Discurso durante a 30ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Crítica à decisão do Ministério da Saúde autorizando as mulheres vítimas de estupro a realizarem aborto através do Sistema Único de Saúde (SUS), sem a apresentação de boletim de ocorrência.

Autor
Francisco Pereira (PL - Partido Liberal/ES)
Nome completo: Francisco José Gonçalves Pereira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CODIGO PENAL.:
  • Crítica à decisão do Ministério da Saúde autorizando as mulheres vítimas de estupro a realizarem aborto através do Sistema Único de Saúde (SUS), sem a apresentação de boletim de ocorrência.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 01/04/2005 - Página 7088
Assunto
Outros > CODIGO PENAL.
Indexação
  • PROTESTO, DECISÃO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), DISPENSA, OBRIGATORIEDADE, APRESENTAÇÃO, BOLETIM, OCORRENCIA, OBJETIVO, ABORTO, VITIMA, ESTUPRO, APREENSÃO, AUMENTO, NUMERO, CRIME, FACILITAÇÃO, DESRESPEITO, CODIGO PENAL.
  • CONCLAMAÇÃO, MULHER, RESPONSABILIDADE, GRAVIDEZ, UTILIZAÇÃO, METODO, CONTROLE DA NATALIDADE, PREVENÇÃO, ABORTO.
  • OPOSIÇÃO, DISCRIMINAÇÃO, ABORTO, DEFESA, GARANTIA, DIREITO A VIDA, AUMENTO, VINCULAÇÃO, PAI, RESPONSABILIDADE, RECEM NASCIDO.

O SR. FRANCISCO PEREIRA (Bloco/PL - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de volta a esta tribuna, faço uso da palavra para registrar meu veemente protesto contra a recente medida do Ministério da Saúde que suspendeu a obrigatoriedade da apresentação do Boletim de Ocorrência da rede pública de saúde, para a realização de aborto em vítimas de estupro.

O vigente Código Penal Brasileiro proíbe a prática de aborto no País. Porém, de acordo com o art. 128, a prática abortiva é autorizada em duas hipóteses: quando a gestação representar risco de morte para a mulher, ou quando a gravidez for resultante de estupro. Em todos os demais casos, o aborto é tipificado como atitude delituosa, que pode resultar na condenação de todos quantos contribuírem para retirar o feto do ventre materno.

Srªs Senadoras e Srs. Senadores, os mais experientes ensinam que, para o bom entendedor, um pingo é letra. A medida tomada pelo Ministério da Saúde, na calada da noite, só pode ter, como resultado previsível, a multiplicação de abortos injustificados, de abortos ilegais, de abortos realizados ao arrepio da lei penal brasileira, mediante simples declaração inverídica da gestante, que afirmará ter sido vítima de estupro, sem para tanto obedecer a quaisquer formalidades legais.

Em todo o mundo, o tema do aborto é bastante controverso, adotando os países as mais díspares soluções na regência da matéria. Nos Estados Unidos, por exemplo, algumas unidades federativas descriminalizaram a prática abortiva, enquanto outros, não raramente sob influência de grupos religiosos, consideram o aborto um crime passível de prisão.

Em razão das controvérsias inerentes ao tema, resta claro que, ao menos em um país democrático, como o Brasil, a decisão por um ou outro caminho deve resultar da vontade popular, do amadurecimento de um debate que diz respeito a questões éticas, jurídicas, médicas e transcendentes, de caráter religioso.

Vale relembrar, no entanto, que, sob o pálio da atual legislação - o Código Penal, de 1942 -, o aborto continua a ser tipificado como crime. Desse modo, as brasileiras que hoje gozam de uma liberdade sexual sem precedentes na história - as brasileiras que usufruem de ampla autonomia na gestão das pulsões do seu corpo, do seu amor e da sua libido -, em virtude da mudança da moral vigente em nossa Pátria, nossas concidadãs, se optarem por não vivenciar uma gravidez fortuita, não planejada, devem fazer uso da contracepção. Devem valer-se do amplo leque de meios preventivos da gravidez, ao alcance de quase todas, antecipando-se a um mal maior - a prática do aborto -, que pode e deve ser evitado.

Srªs e Srs. Senadores, acredito que a intangível relação que vincula o cidadão de bem ao ordenamento jurídico - que é definido, em seu interesse, por representantes eleitos -, deve reforçar, hoje e sempre, o conceito da responsabilidade.

No mundo atual, em que a informação está muito disseminada, em que a escola, a família, a televisão e, para os mais aquinhoados, a internet tratam, corriqueiramente, dos temas relativos ao amor e à vida sexual, os jovens brasileiros devem ter em mente que os bebês não surgem nos berços carregados por cegonhas, nem tampouco resultam de qualquer tipo de geração espontânea.

A gravidez é um presente divino. Exige de mulheres e homens precaução, cuidado e responsabilidade no que diz respeito à prática sexual.

E é bom que seja assim, para o bem de nossas próprias companheiras, de nossas mulheres e de nossas filhas. Tenho para mim, Srªs e Srs. Senadores, que poucas situações podem ser mais traumáticas na vida de uma mulher do que a vivência de um aborto, do que o lento transcurso das horas no período de convalescença, imaginando suas abortadas possibilidades na qualidade de mãe potencial de um filho não gerado.

Além disso, os procedimentos médicos envolvidos no aborto, altamente invasivos, muitas vezes resultam na morte da gestante, por maiores que sejam as precauções tomadas.

Por essas e outras razões, penso que o feminismo responsável se deveria esquivar daqueles que entendem o aborto como um direito da mulher, porque sua proibição não significa qualquer retrocesso à liberdade conquistada pelas mulheres.

Quando o Estado, ou seja, quando a coletividade em seu conjunto opta por entender como crime a prática abortiva, salvaguarda, em verdade, a própria coerência do ordenamento jurídico, já que a Constituição da República garante a vida aos brasileiros, princípio seminal de tão grande relevância que consta do seu artigo inaugural.

Como poderia o Estado garantir a vida, proibir a pena de morte ou as penas degradantes e, paradoxalmente, liberar o aborto, que também é um atentado à vida em potencial? A mim me parecem dois caminhos opostos, que só colaboram para aprofundar as incontáveis desumanidades que são a marca trágica do nosso tempo.

E de nada adianta argumentar que o aborto deveria ser liberado porque, na prática, ocorre clandestinamente em todo o País. Com base no raciocínio do fato consumado, eu lhes perguntaria se deve o Poder Público liberar o homicídio, em face das cinqüenta mil mortes por arma de fogo, registradas anualmente no Brasil?

É claro que não. Devemos, ao contrário, garantir o direito à vida e à maternidade responsável. Devemos, igualmente, fazer uso de todos os meios científicos e judiciais para vincular o pai aos destinos do nascituro, pois os homens devem também assumir o bônus e o ônus de sua liberdade, que tem como corolário o princípio da responsabilidade.

No âmbito das odiosas invasões de competência, já nos basta o cacoete do Poder Executivo de legislar atipicamente, pela via das medidas provisórias, subtraindo ao Congresso o seu papel legal. Que não venham agora os ministérios subverter a prerrogativa congressual de expressar a vontade e os anseios do povo brasileiro.

Aborto é crime, e os médicos e paramédicos que ousarem praticá-los nos casos de estupro, sem para tanto exigirem apresentação do boletim de ocorrência, deverão estar preparados para arcar com suas responsabilidades perante a lei. O direito de dar e tirar a vida só cabe ao Pai... Devemos nos lembrar de que o direito à vida vem desde o ventre da mãe.

Vejamos a palavra de Deus, que confirma o que aqui defendo. Em Jeremias, capítulo I, versículo 5, diz: “Antes que te formasse no ventre te conheci, e antes que saísse da madre te santifiquei; às nações te dei por profeta.”

Portanto, concluo aqui o meu discurso...

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador, eu gostaria de participar.

O SR. FRANCISCO PEREIRA (Bloco/PL - ES) - Pois não, Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - V. Exª está entrando num tema importante. Os fatos fazem a lei. A lei brasileira de aborto permite que o aborto seja feito em duas condições. A primeira condição é se a mulher é vítima de um estupro. A criança terá um monstro como pai. Ela não quer e é um direito - a lei hoje assim permite. O segundo caso é se ela é cardiopata grave. Há uma verdade médica que diz que cardiopata não deve engravidar e, se engravidar, não deve parir. Mas o fato é que faz a lei. A tecnologia diagnóstica evoluiu tanto que hoje se detecta, por meio de exames especializados e ultra-sonografia, fetos sem cérebro, que não terão vida neurológica de relacionamento humano, terão vida vegetativa. Não havia antes esse fato. No tempo em que fiz cirurgia e obstetrícia, não se fazia esse diagnóstico. Hoje, com o instrumental moderno, é permitido fazê-lo. Então, com a necessidade, com o fato, vem a lei. No caso desse feto mal-formado, esse feto com agenesia cerebral, há que se permitir o aborto. Nesse caso, deve nascer uma lei nesta Casa. O Congresso Nacional é para fazer lei boa e justa. Esse é o grande tema.

O SR. FRANCISCO PEREIRA (Bloco/PT - ES) - Muito obrigado, Senador Mão Santa, pela sua contribuição.

Concluo aqui meu discurso com essas palavras bíblicas que citei, que são a prova maior do direito à vida.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/04/2005 - Página 7088