e Srs. Senadores, vou citar alguns números dessa extraordinária comunidade. Constituída por 300 famílias assentadas em 55 unidades agroflorestais, possui fábrica de beneficiamento de cupuaçu, produzindo e comercializando 240 toneladas anuais de óleo e polpa desse fruto amazônico. Possui também uma fábrica de palmito de pupunha e outra que beneficia sementes, comercializadas a R$14,00 o quilo.

Para beneficiar 30 toneladas de sementes, entretanto, é forçada a desperdiçar 300 toneladas de farinha de pupunha, um alimento que poderia ser perfeitamente aproveitado, seja para alimentação humana ou até mesmo para ração animal; bastava uma interferência do Poder Público para colocar no mercado esses alimentos que hoje são desperdiçados.

Essas famílias venceram sozinhas, inventando seu próprio modelo de organização e de produção.

O mais fantástico do Reca é que eles inventaram uma forma de produzir na Amazônia de forma sustentável, tanto do ponto de vista econômico, social, ambiental e político. Em 1984, quando iniciaram o projeto, a região pertencia ao Estado do Acre e vivia conflitada com a disputa pela terra.

O governo militar incentivava a ocupação da Amazônia pelos grupos pecuaristas e colocava o Incra para aliviar as tensões com projetos de assentamento. Na verdade, só faziam aumentar as tensões e acelerar o desmatamento na região. O IBDF (atual Ibama), a Sudam, o Basa, como o Incra, só atrapalhavam e infernizavam a vida dos trabalhadores rurais da região e dos que migravam para lá.

Fugindo dos grileiros e fazendeiros do Centro-sul, do Paraná, do Mato Grosso, e até mesmo, já numa terceira migração, de Rondônia, que atuavam com a conivência do Poder Público e dos grupos econômicos e financeiros do País, os pequenos agricultores chegaram ao Acre como alternativa de sobrevivência.

Em meio ao caos dos projetos fundiários, o pessoal do Reca comprou lotes na vila Nova Califórnia, nas margens da BR-364, e plantou lavoura branca, lavoura que sabiam cultivar, que tinham recebido de herança dos seus ancestrais. Plantaram milho, arroz, feijão. No entanto, o solo não os ajudou, e eles perderam tudo. Alguns, evidentemente, não conseguiram permanecer e venderam suas propriedades, venderam suas colônias e foram morar na periferia de Porto Velho ou na periferia de Rio Branco. Outros morreram de malária. Mas um grupo pioneiro teve a idéia de juntar-se com os filhos da terra, aqueles nascidos na região, e adotar os sistemas agroflorestais. Com a ajuda da Igreja do Acre e depois de uma organização holandesa, Cebemo, plantaram cupuaçu, pupunha, açaí e outras espécies da Amazônia com grande sucesso.

O que se vê hoje no Reca é o mais animador modelo de reforma agrária para a Amazônia e para outras regiões do País. Num lote de 100 hectares, que o Incra considera padrão para assentar uma família na Amazônia, situação que nunca resolveu de fato, os agricultores chegam a assentar até onze famílias. E posso afirmar isso porque visitei algumas dessas famílias. Estive em suas propriedades, verificando a sua condição de existência. E todos vivem muito bem - obrigado! -, com renda superior a R$20 mil por ano só com a produção de cupuaçu e de pupunha. Eles entregam a planta industrial, tão bem gerenciada por eles mesmos. Sem falar que possuem outras culturas e criam porco, galinha e também vacas, além de plantas medicinais, como sangue de dragão, que tive a oportunidade de ver na floresta, um poderoso cicatrizante, cujo mercado está se ampliando cada vez mais.

Vale a pena conhecer a chácara do Sr. João Craveiro, onde estive, por exemplo. Trata-se de um cearense que era caseiro e agora é proprietário, que tem de tudo em sua casa: leite, ovos, frutas, farinha, televisão, geladeira, fogão, uma bela sala de estar e que, com certeza, neste momento, está nos assistindo, por meio da TV Senado, confortavelmente instalado em sua casa, cercado de plantações amazônicas que lhe garantem uma sobrevivência tranqüila.

A Srª Fátima Cleide (Bloco/PT - RO) - Senador João Capiberibe, V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Pois não, Senadora Fátima Cleide.

A Srª Fátima Cleide (Bloco/PT - RO) - Quero parabenizá-lo pelo seu pronunciamento. Sinto-me muito feliz por termos mais um amazônida conhecendo uma experiência altamente sustentável como é a do Projeto Reca. Espero contar com V. Exª. Sei que podemos fazê-lo, porque conheço a sua história como Governador do Estado do Amapá, e sei do incentivo que foi dado, naquele momento, ao desenvolvimento sustentável daquele Estado. Conheço a experiência do Reca desde os idos dos anos 80, quando acompanhava o trabalho do atual Governador Jorge Viana, do Acre. Sei do apoio que foi dado àquela organização social pelo hoje Arcebispo de Porto Velho, Dom Moacir Grechi. Foram pessoas fundamentais para que essa organização tenha nascido e se fortalecido. Hoje, nós do Estado de Rondônia, sentimo-nos muito felizes de termos herdado o projeto Reca. Aproveito para fazer o convite a V. Exª e aos demais Senadores para conhecerem outra experiência que também causa orgulho ao Estado de Rondônia. Refiro-me à experiência dos produtores alternativos do Estado de Rondônia, que se baseou inclusive no Projeto Reca. Como V. Exª disse, essas duas experiências têm, comprovadamente, por meio de pesquisas, os melhores índices de desenvolvimento humano no Estado de Rondônia, o que só fortalece a nossa concepção no desenvolvimento sustentável, na economia baseada na biodiversidade, que respeita também o meio ambiente em que está inserida. Como V. Exª falou, essa população é composta de pessoas que migraram de todos os lugares do Brasil para a Amazônia em busca de melhores condições de vida. E ousaram; e ousando conseguiram obter a situação em que estão, sem apoio governamental. Parabenizo V. Exª pelo olhar sensível, inovador e multiplicador.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Muito obrigado, Senadora. Confesso que fiquei completamente apaixonado pelo projeto. Não tenho a menor dúvida. É claro que o projeto tem muitos problemas. Gostaria de convidá-la para que, juntos, possamos vencê-los. Entre eles, por exemplo, a atuação do Banco da Amazônia e do Banco do Brasil, duas instituições oficiais de crédito que insistem em facilitar o crédito para a expansão da pecuária, para a expansão da monocultura da soja, enquanto experiências tão bem-sucedidas do ponto de vista econômico não são apoiadas.

É óbvio que, para a sustentabilidade, temos que preencher todos os campos: da economia, pois ali o capital se reproduz; do social - não há a menor dúvida de que aquelas famílias têm coesão, com convivência social absolutamente tranqüila e com o futuro da família assegurado -: e do político, pois eles construíram uma organização sui generis, única. A organização é feita por meio do consenso. É fascinante que não haja eleição.

Enfim, resta às instituições oficiais, principalmente de crédito, acreditarem num projeto como este, e resta ao Governo Federal tocar adiante o Programa Amazônia Sustentável, que está paralisado. Já temos experiências suficientes na Amazônia para definir essa confiança. Ali há uma clara definição de produção, de organização.

Eu gostaria de continuar explicando às nobres Senadoras e Senadores que Nova Califórnia faz divisa com o Acre, Rondônia, Amazonas e Bolívia, ou seja, está encravada entre quatro fronteiras. É surpreendente que esteja a 360 quilômetros de Porto Velho. Está muito mais próxima de Rio Branco. Eu ia até fazer a viagem por Porto Velho, mas quando vi as distâncias desisti. Conversei com um agente distrital, e a comunidade tem pouquíssima relação com a prefeitura da capital. Realmente, quando falamos de visão territorial, fica difícil imaginar um distrito a 360 quilômetros da sede municipal. Por mais que o prefeito seja um homem de grande sensibilidade, dificilmente teria um olhar tão distante e tão penetrante. O Estado brasileiro possui o braço curto, é um Estado ausente. Perguntei aos pequenos agricultores que visitei qual era a presença da União Federal ali. Tirando a BR, nada mais havia. Ficaram um pouco mudos. Citaram o Ministério do Meio Ambiente há alguns anos, o Inpa - Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - e a Embrapa. Foi o que ouvi citarem.

Aquele projeto é algo fantástico. Trata-se de uma ilha de soluções econômicas, sociais, ambientais, rodeada de destruição por todos os lados. Tive conhecimento de que lá existe uma rodovia que começa a 92 quilômetros do Reca, na direção de Porto Velho. Há um ramal, com mais de 100 quilômetros. A floresta está sendo, simplesmente, destruída, convertida em pastagem, sem a menor fiscalização ou acompanhamento do Poder Público. Isso mostra, com certeza, as dificuldades que o Estado brasileiro tem para controlar, fiscalizar e dar o mínimo de garantia para a sociedade, que está, sim, de fato, preservando o patrimônio ambiental de todos os brasileiros.

Ora, neste momento em que se anunciam inúmeras medidas para controlar o desmatamento na Amazônia, para contribuir com a preservação do Planeta, o Reca é um grande estímulo e pode ser transformado em políticas públicas para o resto da Amazônia, já que ali não há nenhuma dúvida de que o projeto está dando certo de todos os pontos de vista que analisarmos.

Também aproveitei essa viagem para conhecer o programa florestal do Estado do Acre, da economia florestal que o Estado está desenvolvendo, e lá encontrei uma gratíssima surpresa: o Estado definiu uma política de uso econômico da floresta, que começa com o manejo florestal. Tive a oportunidade de visitar o assentamento extrativista São Luís do Remanso e conversar com manejadores da floresta, pessoas que, além da atividade extrativa da castanha e da borracha, agora também se dedicam a fazer o manejo florestal dentro de técnicas precisas de colheita de madeira de lei. E esses pequenos agricultores extrativistas assentados ali melhoraram muito suas rendas; estão ganhando com o uso de produtos madeireiros da floresta de forma absolutamente racional. E também conheci uma grande indústria de transformação de madeira.

Portanto, todo um conjunto de ações mostra que o Estado do Acre tem uma política claramente definida para a floresta. A economia florestal acreana certamente fará do Acre um Estado com excelentes condições econômicas em pouco tempo. Os governantes do Acre - o Governador Jorge Viana e todos os seus companheiros - definiram o uso econômico da floresta, as políticas e como acessar os recursos florestais, madeireiros e não-madeireiros.

Ainda há muito que avançar, mas parece-me importante que todos tomemos conhecimento do que está definido em termos de política florestal, principalmente numa região de grandes florestas, como a Amazônia. Não se faz necessária a destruição da floresta para garantia da condição de vida da população que ali vive. Precisamos de conhecimento. E é exatamente desse conhecimento que não dispomos, porque o conhecimento deste País foi concentrado no centro-sul brasileiro. Agora, a região que mais necessita de conhecimentos é a amazônica.

Precisamos de grandes universidades, com possibilidades de pesquisar e saber como valorar a biodiversidade amazônica, como fizeram os pequenos produtores do Projeto Reca. O Projeto Reca é um modelo que pode ser replicado em vários Estados amazônicos e, evidentemente, num país tropical como o Brasil, em vários Estados brasileiros.

A política florestal do Acre pode nos inspirar, porque brevemente vai chegar aqui a Lei de Concessão Florestal, que vai regular o gerenciamento das nossas florestas, criando algumas instituições que, evidentemente, poderão conferir definição econômica ao uso da floresta, para barrar essa destruição sistemática das nossas riquezas, trocando a riqueza da biodiversidade amazônica por destruição ambiental e pobreza social.

O modelo que prevalece até hoje na Amazônia é o da pilhagem dos recursos naturais, e, infelizmente, as instituições públicas seguem financiando a destruição. Creio que está na hora de acordarmos. Não são necessárias as interferências do Sr. Lammy para transformar a Amazônia em um patrimônio global, com gerenciamento global. Não. Os amazônidas, as pessoas que ali vivem, bem como índios e seringueiros, reuniram seus conhecimentos e trocaram informações por meio do Projeto Reca, oriundo do Paraná, Minas Gerais, Mato Grosso e de vários Estados brasileiros, apresentando uma grande solução que nós, nada mais, nada menos, temos de acatar, usar como exemplo e transformar em políticas públicas.

Sr. Presidente, era o que eu tinha a dizer.

Muitíssimo obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/03/2005 - Página 6778