Discurso durante a 31ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Descontentamento da população brasileira com o Congresso Nacional.

Autor
Cristovam Buarque (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO. POLITICA SOCIAL.:
  • Descontentamento da população brasileira com o Congresso Nacional.
Aparteantes
Leomar Quintanilha, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 02/04/2005 - Página 7308
Assunto
Outros > LEGISLATIVO. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, MOTIVO, OPINIÃO PUBLICA, CRITICA, ATUAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, NECESSIDADE, AMPLIAÇÃO, PRIORIDADE, DEBATE, FAVORECIMENTO, POPULAÇÃO, COMPARAÇÃO, DISCUSSÃO, BENEFICIO, CONGRESSISTA.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, EDUCAÇÃO, VIOLENCIA, POPULAÇÃO, DEFESA, LUTA, DEMOCRACIA, DIREITOS, PACIFICAÇÃO, SOCIEDADE.
  • PEDIDO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATENÇÃO, POLITICA SOCIAL, SEMELHANÇA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Srs. Senadores, alegro-me por estar presidindo esta sessão o Senador Mão Santa, muito sensível a assuntos que muitas vezes fogem do debate do dia-a-dia.

Venho fazer um alerta e um desafio. É um alerta inspirado, talvez, pela data de hoje, quando se completam 41 anos do Golpe Militar. Alerta inspirado pelos discursos desta semana, especialmente do Senador Pedro Simon, que fez dois discursos marcantes. Não vejo no ar risco de golpes militares. Longe disso. Hoje temos uma tropa disciplinada, tão disciplinada que agüenta calada seus baixos salários e a degradação dos seus equipamentos. Não há esse risco. Pode até haver, no futuro, risco de um Presidente civil usar as Forças Armadas. Mas esse risco eu não vejo hoje. O risco que vejo hoje é de um golpe ainda mais grave que o militar: é o golpe moral, dado pela opinião pública, contra nós, Parlamentares, no Congresso Nacional.

Esta semana não serviu só para lembrar o 1º de abril de 1964. Esta semana aconteceu um fato que deve servir para nos despertar: pela primeira vez, desde o impeachment do Collor, houve uma campanha para que as pessoas se vestissem de cor preta para manifestar o seu descontentamento não com este ou aquele, mas com o Congresso Nacional. E isso pode provocar um golpe moral sobre a democracia. Quando os canhões atiram no Congresso e fecham o Congresso, podemos sair de cabeça erguida. Mas quando os golpes morais cospem no Congresso, ficamos aqui cabisbaixos. E penso que muitos de nós estamos cabisbaixos, diante não só de alguns fatos da realidade, mas sobretudo diante de uma imagem que estamos colaborando para criar: de que aumentamos um pouquinho o salário mínimo e queremos aumentar muito os nossos salários; de que não damos recursos para água e saneamento, mas queremos aumentar as verbas de gabinete. Esse é o sentimento que a opinião pública tem hoje contra nós.

Além disso, Sr. Presidente, o próprio debate nesta Casa está deixando o povo tão impaciente quanto o Senador Valdir Raupp está com um projeto no Estado dele. Dia após dia discutimos aqui pequenas coisas, pequenas desavenças, e o povo não entra aqui. Nesta semana mesmo, debatemos, na Câmara, e ganhamos, o Congresso em relação ao Poder Executivo, na questão da Medida Provisória nº 232. Mas foi um debate - sejamos francos - da parte rica da sociedade. Todos temos que estar a favor do debate, pois trata da redução de impostos. Mas o povo não foi ouvido, porque ninguém considerou para onde poderia ir o dinheiro desses impostos. Nos jardins do Congresso, havia faixas espalhadas contra a MP 232, que aumenta impostos de um grupo - sou contra o aumento de impostos, obviamente, haja vista a carga existente - e que queria reduzir o Imposto de Renda - sou favorável a essa redução -, beneficiando apenas a nós que pagamos esses impostos e não o povo que precisa disso.

Enquanto discutíamos esse assunto, não analisávamos o projeto da Senadora Heloísa Helena, presente neste plenário, que garante creches pelo Estado para todas as crianças brasileiras, sob o argumento de que não há dinheiro. Não se trata de haver dinheiro, mas de dar a essas famílias o direito de poder exigir, o que não vai ocorrer num primeiro momento, porque essas pessoas não terão força para isso, não usam gravata para entrar no Congresso, não sabem os caminhos dos lobbies e não têm dinheiro para colocar faixas nos jardins do Congresso. Trata-se de dar um direito, da mesma maneira que estabelecemos na Constituição que o salário mínimo deve ser suficiente para garantir uma vida digna para o trabalhador e sua família. Esse salário mínimo não existe, embora esteja determinado na Constituição, o que permite uma mobilização para que o direito se realize um dia, permite que o Senador Paulo Paim lute, nesta Casa, pelo salário mínimo. Se não estivesse fixado na Constituição, Senador Paulo Paim, V. Exª não poderia lutar. Se não inserirmos na Constituição o que pretende a Senadora Heloísa Helena em relação à creche, não poderemos lutar por essa causa e perderemos, como perdemos muitos, em relação ao salário mínimo.

Sr. Presidente, há uma nuvem no ar. Há um descontentamento no ar. Há um risco à própria democracia, que vem de dois caminhos: um para o qual contribuímos e o outro para o qual contribuímos nós e o Poder Executivo. Nossa contribuição pode ser vista nessas notícias de descontentamento da opinião pública, que nos vê como se fôssemos legisladores apenas em causa própria. Por outro lado, o maior avanço político que este País já teve foi a eleição do Presidente Lula, e, no entanto, ninguém vê passos concretos na direção da justiça social.

            O povo vai se cansar, Sr. Presidente. É impossível saber quando, mas é absolutamente certo que isso acontecerá, como ocorreu há um mês na Bolívia, cuja população cansou de ver uma democracia política em benefício apenas da parte incluída e rica da sociedade, desprezando os índios, os mineiros e os pobres da periferia das cidades.

O Brasil, nestes vinte anos de democracia, não tem sido diferente da Bolívia. Por isso, este é o meu alerta: não deixemos continuar como se nada estivesse acontecendo. Isso é falso, uma ilusão. Este País está pegando fogo dentro da consciência das pessoas. Isso pode ser demonstrado pela violência urbana, que, muitas vezes, é uma forma de manifestar descontentamento com a concentração de renda.

No Congresso Nacional ainda não nos encontramos para discutir um programa de distribuição de renda para a nossa população. Não discutimos, nesta Casa, um projeto para reduzir a desigualdade social, não discutimos programas concretos para mudar a realidade da educação básica no Brasil, estamos nos preparando para discutir a reforma universitária. Mas discutimos esta semana a redução de impostos, discutimos o que interessa na pequena disputa das pequenas coisas e no atendimento das reivindicações dos grupos incluídos, que fazem lobby, que usam gravata, que podem conversar conosco e nos pressionar por meio de e-mails.

Esse é o alerta. Há uma sombra no ar. Quando, um dia, a violência no País for tão grande que mais da metade esteja na violência, os errados serão os pacíficos. O País se transformou em uma fábrica de prisões e de candidatos a prisioneiros. Esse fato continua, sob os olhos de todos nós, Parlamentares, e ainda passamos a idéia de que nossa preocupação é apenas com os interesses pessoais.

Por essa razão, deixo um alerta e também um desafio no sentido - e pode ser uma ilusão fazê-lo - de que descubramos uma maneira de sair da agenda pequena que nos aprisiona nos minúsculos interesses de todos nós dentro deste terrível e frio ar-condicionado e tragamos para cá os interesses do calor lá de fora, das pessoas necessitadas. Que transformemos necessidades em demandas, a fim de que o povo passe a ter direitos e lute pela democracia. Construímos uma democracia, mas separamos o povo entre os que demandam e os que necessitam. Os que demandam exercem o poder aqui dentro; os que necessitam ficam marginalizados.

É o desafio que deixo, Sr. Presidente, com a sensibilidade que vejo em V. Exª e em todos os colegas.

O Sr. Leomar Quintanilha (PMDB - TO) - V. Exª me permite um aparte, nobre Senador Cristovam Buarque?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Pois não, nobre Senador Leomar Quintanilha.

O Sr. Leomar Quintanilha (PMDB - TO) - Compartilho com V. Exª as preocupações que traz à Casa nesta manhã. Com muita propriedade, V. Exª faz afirmações que, seguramente, vão ao encontro das aspirações do povo brasileiro, principalmente dos grotões, dos desassistidos, dos desamparados. V. Exª tem razão, este é o mais importante foro de discussão dos grandes e graves problemas nacionais, mas o foco não está na direção correta. Onde está a discussão da segurança do cidadão, que é dever do Estado...

(Interrupção do som.)

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Senador Cristovam, V. Exª tem mais cinco minutos, de acordo com o Regimento Interno. Fique à vontade, pois o País tem uma dívida extraordinária com V. Exª que pode ser paga com o tempo que V. Exª desejar.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Muito obrigado.

Mas gostaria de falar da dívida que nós, os líderes brasileiros, temos com o povo brasileiro. E não preciso de mais de cinco minutos para isso, embora agradeça muito a generosidade de V. Exª.

O Sr. Leomar Quintanilha (PMDB - TO) - Senador Cristovam Buarque, gostaria apenas de concluir o aparte, se V. Exª me permite.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Autorizo parte do meu tempo, generosamente concedido pelo Presidente Mão Santa.

O Sr. Leomar Quintanilha (PMDB - TO) - Senador Cristovam Buarque, comentava exatamente que alternativas o Estado tem buscado a fim de assegurar ao cidadão, ao pai e à mãe de família, que seu filho possa sair de casa para ir à escola ou ao trabalho, ou até para se divertir, e não haja riscos à sua integridade física. O que estamos fazendo para as novas gerações, em um mundo que cresce em progressão geométrica, em que o conhecimento também cresce em progressão geométrica? E a base de tudo, a sustentação, que é o ensino fundamental, perdeu a rota, perdeu o rumo. O que estamos fazendo para retomar a situação, que é fundamental para o desenvolvimento de qualquer povo e de qualquer nação? Nas questões de saúde, o País também vive uma situação dramática, em todos os Estado brasileiros. V. Exª tem razão. Este é o foro para discutir os problemas que interessam diretamente ao povo brasileiro. Cumprimento V. Exª.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Obrigado, Senador.

Se é pouco o que o nosso Governo, o meu Governo, o Governo do meu Partido vem fazendo pela segurança, ainda menos é o que vem fazendo para que não haja, no futuro, necessidade de segurança, devido à pacificação da sociedade. O que falta são objetivos e metas, que foram o sonho de todos os que votamos no Presidente Lula, de todos os que ajudamos a construir e levamos o Partido dos Trabalhadores ao poder. Apesar de tudo, ainda tenho esperança, ainda acredito que é possível mudar. Até porque não teremos, durante muitos anos mais, uma liderança igual à de Luiz Inácio Lula da Silva. E, com todo o respeito aos outros Partidos, digo que será muito difícil haver um partido com o capital político do Partido dos Trabalhadores. Daí a nossa responsabilidade, daí o nosso desafio.

Concluo dizendo para o Congresso Nacional e para o Presidente Lula que está na hora de Sua Excelência se sentar para ouvir o que o Congresso quer dizer, não em função das coisas pequenas - nomeações de cargos e de postos, de resolução e liberação de emendas pessoais de cada um de nós -, mas que rumo pode tomar, não apenas por ser um Presidente competente, mas também o primeiro Presidente de um novo tempo neste país. Que faça com que fique para trás o período do autoritarismo político e da injustiça social, e que as liberdades políticas não demorem muito.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Mas vejo um Senador que muito me honra pedir o aparte, que é o Senador Pedro Simon, ao qual dedico os dois minutos que ainda me restam, e, em seguida apenas agradecerei.

Senador Pedro Simon.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - A Mesa será tolerante porque o País quer ouvi-lo e segui-lo.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

            O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Prometi a mim mesmo que não faria aparte a V. Exª, mas não posso deixar de ouvir o seu pronunciamento sem dizer o que sinto. V. Exª está sendo o verdadeiro amigo do Presidente Lula, V. Exª está fazendo um grande bem ao velho PT ao aconselhar, dizer o que está dizendo, que o Presidente ouça as pessoas que querem que ele vá bem, que torcem para que ele vá bem, mas que analise o contexto do que estamos vivendo e que faça aquelas mudanças que são necessárias. O mal do Presidente - aliás, de todos os Presidentes - é quando entra naquela roda vida, naquela corrida. As pessoas que o cercam, desde o momento em que sai de casa, são as mesmas. De certa forma, às vezes lhe falta tempo para parar, pensar e meditar no pronunciamento de V. Exª. Sempre terá aquele que lhe dirá: “Veja o que o Senador falou de Vossa Excelência!” E dirá isso em sentido pejorativo. Faltará aquele que, em sentido otimista, diria: “Aquele Senador, aquele professor, aquele intelectual é um grande amigo seu e lhe deu um grande conselho”. Eu lhe felicito. Que bom seria se as pessoas como V. Exª, como Frei Betto e tantas outras que estão tentando falar com o Presidente, tivessem a felicidade de ser compreendidas por ele. Meus cumprimentos.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Muito obrigado, nobre Senador.

Concluo, Sr. Presidente, pedindo - e o alerta deve ser feito por qualquer companheiro do Partido dos Trabalhadores - que o Presidente Lula não comemore o aumento do Produto Interno Bruto enquanto não puder comemorar a redução do analfabetismo, que não comemore o aumento das exportações enquanto não puder comemorar a garantia de que todo brasileiro terá onde morar, com água potável, coleta de lixo e esgoto.

Esse é um dos pontos que me assustam; ou seja, a alegria com que todos comemoram o crescimento econômico, fechando os olhos à tragédia social do Brasil. Não há política econômica boa se não for capaz de gerar os recursos necessários, por meio do Orçamento, que passa por aqui, para atender as necessidades do povo.

Sr. Presidente não concluo meu pronunciamento com pessimismo, pois acredito que a democracia ainda poderá soprar e espalhar as nuvens que pairam por aqui. Mas isso depende muito do pulmão de cada um de nós.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/04/2005 - Página 7308