Discurso durante a 28ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários ao artigo do jornalista Luís Nassif, publicado no jornal Folha de S. Paulo, do dia 20 de março, intitulado "O Dom Quixote da Nova República", que lembra fatos da vida e elogia o ex-ministro da Fazenda Dílson Funaro.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comentários ao artigo do jornalista Luís Nassif, publicado no jornal Folha de S. Paulo, do dia 20 de março, intitulado "O Dom Quixote da Nova República", que lembra fatos da vida e elogia o ex-ministro da Fazenda Dílson Funaro.
Aparteantes
Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 30/03/2005 - Página 6783
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • LEITURA, TRECHO, COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), JUSTIÇA, HOMENAGEM, ATUAÇÃO, DILSON FUNARO, EX MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), PERIODO, REDEMOCRATIZAÇÃO, BRASIL, PLANO CRUZADO, TENTATIVA, CONTROLE, INFLAÇÃO, ELOGIO, IDONEIDADE, VIDA PUBLICA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Garibaldi Alves Filho, agradeço a V. Exª.

Nesta oportunidade, gostaria de ler um artigo do jornalista Luís Nassif, da Folha de S.Paulo, publicado no dia 20 de março de 2005, denominado “O Dom Quixote da Nova República”, onde ele lembra que “na semana que passou, comemoraram-se os 20 anos de democratização do País. Melhor seria dizer desmilitarização”. O jornalista, então, comenta as diversas homenagens havidas, mas também menciona que “nessa fase confusa, de uma democracia infante, surgiu uma das figuras mais carismáticas da vida nacional de todos os tempos”.

O jornalista faz uma análise do papel desempenhado pelo Ministro da Fazenda Dilson Funaro.

O Ministro da Fazenda Dilson Funaro era um empresário nacional trabalhador, que cresceu protegido pelo mercado fechado e fez da empresa Trol o segundo ou terceiro fabricante nacional de brinquedos.

Foi ungido à Presidência do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), por indicação de Ulysses Guimarães - o todo-poderoso prócer do PMDB. Logo depois, assumiu o Ministério da Fazenda. Para o Banco Central foi Fernão Bracher. Debaixo de Bracher, os economistas André Lara Rezende e Pérsio Arida, incumbidos de pensar o Plano Cruzado - montado nos moldes do pioneiro Plano Primavera da Argentina.

Três grupos se formaram naquela colcha de retalhos do Governo José Sarney. No Banco Central, Lara Rezende e Arida, mais Luiz Carlos Mendonça de Barros. Na Fazenda, Funaro cercou-se de Luiz Gonzaga Belluzzo e João Manuel Cardoso de Mello, da linha estruturalista da Unicamp. Ao Planejamento ascendeu João Sayad, indicado pelo então Governador de São Paulo, André Franco Montoro, levando consigo economistas da USP e homens de mercado, como Andrea Calabi, Cássio Casseb, e Francisco Luna.

Os menores de 30 talvez não saibam avaliar o que foi o Cruzado para a fantasia nacional, nos poucos meses em que durou, antes de afundar para sempre. Mudou-se a moeda, numa operação complexa, com muitos erros sérios de conversão, aumentaram-se os salários e congelaram-se os preços, em uma economia fechada que não podia contar nem sequer com importações para suprir a falta de produtos e com enorme déficit público.

A explosão era inevitável. Pegou moda acusar Sarney pelo fracasso do Cruzado, e culpar sua presumível tibieza pelo fim do plano. Não é verdade. Premido pelas circunstâncias ou não, Sarney fez tudo o que os economistas lhe pediam. Só que, depois que o plano começou a fazer água, não havia nem sequer consenso entre os três grupos sobre as medidas a serem adotadas.

Enquanto o Cruzado durou, a figura de Funaro se impôs majestosa. Primeiro, o plano em si, primeira tentativa de domar a superinflação que atrapalhava havia anos a vida do País. Depois a revelação - pelo jornalista Janio de Freitas - de que Funaro padecia de um câncer linfático fatal. Finalmente, a própria atitude do Ministro, seu ar confiante, a maneira segura, sem rompantes e sem vacilações com que se conduzia, seu porte de estadista, seu perfil olímpico.

O povo o adorava; quem acompanhava os fatos econômicos de perto entrou em pânico. O câncer deu-lhe um sentido de missão temerário. Passou a acreditar que Deus lhe dera sobrevida para que pudesse salvar o País e que nada poderia atrapalhá-lo. Havia excesso de consumo? Bastaria ir à televisão, fazer um apelo, e o povo deixaria de consumir.

Com tudo isso, dos modernos governantes, ninguém chegou tão perto do povo quanto ele, nem Luiz Inácio Lula da Silva, com toda a sua cancha, nem Itamar Franco, com aquele ar de tio neurastênico, tão do agrado do homem comum. Seu carisma terminou com o fracasso do Cruzado.

Morreu logo depois de deixar o poder, e a Trol morreu logo depois dele. Ministro poderoso e amado, não se tem notícia de um ato, no exercício do poder, visando salvar sua empresa.

Tinha a grandeza temerária dos grandes personagens da história.

            Sr. Presidente, por circunstâncias familiares, conheci de perto, e muito, Dilson Funaro, porque foi casado com minha irmã Ana Maria e pai de meus seis sobrinhos. Quero, portanto, dar um testemunho, Sr. Presidente, que, de fato, nas inúmeras vezes em que ocupou postos, tanto na Presidência do BNDES quanto no Ministro da Fazenda, reafirmando o que aqui diz Luís Nassif, Dilson Funaro nunca permitiu que qualquer pessoa na administração pública pudesse realizar qualquer ato de proteção à sua empresa. Ao contrário, agiu para impedir quem pensou que podia fazê-lo.

De maneira que avalio como justa a homenagem que o jornalista Luís Nassif faz a Dilson Domingos Funaro.

Poucos dias depois, na Folha de S.Paulo...

(interrupção do som.)

O SR. PRESIDENTE (Garibaldi Alves Filho. PMDB - RN) - Senador Eduardo Suplicy, V. Exª terá dois minutos para encerrar o seu discurso.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Nesses dias, Janio de Freitas escreveu também a revelação, comentando esse episódio...

O SR. PRESIDENTE (Garibaldi Alves Filho. PMDB - RN) - Senador Eduardo Suplicy, indago a V. Exª se deseja conceder o aparte ao Senador Pedro Simon.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Claro.

Para finalizar, Senador Pedro Simon, há poucos dias, Janio de Freitas escreveu sobre a reação do Ministro Dilson Funaro quando ele fez a revelação de sua doença, dizendo que, ao final do dia, o Ministro Funaro ligou para ele, conversou e nenhuma reclamação fez, mostrando a sua dignidade.

Com muita honra, ouço o aparte de V. Exª, Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - V. Exª está falando sobre uma das pessoas mais dignas e mais corretas que tivemos na vida pública. Realmente, o Ministro Funaro escreveu uma página de patriotismo extraordinária. Primeiramente, quando ele apresentou o Plano Cruzado, na capacidade e competência, no meio de tantas estrelas, de conduzir, comandar e levar adiante e, no meio de tantos políticos, fazer com que aquilo realmente fosse efetivado. Funaro conseguiu ser uma das pessoas que conheço que recebeu mais carinho, mais admiração e veneração por parte da sociedade. Lembro-me quando ele estava no meio de uma entrevista - e sempre andavam a sua volta uns 20, 30 ou 40 jornalistas - e uma jornalista muito querida, muito conhecida pergunta: “Ministro, é verdade que o senhor tem câncer?” Houve um silêncio, um impacto geral. Um ficou olhando para o outro. Ele olhou e respondeu: “Sim, é verdade. Eu e o câncer temos uma luta de longo tempo. Às vezes, parece que ele vai ganhar e, outras vezes, parece que eu vou derrotá-lo. Mas, se Deus quiser, ele não haverá de impedir que eu cumpra o que tenho a fazer à frente do Ministério”. E nunca vi, não só com relação à empresa dele como ao que quer que seja, uma vírgula sobre a honra, a dignidade e a honestidade do Ministro Funaro. Foi uma das pessoas mais sérias e mais corretas que conheci. Que bom ver os jornalistas se referirem dessa maneira a um homem daquele quilate!

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Senador Pedro Simon, muito obrigado por seu testemunho, que segue exatamente a direção do que quis registrar.

Eu tinha entre doze e catorze anos de idade, quando Dílson ainda era namorado, quase noivo, de minha irmã Ana Maria. Percebi que eles iriam se casar e o convidei para ser o meu padrinho de crisma. Tornei-me seu amigo e tinha nele uma figura exemplar. Certo dia, na minha adolescência - eu tinha dezesseis anos -, Dílson me deu o livro da história de Galileu Galilei, que li com o maior entusiasmo. Daí em diante, quis sempre fazer como Galileu Galilei, Nicolau Copérnico e outros: descobrir a verdade, porque isso é uma coisa humana. É o que recomendo constantemente a todos os jovens.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/03/2005 - Página 6783