Discurso durante a 28ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração do Dia Internacional do Teatro, celebrado em 21 de março.

Autor
Valmir Amaral (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/DF)
Nome completo: Valmir Antônio Amaral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração do Dia Internacional do Teatro, celebrado em 21 de março.
Publicação
Publicação no DSF de 30/03/2005 - Página 6786
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • REGISTRO, COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, TEATRO, ELOGIO, ATIVIDADE CULTURAL, BRASIL.

O SR. VALMIR AMARAL (PMDB - DF. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as comemorações em torno do Dia Internacional do Teatro, não devem se prender ao dia 21 de março. Por isso faço este discurso em data outra, por que acho que devem ser realizadas, em todo o ano de 2005, com extraordinária efusão. Seja em Brasília, seja no Brasil, as perspectivas da atual temporada prometem a retomada da “casa cheia” e dos bons espetáculos. Pelo menos, é essa a impressão que se tem quando abrimos, nos finais de semana, os principais jornais e revistas das capitais brasileiras. E isso se comprova, na prática, com a retomada do investimento artístico nos palcos brasileiros.

Na verdade, com a pulverização dos pequenos teatros, barateando os custos de manutenção e produção, alastrou-se pelo País, na última década, um movimento de revitalização da prática cênica. Centros culturais bancários, espaços municipais de arte e as casas de cultura do Sesc/Senai investem sobejamente no teatro, consolidando o palco como saudável exercício democrático da representação da alma humana, seja à luz do espectador, seja à luz do ator.

Nesse contexto, conforme as palavras de Sábato Magaldi, o surgimento de novos talentos na cena brasileira não poderia ser obra do acaso, justificando a safra recente e excepcional de companhias e dramaturgos, como são os casos de Naum Alves de Sousa, Mauro Rasi (falecido recentemente) e Mário Prata, ao lado da mineiridade do Grupo Giramundo e do Teatro Galpão.

Por isso mesmo, em que pesem as condições adversas nas quais o teatro disputa espaço com os demais meios de expressão artística, sua posição de superioridade cultural se distingue, indiscutivelmente, das demais, em escala estética e experimental. Por mais ambiciosas que sejam as tecnologias da cultura de massa contemporânea, o teatro fascina exatamente pela exigüidade material com que pode articular e executar sua linguagem cênica. Seja pela palavra, seja pelo gesto, seja pelo cenário, o espaço da encenação tanto pode acomodar o excesso, quanto contemplar a escassez instrumental. Segundo alguns especialistas, é do domínio da técnica, na verdade, que trata o segredo do bom espetáculo.

E técnica narrativa é o que não falta à história do bom teatro. No mundo, Sr. Presidente, William Shakespeare ocupa ainda lugar de incontestável destaque no restrito panteão de celebridades da arte dramática. A densidade das obras, a dramaticidade narrativa, o estupor da tragédia, a alegoria barroca da morte, tudo parece combinar à perfeição a agonia com o prazer humano, uma representação sublime dos limites da vida. O príncipe Hamlet se afigura como o protagonista historicamente mais autêntico de Shakespeare, sustentando sua legítima fama de berço civilizador dos mais modelares, mas também dos mais céticos e cruéis.

Todavia, isso é história. Aqui, em Brasília, a disputa por ingressos tem-se transformado, paulatinamente, em batalha campal. Prova disso foi a recente encenação do clássico Macbeth, do próprio Shakespeare, na sala do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em Brasília, onde todas as oito apresentações registraram bilheterias esgotadas antes mesmo da estréia.

No entanto, para além das importações de espetáculos, Brasília é celeiro de arte e desempenho. Fruto dessa excepcional deusa das artes, que foi Dulcina de Moraes, novas gerações surgiram na Capital, consagrando artistas do calibre de Dora Wainer, Bidô Galvão, Catarina Accioly e Carmem Moretzon, bem como de talentosos diretores do nível de Hugo Rodas, Fernando Villar e dos irmãos Guimarães. Encenações e adaptações, de Shakespeare a Nelson Rodrigues, têm sido levadas aos palcos de Brasília, graças ao trabalho árduo de tantos profissionais do campo teatral local, sem o empenho hercúleo dos quais nada se poderia esperar.

No plano nacional, a expectativa teatral não poderia ser mais auspiciosa. A temporada anuncia o lançamento de duas aguardadas estréias: de um lado, o último episódio da trilogia “Sertões”, adaptação do clássico de Euclydes da Cunha, dirigido e encenado pelo mago José Celso Martinez Correa; de outro, o veterano Antunes Filho inaugura sua nova produção cênica na próxima edição do Festival de Teatro de Curitiba, intitulada “Foi Carmem Miranda”, sob os auspícios do Centro de Produção Teatral, o respeitadíssimo CPT.

            Outro diretor que também merecerá justa homenagem no Festival de Teatro de Curitiba é o não menos talentoso Augusto Boal, célebre executor da montagem “Arena contra Zumbi”, e na companhia de quem Gianfrancesco Guarnieri e Oduvaldo Vianna Filho integraram, nos anos sessenta, o combatente Teatro de Arena. Sob sua inspiração, a Companhia Livre da Cooperativa Paulistana de Teatro monta “Arena Contra Danton”, cuja proposta consiste em resgatar técnicas que tratam a cena como jogo, seguindo de perto os moldes do Teatro de Arena.

Na verdade, o Festival de Teatro de Curitiba deve ser considerado o evento mais emblemático da multifacetada produção cênica brasileira, reunindo trabalhos de ponta de todo o País e do exterior. Lá, a décima quarta edição, que acontece no final de março, promete exibir 219 espetáculos em 37 espaços cênicos espalhados pela capital paranaense. Além das encenações, o Festival oferece ao público oficinas, exposições e debates, a que o Fringe (mostra paralela) adicionará mais uma dezena de espetáculos considerados “off-Broadway”, numa tentativa de proporcionar oportunidade cênica às companhias marginais.

No circuito comercial, é a vez do teatro brasileiro render as justas homenagens a um dos mais marginalizados dramaturgos brasileiros, Plínio Marcos. Tem-se a impressão de que a morte do diretor, que aconteceu recentemente, foi o estopim para um processo instantâneo de reconhecimento e consagração de seu trabalho. No Brasil inteiro, “Navalha na Carne” e “Dois Perdidos numa Noite Suja”, duplo sucesso do diretor, ganham nova roupagem e retornam aos palcos.

A bem da verdade, na linha rebelde de Jean Genet e Antonin Artaud, Plínio excedeu os limites do tolerável da representação, invadindo espaços do inconsciente, do privado burguês e do doméstico marginal. Não foi à toa que a indústria cinematográfica corre atrás do prejuízo e trata de logo adaptar a obra do autor às telas brasileiras.

Em todo caso, Plínio Marcos pertence a uma corrente da dramaturgia que revolucionou a concepção da representação cênica no Ocidente. No século XX, diante da ruptura moderna com todas as tradições, a liberdade criativa ensejou talvez uma das mais produtivas e conscientes gerações de todos os tempos. De Brecht a Pirandello, de Ionesco a Beckett, de Sartre a Genet, de Artaud a O’Neil, todos envolvidos com uma representação para além de um realismo raso, influenciados certamente por uma filosofia contestadora, inquieta e disposta a transformar o mundo via um esteticismo crítico.

Para além de Plínio, o teatro da radicalidade trágica já havia feito escola no Brasil, desdobrando-se em outros formatos teatrais, como foi o caso excepcional de Nelson Rodrigues. Caso único em nossa contemporaneidade, o rico acervo do dramaturgo ainda assusta e seduz muito espectador desavisado, tanto pela espessura agressiva, quanto pelo seu expressionismo de costumes. De todo modo, não há como evitar o reconhecimento do retumbante sucesso de suas peças, cuja universalidade trágica dos tópicos ultrapassa qualquer eventual impedimento temporal de compreensão. Não acidentalmente, acaba de estrear em São Paulo mais uma versão recomendada do clássico “Os Sete Gatinhos”.

Em suma, Sr. Presidente, não faltam motivos para promover uma celebração do teatro brasileiro na dimensão daquela imaginada pelas bacantes de Eurípedes. Ainda que despido de uma caracterização mais selvagem, o calibre da euforia tem de ser aferido pela expansão inegável de admiradores da arte cênica em todo o País. Enfim, graças ao esforço conjunto da iniciativa privada e do Estado, ao teatro tem-se reservado lugar de destaque nas práticas de cultura do Brasil. E isso merece uma comemoração à altura de nossos atores, de nossos diretores e de toda a competente produção cênica brasileira.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/03/2005 - Página 6786