Discurso durante a 30ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro dos 41 anos do golpe militar, que deu origem à ditadura instalada no Brasil em 1964.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DEMOCRATICO.:
  • Registro dos 41 anos do golpe militar, que deu origem à ditadura instalada no Brasil em 1964.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 01/04/2005 - Página 7098
Assunto
Outros > ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • REGISTRO, ANIVERSARIO, GOLPE DE ESTADO, REGIME MILITAR, ANALISE, HISTORIA, GOVERNO, PARLAMENTARISMO, PRESIDENCIALISMO, JOÃO GOULART, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, ELOGIO, AUSENCIA, OPÇÃO, GUERRA CIVIL, ATUAÇÃO, PARTIDO POLITICO, UNIÃO DEMOCRATICA NACIONAL (UDN), EXERCITO, CLASSE POLITICA.
  • HOMENAGEM, BRASILEIROS, LUTA, DEFESA, DEMOCRACIA, PERIODO, DITADURA, VITIMA, MORTE, EXILIO, TORTURA, REPRESSÃO.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, pensei que V. Exª não me concederia a palavra, mas fui salvo pelo gongo.

            Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, tem razão o companheiro Mão Santa ao lembrar hoje mais uma passagem daquele dia trágico, 31 de março de 1964, quando a democracia foi extinta neste País. É verdade que alguns, como eu, acham que o dia exato de “festejar” é amanhã, 1º de abril, mas foi no dia 31 de março que as tropas chefiadas pelo general Olympio Mourão Filho, de Minas Gerais, se dirigiram ao Rio de Janeiro, onde se encontrava o Presidente João Goulart, no sentido de depô-lo. Lembro-me, como se fosse hoje, dos trágicos dias que vivemos. João Goulart assumiu a Presidência da República após uma tentativa de golpe dos militares. Jango, que era vice-Presidente de Jânio Quadros, estava na China, em missão oficial, quando Jânio Quadros renunciou, e assumiu o Presidente da Câmara dos Deputados, Dr. Ranieri Mazzilli. Assumiu interinamente, porque Jango, vice-Presidente, então Presidente, estava em viagem. Designou seu ministério, mas os três ministros militares designados pelo Dr. Ranieri Mazzilli houveram por bem determinar que João Goulart não tomaria posse. E praticamente o golpe começava aí.

O Dr. Leonel Brizola iniciou, no Rio Grande do Sul, a chamada “Legalidade”, movimento que se espalhou pelo Brasil afora e teve o aplauso da Nação. O Dr. Brizola conseguiu uma grande vitória: a manutenção da democracia. Uma vitória que teve um preço, é verdade. O Congresso, com urgência e de madrugada, instalou o parlamentarismo. Lamentavelmente, o regime parlamentarista foi maculado, pela maneira abrupta com que foi adotado, uma maneira estranha, um minigolpe de Estado para tirar o poder político do Presidente da República João Goulart - aquele regime ideal, que eu sempre defendi para o Brasil. Mas Jango assumiu como Presidente parlamentarista, nomeou Tancredo Primeiro-Ministro. Estava se fazendo um governo excepcional, diga-se de passagem, não fora a campanha de Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda, que já estava nas ruas - “JK 65”, “Lacerda 65” -, e a união do PSD e da UDN no Congresso, para acabar com o parlamentarismo e derrubar o Dr. Tancredo Neves.

Então, o plebiscito terminou com o parlamentarismo, e João Goulart passou a governar como Presidente presidencialista. Estava fazendo um governo respeitável, é verdade. Mas é certo também que as forças da UDN, desde 1945, não admitiam a volta de Getúlio Vargas, mas tiveram que aceitá-lo pela força dos votos, em 1950. Queriam tomar o poder em 1954, mas o Marechal Lott, com firmeza, evitou o golpe e garantiu a posse de Juscelino Kubitschek. Com a saída de Juscelino, tentaram os udenistas novamente assumir o poder agarrando-se a Jânio Quadros, que não deixou e terminou por renunciar.

Finalmente, em 1964, essas forças chegaram ao poder pela violência e pelo arbítrio, é verdade. João Goulart estava enfraquecido pelo grande debate que se travava na Nação. De um lado, os homens de esquerda indo para as ruas com as chamadas reformas de base: reforma agrária, reforma tributária, lei de remessas de lucros. De outro lado, as forças retrógradas, às vezes tendo a Igreja à frente, com “Deus, Pátria e Família”, movimentaram milhares de pessoas para exigir a deposição do Presidente. A Imprensa Nacional estava a favor do golpe, à exceção do Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, cuja proprietária Niomar Moniz Sodré pagou um alto preço pela posição assumida, sendo levada à prisão.

Quando as forças de Juiz de Fora se dirigiram em direção ao Rio de Janeiro, o General Kruel, Comandante do II Exército, que tinha sido Ministro da Guerra do Presidente João Goulart, também amigo e compadre de João Goulart, telefonou a ele dizendo que seguia em direção a Juiz de Fora para derrotar as forças militares que de lá vinham; exigia porém que assinasse um manifesto, no qual dizia ser anticomunista e que não aceitava as forças sindicais. Era uma série de exigências que o Doutor João Goulart preferiu não aceitar. “Não aceito isso porque seria a minha desmoralização”, dizia ele.

Então, o General Amaury Kruel saiu em direção ao Rio de Janeiro, enquanto Jango saia de lá rumo a Brasília e, daqui, seguiu para Porto Alegre. Lembro-me daquela madrugada, em 1964. No aeroporto, o Ministro do Exército nomeado por João Goulart, reuniu-se no Comando do III Exército e preparava suas forças para resistir e vir a Brasília assumir a Presidência da República.

Naquela madrugada, o Presidente do Congresso Nacional decretou vaga a Presidência da República, dizendo que o Presidente João Goulart encontrava-se em lugar incerto e não sabido. Mas Jango estava em Porto Alegre, na casa do Comandante do III Exército, Laudário Telles, nomeado por ele Ministro da Guerra.

Daqui do plenário, Tancredo Neves aos berros protestava e gritava dizendo que era golpe, usando até palavras usualmente nunca pronunciadas por ele. E lá, em Porto Alegre, o Dr. Jango ficou. De um lado, Brizola exigindo que ele viesse, que resistisse, que lutasse. De outro lado, o Ministro do Exército designado por Jango, o ilustre general dizendo que lutaria ao lado dele, mas que era obrigado a reconhecer que até nas forças do III Exército já havia grande adesão ao golpe. E o Presidente João Goulart, ao invés de aceitar a luta, uma guerra civil que poderia levá-lo de volta à Presidência, imitou o Dr. Getúlio Vargas. Em 1954, o Presidente Getúlio Vargas poderia ter dito aos Generais golpistas - ao General Zenóbio, o Ministro traidor - que ficaria e resistiria; preferiu o suicídio à guerra civil. O Presidente João Goulart pegou um avião e foi para o Uruguai. Preferiu aceitar o golpe e repudiar a luta armada.

Pensávamos nós que aquele golpe seria apenas para derrubar o Dr. Jango e que a vida continuaria dentro da democracia. Mas os militares estavam preparados. E o interessante é que deixaram inclusive os quadros da UDN boquiabertos, porque, na verdade, não entregaram o Governo nem ao Sr. Lacerda, nem ao Sr. Magalhães Pinto, nem a ninguém da chamada UDN. Eles ficaram no poder até que o Presidente Tancredo Neves ganhasse o Colégio Eleitoral tanto tempo depois.

Foi um golpe dramático. Foram momentos duros que nós vivemos nessa luta pela retomada da democracia. Festejamos aqui, outro dia, numa homenagem bonita e justa ao Dr. Sarney, os vinte anos de retomada da democracia.

            Sim, estamos há vinte anos, desde que o Presidente Sarney assumiu a Presidência da República num regime democrático. Mas não pensem que foram só flores e que a retomada da democracia foi apenas aquela luta no Colégio Eleitoral. A retomada da democracia teve sangue, teve suor, teve morte, os que sofreram, os que lutaram, os que tombaram no exílio; teve os líderes sindicais, os trabalhadores, os jovens universitários, proibidos durante anos de estudar, os professores universitários, cassados de seus empregos; teve aqueles que foram expurgados da Câmara dos Deputados e do Senado Federal; teve dezenas de levas de cassações, mas teve os que resistiram, que lutaram e que, graças a Deus, sem a violência, sem a guerra civil, com homens como Teotônio Vilela, Ulysses Guimarães, o Dr. Tancredo Neves conseguiram trazer de volta a democracia a este País.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª me permite um aparte, Senador Pedro Simon?

O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Agradeço a V. Exª, Senador Pedro Simon.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Quero apenas cumprimentá-lo pelo extraordinário testemunho. V. Exª viveu tão intensamente todos esses episódios, cuja síntese significa sobretudo que nós, brasileiros, nunca mais deveremos permitir a interrupção do processo democrático. Essa é a lição principal que resulta de seu testemunho. Meus parabéns.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Agradeço por suas palavras finais, que são também as minhas.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/04/2005 - Página 7098