Discurso durante a 29ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre decisão do Ministério da Saúde para criar critério para a fila de transplantes de fígado no país.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Considerações sobre decisão do Ministério da Saúde para criar critério para a fila de transplantes de fígado no país.
Publicação
Publicação no DSF de 31/03/2005 - Página 6925
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ANALISE, POLEMICA, DECISÃO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), ALTERAÇÃO, CRITERIOS, PRIORIDADE, TRANSPLANTE DE ORGÃO, OBJETIVO, RESPEITO, DIREITOS, PACIENTE.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trago ao Plenário do Senado Federal uma decisão tomada pelo Ministério da Saúde, no último dia 17 de março, por meio da chamada Câmara Técnica de Fígado. Tal decisão desperta um grande interesse na comunidade médica e científica brasileira, pois expõe uma ferida aberta no debate sobre saúde pública e assistência médica no Brasil ao longo dos anos, que é exatamente a chamada fila para transplantes de fígado.

Evidentemente, o debate é muito mais amplo, porque envolve o drama da fila dos transplantes de rins, de pâncreas, de pulmão, de coração, de todos os órgãos que a Medicina já consegue transplantar, na tentativa de salvar vidas. Mas, neste caso, tivemos uma decisão específica voltada para o transplante de fígado.

O debate vinha arrastando-se havia pelo menos quatro anos no Ministério da Saúde, e as dificuldades estavam estabelecendo-se para que a Câmara Técnica de Fígado tomasse uma decisão que viesse ou não a modificar a Portaria nº 3.407, de 5 de agosto de 1998, que estabelecia que todo cidadão brasileiro portador de uma doença hepática avançada, ao precisar de um transplante de fígado, tinha que seguir apenas o critério de obediência à fila única.

Atualmente, o Brasil tem cerca de 6 mil brasileiros que necessitam, rapidamente, da proteção de sua saúde por um transplante de fígado, e o único critério estabelecido até então diz que todos têm que entrar na fila. Ao fazer o seu registro de paciente com indicação para transplante, deve aguardar ser chamado na ordem cronológica da fila, que foi estabelecida por regras definidas pela Portaria nº 3.407.

O assunto impôs uma série de situações delicadas, manifestações de inquietação, de defesa da Portaria e até de revolta de familiares brasileiros. Muitos alegavam que seus parentes estavam entrando na chamada “fila da morte”, porque teriam de aguardar sua vez, não lhes sendo dada qualquer outra oportunidade de acessar um fígado doado a fim de ter a sua condição de saúde restabelecida.

O resultado é uma grande polêmica posta perante a sociedade brasileira. Apenas no Estado de São Paulo, os dados já demonstram o tamanho desse problema. O Estado, que trabalha com mais precisão em informações e em dados estatísticos, é responsável por 50% dos transplantes de fígado realizados no Brasil; a fila de transplantes tem cerca de 3 mil pessoas apenas naquele Estado. Dessas, somente 8% conseguem ter acesso ao benefício cirúrgico por ano. Ou seja, 250 pessoas têm o benefício do transplante de fígado a cada ano e 60% das pessoas que estão na fila morrem antes de chegar a sua vez de ser beneficiada pela cirurgia. Dos que conseguem o transplante, 35% morrem até um ano após a cirurgia. Então, o prazo de espera para o transplante de fígado dos pacientes de São Paulo é da ordem de 51 meses.

Temos uma situação dramática envolvendo a saúde pública brasileira na política de transplantes.

Vale ressaltar que o Brasil é um dos países que têm uma das mais avançadas ações de tratamento, mediante o recurso técnico do transplante de fígado. Mas havia um drama posto. Corajosamente, o Ministério da Saúde insistiu no debate, provocou uma decisão por parte de sua Câmara Técnica, e a decisão tomada segue orientações estabelecidas nos Estados Unidos da América, publicadas em um trabalho do ano de 2001.

Na Clínica Mayo, nos Estados Unidos, estabeleceu-se que poderiam ser elaborados critérios de diagnóstico que permitissem aos doentes não terem, necessariamente, de aguardar na fila do transplante. Por exemplo, em uma fila com mil pacientes esperando por um transplante em condições próprias, bem definidas, alguns pacientes, pela gravidade detectada por meio de um protocolo científico estabelecido pela Clínica Mayo, poderiam abreviar seu tempo de espera e ser submetidos ao transplante para o benefício efetivo de suas condições de saúde, sob pena de esses pacientes evoluírem, inexoravelmente, para a morte. Portanto, essa é uma situação que atualiza o debate e mostra a gravidade do critério isolado de haver apenas uma fila com base cronológica, como ocorre no Brasil.

Por outro lado, com o avanço da ciência médica brasileira, temos a certeza de que muitos dos pacientes que sofrem com hepatite crônica - doença que afeta de dois a cinco milhões de brasileiros - vão evoluir para a forma de cirrose hepática e terão necessidade de um transplante de fígado para não morrerem. Há um debate que conclui que os vírus das hepatites, em sua forma crônica, sofrem, em alguns casos, mutações e levam o doente à morte em poucos meses, se não for feito um tratamento mais definitivo. Ou seja, a doença evolui para as formas fulminantes das hepatites.

Trata-se de debate extremamente técnico e necessário, diante do grave problema de saúde pública caracterizado pelos milhares de pacientes nas filas. Em alguns casos, os registros apontavam que, de cada vinte doentes que esperavam nas filas de transplantes em alguns Estados brasileiros, dezessete morriam antes de terem acesso ao transplante de fígado.

Então, essa decisão remonta a toda essa situação dramática posta às famílias brasileiras. Na condição de Senador da República, juntamente com o eminente Senador Eduardo Suplicy, pude testemunhar a aflição e o drama de famílias que queriam, a qualquer custo, que seu parente tivesse uma oportunidade de ser tratado, pois este não podia esperar quatro anos para receber o transplante de fígado. Vimos, inclusive, algumas pessoas morrerem, porque o critério da fila única impedia o tratamento. Os dados de São Paulo mostram que 60% morrem antes da cirurgia.

Agora, o Ministério da Saúde toma uma decisão polêmica. A grande imprensa tem debatido o assunto e trazido as preocupações de alguns cientistas, mas assumo claramente uma posição de defesa intransigente da decisão tomada pela Câmara Técnica de Fígado, do Ministério da Saúde. Ajo assim porque, há mais de 15 anos, estudo as hepatites crônicas e as formas avançadas da doença no Brasil e sei do drama das decisões burocráticas que envolvem os direitos oferecidos pela lei e pela saúde pública brasileira aos doentes das formas hepáticas.

A decisão tomada foi a mais correta. Se não fizéssemos dessa forma, como muito bem disse um grande hepatologista brasileiro chamado Raimundo Paraná, agiríamos como avestruzes: quando há uma fila, os médicos colocam a cabeça embaixo da terra e deixam os doentes morrer. Agora, o Ministério assumiu a responsabilidade, por meio da Câmara Técnica do Fígado. Os hospitais se adequarão ao critério de gravidade, e a fila terá um componente a mais, baseado em estudos americanos que alguns países já adotam, chamado sistema Meld/Peld, que define esses critérios. Esse sistema estabelece que os pacientes serão submetidos, a cada três meses, a avaliações clínicas e laboratoriais que apontem o estado de gravidade da sua doença. Ou seja, o doente que tem um vírus que sofreu mutação, passando a ter seu fígado agredido de maneira violenta, terá prioridade no tratamento.

Evidentemente, esse sistema está sujeito ao risco do chamado “mercado paralelo”, que permite que aqueles que podem pagar criem um “jeitinho” e tentem fazer o tráfico de influência, colocando o seu paciente à frente dos demais na mesma situação. Mas a responsabilidade vai ser delegada às comissões de ética dos hospitais, continuará sendo também do Ministério Público brasileiro, seja federal, seja estadual, conforme o tipo de atendimento do paciente, e também de cada médico. Não temos outra maneira de prestar solidariedade ao cidadão brasileiro que não seja essa.

Muitos planos de saúde estavam felizes com o critério da fila única, porque atraíam doentes para planos mais caros, garantido, assim, êxito no atendimento. Aqueles que estavam em pontuação precoce, colocados na fila, teriam acesso seguro para fazer um transplante em boas condições. Agora, um dos contra-argumentos será de que os doentes estarão em um estado tão grave que não poderão ter o benefício do transplante, porque, pelas condições clínicas postas, recebendo um fígado, fatalmente estarão fadados a uma gravidade da sua situação ou até à morte.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. PFL - SP) - V. Exª dispõe de dois minutos para sua conclusão.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Concluo, Sr. Presidente.

Meu entendimento é de que, pesados os benefícios, os riscos, as ponderações científicas sobre o tema, é melhor agirmos à luz do dia neste debate. Entendo que nenhum pai, nenhuma mãe ou médico deste País que se opõe a essa situação deixaria, de maneira contemplativa, o seu familiar em uma fila, apenas esperando a contagem matemática da chamada, em vez de entender que critérios de gravidade e de intercorrência da evolução da doença estariam impondo um acesso a recursos de saúde pública baseados em proteção constitucional, para que esse doente pudesse ser definitivamente beneficiado.

Penso que o Ministério da Saúde, por orientação do Ministro Humberto Costa, tomou uma decisão corajosa, ousada, que converge perfeitamente com o interesse da maioria dos médicos e dos pacientes do Brasil.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Apesar das divergências que serão estabelecidas e apesar das intercorrências que haverá nesse prazo de adaptação a uma fila adequada em termos de gravidade, essa solução visa alcançar um plano em que todos os milhões de brasileiros vítimas de cirrose hepática e de insuficiências hepáticas graves sejam tratados com absoluto benefício, com toda ética e respeito ao direito de viver.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR TIÃO VIANA EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

“Novas regras para transplante de fígado”.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/03/2005 - Página 6925