Discurso durante a 31ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Apreciação na Câmara dos Deputados de projeto de lei de iniciativa do Poder Executivo que dispõe sobre a gestão de florestas.

Autor
Edison Lobão (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
Nome completo: Edison Lobão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Apreciação na Câmara dos Deputados de projeto de lei de iniciativa do Poder Executivo que dispõe sobre a gestão de florestas.
Publicação
Publicação no DSF de 02/04/2005 - Página 7319
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • CRITICA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO MEIO AMBIENTE (MMA), AUSENCIA, APROVAÇÃO, PROJETO, GESTÃO, FLORESTA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL.
  • APRESENTAÇÃO, DADOS, PESQUISA, INSTITUTO NACIONAL DE METROLOGIA NORMALIZAÇÃO E QUALIDADE INDUSTRIAL (INMETRO), EXTENSÃO, FLORESTA, BRASIL, COMENTARIO, IMPORTANCIA, PRESERVAÇÃO, BIODIVERSIDADE.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ESTUDO, ENTIDADE, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, AUMENTO, DEMANDA, PAIS ESTRANGEIRO, AQUISIÇÃO, MADEIRA, EFEITO, DESMATAMENTO.
  • PROTESTO, ATIVIDADE PREDATORIA, AREA FLORESTAL, BRASIL, CRITICA, INEFICACIA, GOVERNO FEDERAL, CONTENÇÃO, DESMATAMENTO.
  • LEITURA, APARTE, MARINA SILVA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO MEIO AMBIENTE (MMA), PERIODO, EXERCICIO, MANDATO PARLAMENTAR, SENADO, PLANO, MANEJO ECOLOGICO, FLORESTA.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, está sob apreciação, na Câmara dos Deputados, e até em regime de urgência, o projeto do Executivo dispondo sobre a gestão de florestas públicas para a produção sustentável. Hoje venho à tribuna para fazer um discurso diferente daqueles que tenho feito, ao longo do meu mandato de Senador, sobre essa matéria.

Tínhamos aqui a Senadora que hoje se transformou em Ministra do Meio Ambiente, que abordava esse assunto com freqüência e, em dados momentos, apesar da sua doçura, com uma certa dose de virulência. E ela tinha razão, pois procurava demonstrar a desgraça que poderia ocorrer às nossas florestas se uma providência, sobretudo do Governo, além de um convencimento da sociedade, não ocorresse.

Mas a Senadora Marina Silva seguramente está se esforçando para colocar em prática aquilo que dizia da tribuna do Senado da República, porém, os resultados, Senador Mão Santa, não parecem corresponder à palavra.

Muitas vezes, temos, em relação às pessoas, uma ação que não se compatibiliza com a palavra. Este parece ser um dos casos. E volto a dizer, não acuso a Ministra. Está S. Exª se esforçando, mas não conseguimos ver o resultado da sua ação no Ministério do Meio Ambiente sobre esta matéria. Certamente forças poderosas se antepõem ao seu desejo e a sua ação. E, neste caso, precisamos, nós, do Senado, garantir mais apoio, o que nunca faltou a S. Exª, mas um apoio mais eficaz para que ela transforme em realidade aquilo que aqui ela pregava todos os dias.

No último dia 9, a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável aprovou requerimento para a realização de seminário em torno do assunto, que será realizado em conjunto com a Comissão da Amazônia Integração Nacional e Desenvolvimento Regional daquela Casa do Congresso e em parceria com o Ministério do Meio Ambiente. A propositura institui na estrutura do Ministério do Meio Ambiente o Serviço Florestal Brasileiro e propõe a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional.

A iniciativa do Governo Federal naturalmente merece o nosso apoio, embora a matéria, no Poder Legislativo, deva percorrer ampla trajetória de discussões e aprimoramentos.

Sr. Presidente, é bom recordar a relevância gigantesca da extensão privilegiada das nossas florestas. Em recente estudo da Engenheira Ana Luisa Guéron e da Economista Viviane Garrodoz, publicado em junho de 2004 e divulgado no site do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro) na Internet, as áreas florestais no Brasil são números verdadeiramente assustadores. As áreas florestais no Brasil somam 544 milhões de hectares. Para efeito de comparação, devo demonstrar que as áreas florestais da Europa inteira equivalem a 130 milhões de hectares - em toda a Europa é de 130 milhões de hectares e no Brasil é de 544 milhões de hectares. O parque florestal brasileiro é o segundo maior do mundo, atrás apenas da Rússia que, no entanto, só tem florestas temperadas e boreais, igualmente vítimas de crescentes ações predatórias.

Em nossas florestas, encontra-se a maior biodiversidade de espécies e ecossistemas do planeta e uma das mais diversas e amplas concentrações de povos e culturas indígenas existentes sobre a face da Terra. Muitas são as razões, portanto, para que oferecêssemos prioridade aos assuntos florestais, notadamente aos vinculados à Amazônia, esse imenso território que desperta a cobiça internacional.

Em artigo de O Estado de S. Paulo, a 10 deste mês de março, Chamil Chade, correspondente do jornal em Genebra, dá notícia de um estudo do World Wild Fundo (WWF - Fundo Mundial para a Natureza), informando que a crescente demanda por madeira está pondo em risco florestas em várias regiões do mundo, inclusive do Brasil, com sérias repercussões no meio ambiente. Essa demanda é liderada pela China - hoje principal destino das madeiras extraídas de forma ilegal -, que importa o produto da Rússia, da Malásia, da Indonésia e, entre outros países, do Brasil, que figura em 13º lugar. Ainda segundo tal estudo, esse País consome atualmente 135 milhões de metros cúbicos de madeira por ano, estimando-se que consumirá 239 milhões de metros cúbicos - portanto quase o dobro - em 2010, ou seja, dentro de cinco anos. Outra ameaça de ações predatórias nas florestas está na polpa de madeira, consumida na China em volume anual de 12,8 milhões de metros cúbicos, em 2015. Neste ranking, o Brasil está em 2º lugar nas importações feitas pelos chineses.

O curioso, Sr. Presidente, é que o Governo da China, preocupado com a devastação das suas própria matas, em fins dos anos 90, baixou lei banindo e proibindo a extração de madeira em várias regiões, do que resultou, nos dias presentes, um aumento de 17,5% na sua cobertura florestal. Portanto, enquanto a China, que é hoje o maior importador de madeira do mundo, proíbe a extração da madeira em seu território, o Brasil e outros países abrem as suas fronteiras para que a China importe, em grande escala, com seu imenso desenvolvimento atual, a madeira do mundo inteiro.

Igualmente, merece destaque a informação, incluída no referido estudo das duas técnicas do Inmetro, de que a maior parte dos móveis importados hoje pelos Estados Unidos são provenientes da China. Ou seja, a China abastece os Estados Unidos de móveis para as residências, mas a madeira que utiliza como matéria-prima já não é de seu território, mas sim de outros países.

A imprensa brasileira e internacional tem abordado, há anos, o problema da situação predatória de nossas florestas, especialmente na Amazônia. Eu próprio e outros ilustres Senadores temos assomado às tribunas para clamar por providências que resguardem nossas imensas matas virgens. Denunciei que empresas asiáticas já se faziam proprietárias de altíssimo percentual das terras do sul e do sudeste do Amazonas, em regiões com espécies nobres de madeira, e estavam executando extrações predatórias.

Em resposta a dois requerimentos que em 1996 e em 1997 encaminhara ao então Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia, recebi a inocente informação de que o Incra não sabia se houvera ou não compra de terras por empresas estrangeiras, e o Ibama, a seu turno, não tinha competência legal para avaliar e impedir a exploração ilegal das florestas brasileiras. Esta é a incrível realidade vivida por nosso País. O Governo não sabia dizer sequer se as informações que a imprensa divulgava eram verdadeiras ou não, se estrangeiros estavam ou não comprando grandes áreas na Amazônia deste País.

A 23 de janeiro de 1998, ocupei, pela terceira vez, num curto período, a tribuna para enfatizar os riscos que ameaçavam nossas florestas. Os incêndios, intencionais ou não, e a derrubada comercial de milhares de metros cúbicos de árvores sem os projetos de manejo configuravam um crime contra o País e contra a humanidade. “A pior desgraça que envolve nossas matas fechadas não são os incêndios”, disse eu, “mas a busca desenfreada pelas madeiras nobres”. Por uma única árvore de valor econômico apreciável, depredam-se as que a circundam, comprometendo a biodiversidade, o valor inestimável das plantas que guardam em seus genes o segredo de poderosos remédios em uso ou a serem ainda descobertos, e uma infinidade de outras essências que já ajudam ou ainda socorrerão a Humanidade.

Em tal discurso, incursionei em seara delicada ao lançar dúvidas sobre os projetos de manejo então programados, provavelmente ilusórios e inúteis. Nesse sentido, citei a opinião do famoso biólogo norte-americano Edward Wilson (a quem já havia me referido em momento anterior), para quem os vigentes projetos de manejo, praticados em algumas nações, não logravam preservar as florestas. Aliás, não seria preciso citar o biólogo para sabermos disso. No que toca ao Brasil, basta sobrevoarmos o País para visualizar os enormes claros, denunciadores da destruição de matas jamais renovadas!

Fui brindado nesse discurso com o aparte da Senadora, hoje Ministra, Marina da Silva. Disse a Ministra, então Senadora, em determinado trecho:

V. Exª está falando dos planos de manejo. Existe um estudo, que está sendo publicado, segundo o qual algumas árvores na Amazônia têm vida de até 700 anos - sete séculos - ao invés de 70 ou 100 anos, como é o caso do cumaru-ferro, tão conhecido por nós. Ora, se uma árvore precisa de 700 anos para atingir seu porte, como provaremos, cientificamente, que um plano de manejo pode dar certo? Os estudos que temos podem, no máximo, ter trinta anos de experiência e, se estudar espécies com um período de vida de 70 ou 100 anos já era complicado, imaginem no caso daquelas com longevidade maior. A maçaranduba é outro caso semelhante.

Acrescentou a Senadora Marina Silva:

Existem várias árvores tão densas, que às vezes temos a impressão de estar tocando num pedaço de ferro, como é o caso do próprio cumaru-ferro. Os planos de manejo ainda são experiências para as quais os nossos cientistas e pesquisadores, com muito empenho, tentam dar respostas, mas precisamos ter cautela. Não podemos nos fechar a elas, claro, mas também não podemos ser irresponsáveis e achar que essas experiências, de maneira generalizada, responderão às nossas expectativas. Esses planos ainda não estão comprovados na realidade, são apenas especulação ou um desejo nosso de que dêem certo. E, com certeza, a cobertura vegetal que pode ser feita em substituição à floresta será incomparavelmente inferior àquela criada pela natureza. Sabe-se Deus como, com todas as dificuldades daquele solo, aquela floresta surgiu! Mas ela surgiu como um milagre e não podemos fazê-la desaparecer como um castigo, e, pior que isso, um castigo que nós mesmos nos auto-aplicamos.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Sr. Presidente, estas eram as palavras da então Senadora Marina Silva, hoje Ministra.

V. Exª me chama atenção para o meu tempo. Eu peço que dê como lido o restante do meu discurso.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Em respeito ao que V. Exª significa para este Parlamento, para o Maranhão e para a Pátria, teremos a tolerância.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Sr. Presidente, fico muito agradecido, mas há ainda outros oradores que me seguirão. Devemos, portanto, respeitar o tempo regimentalmente reservado a cada um de nós. Agradeço, sensibilizado, a gentileza reiterada de V. Exª e concluo pedindo que sejam dados como lidos os parágrafos seguintes do meu discurso, apenas dizendo que este é um tema que não há de interessar apenas a uma pequena parcela dos políticos brasileiros, mas, sim, a todos, porque diz respeito a esta geração inteira e às gerações futuras, que haverão de cobrar de nós aquilo que hoje nós eventualmente não tivermos feito por negligência, por descuido ou até por certa dose de irresponsabilidade.

Ou preservamos as nossas florestas hoje, ou amanhã teremos este País transformado em um grande deserto.

Muito obrigado.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR EDISON LOBÃO.

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O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, já está sob a apreciação da Câmara dos Deputados, em regime de urgência, o projeto do Executivo 4.776/2005, dispondo sobre a gestão de florestas públicas para produção sustentável. No último dia 09, a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável aprovou Requerimento para a realização de Seminário em torno do assunto, que será realizado em conjunto com a Comissão da Amazônia, Integração Nacional e Desenvolvimento Regional daquela Casa do Congresso, e em parceria com o Ministério do Meio Ambiente. A propositura institui, na estrutura do Ministério do Meio Ambiente, o Serviço Florestal Brasileiro e propõe a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal.

A iniciativa do Governo Federal naturalmente merece o nosso apoio, embora a matéria deva percorrer no Poder Legislativo ampla trajetória de discussões e aprimoramentos.

É bom recordar, Sr. Presidente, a relevância gigantesca da extensão privilegiada das nossas florestas. Em recente estudo da engenheira Ana Luisa Guéron e da economista Viviane Garrodoz, publicado em junho de 2004 e divulgado no site do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro) na Internet, as áreas florestais no Brasil somam 544 milhões de hectares. Para efeito de comparação, as áreas florestais da Europa equivalem a 130 milhões de hectares. O parque florestal brasileiro é o segundo maior do mundo, atrás apenas da Rússia que, no entanto, só tem florestas temperadas e boreais, igualmente vítimas de crescentes ações predatórias.

            Nas nossas florestas encontra-se a maior biodiversidade de espécies e ecossistemas do planeta e uma das mais diversas e amplas concentrações de povos e culturas indígenas.

            Muitas são as razões, portanto, para que oferecêssemos prioridade aos assuntos florestais, notadamente os vinculados à Amazônia, esse imenso território que desperta a cobiça internacional.

Em artigo em “O Estado de São Paulo”, a 10 deste mês de março, Chamil Chade, correspondente do jornal em Genebra, dá notícia de um estudo do World Wild Fund (WWF - Fundo Mundial para a Natureza) informando que a crescente demanda por madeira está pondo em risco florestas em várias regiões do mundo, inclusive no Brasil, com sérias repercussões no meio ambiente. Essa demanda é liderada pela China (principal destino das madeiras extraídas de forma ilegal), que importa o produto da Rússia, Malásia, Indonésia e, entre outros, do Brasil em 13º lugar. Ainda segundo tal estudo, esse país consome atualmente 135 milhões de metros cúbicos de madeira por ano, estimando-se que consumirá 239 milhões de metros cúbicos - portanto quase o dobro - em 2010. Outra ameaça de ações predatórias nas florestas está na polpa de madeira, consumida na China em volume anual de 12,8 milhões de metros cúbicos com estimativa de 29 milhões de metros cúbicos em 2015. Neste ranking, o Brasil está em 2º lugar nas importações feitas pelos chineses.

O curioso, Sr. Presidente, é que o governo da China, preocupado com a devastação de suas próprias matas, baixou lei em fins dos anos 90 banindo a extração de madeira em várias regiões, do que resultou nos dias presentes um aumento de 17,5% na sua cobertura de florestas... E igualmente merece destaque a informação, incluída no referido estudo das duas técnicas do INMETRO, de que a maior parte dos móveis importados nos Estados Unidos são provenientes da China, que processa a matéria-prima importada de países como o Brasil, e reexporta o produto acabado para os EUA.

            A imprensa brasileira e internacional tem abordado, há anos, o problema da exploração predatória de nossas florestas, especialmente na Amazônia. Eu próprio e outros ilustres Senadores temos assomado às tribunas para clamar por providências que resguardem nossas imensas matas virgens. Denunciei que empresas asiáticas já se faziam proprietárias de altíssimo percentual das terras no sul e sudeste do Amazonas, em regiões com espécies nobres de madeira, e estavam executando extrações predatórias.

Em resposta a dois requerimentos que em 1996 e 1997 encaminhara ao então Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia, recebi a inocente informação de que o INCRA não sabia se houvera ou não compra de terras por empresas estrangeiras, e o IBAMA, a seu turno, não tinha competência legal para avaliar e impedir a exploração ilegal das florestas brasileiras...

Esta a incrível realidade vivida por nosso país.

            A 23 de janeiro de 1998, ocupei pela terceira vez num curto período a tribuna para voltar a enfatizar os riscos que ameaçam nossas florestas. Os incêndios, intencionais ou não, e a derrubada comercial de milhares de metros cúbicos de árvores sem os projetos de manejo configuravam um crime contra o País e contra a humanidade. “A pior desgraça que envolve nossas matas fechadas não são os incêndios”, disse eu, mas a busca desenfreada pelas madeiras nobres. Por uma única árvore de valor econômico apreciável, depredam-se as que a circundam, comprometendo a biodiversidade, o valor inestimável das plantas que guardam em seu genes o segredo de poderosos remédios em uso ou a serem ainda descobertos, e uma infinidade de outras essências que já ajudam ou ainda socorrerão a Humanidade.

            Em tal discurso, incursionei em seara delicada ao lançar dúvidas sobre os projetos de manejo então programados, provavelmente ilusórios e inúteis. Nesse sentido, citei a opinião do famoso biólogo norte-americano Edward Wilson (a quem já havia me referido em discurso de 17 de outubro de 1997), para quem os vigentes projetos de manejo, praticados em algumas nações, não logravam preservar as florestas. Aliás, não seria preciso citar o biólogo para sabermos disso. No que toca ao Brasil, basta sobrevoarmos o País para visualizar os enormes claros, denunciadores da destruição de matas jamais renovadas!

            Fui brindado nesse discurso com o aparte da Senadora hoje Ministra Marina Silva. Disse ela num trecho, alto e bom som:

            “V. Exª está falando dos planos de manejo. Existe um estudo, que está sendo publicado, segundo o qual algumas árvores na Amazônia têm vida de até 700 anos, ao invés de apenas 70 ou 100, como é o caso do cumaru-ferro, tão conhecido por nós. Ora, se uma árvore precisa de 700 anos para atingir seu porte, como provaremos, cientificamente, que um plano de manejo pode dar certo? Os estudos que temos podem, no máximo, ter 30 anos de experiência e, se estudar espécies com um período de vida de 70 ou 100 anos já era complicado, imaginem no caso daquelas com longevidade maior. A maçaranduba é outro caso semelhante.”

            Acrescentou Marina Silva no aparte:

            “Existem várias árvores tão densas, que às vezes temos a impressão de estar tocando num pedaço de ferro, como é o caso do próprio cumaru-ferro. Os planos de manejo ainda são experiências para as quais os nossos cientistas e pesquisadores, com muito empenho, tentam dar respostas, mas precisamos ter cautela. Não podemos nos fechar a elas, claro, mas também não podemos ser irresponsáveis e achar que essas experiências, de maneira generalizada, responderão às nossas expectativas. Esses planos ainda não estão comprovados na realidade, são apenas especulação ou um desejo nosso de que dêem certo. E, com certeza, a cobertura vegetal que pode ser feita em substituição à floresta será incomparavelmente inferior àquela criada pela natureza. Sabe-se Deus como, com todas as dificuldades daquele solo, aquela floresta surgiu! Mas ela surgiu como um milagre e não podemos fazê-la desaparecer como um castigo, e, pior que isso, um castigo que nós mesmos nos auto-aplicamos”.

            Vejam V. Exªs, Srªs e srs. Senadores, como é complexo o problema da sustentabilidade de uma floresta. No entanto, parece possível, como o demonstram países que, pela pequena extensão dos seus territórios (em comparação com o Brasil), conseguem há décadas, mesmo modestamente, consumir e exportar madeira sem prejuízo das suas florestas. É o caso de alguns países, entre os quais a Alemanha.1

            Narrou-me um amigo que, de certa feita em Portugal, interessou-se por saber como aquele país irmão utilizava suas próprias árvores para determinadas produções em madeira. E então viu que se cortavam e aproveitavam galhos, não as árvores majestosamente mantidas vivas e erectas...

            O referido cientista Edward Wilson - professor de Harvard e duas vezes agraciado com o Prêmio Pulitzer por suas obras - vai mais longe: ele considera inviável a recomposição artificial das florestas tropicais. Para ele - e eu disse isto em discurso nesta tribuna em 1997 - as matas tropicais estão sendo danificadas de forma tão indecente que mesmo as mais modernas tecnologias de reflorestamento não poderão trazê-las de volta à vida. Gasta-se o patrimônio natural sem que ele possa ser reposto com a mesma intensidade. Edward Wilson então conclama os governos (em entrevista à página amarela de “Veja”, também em 1997) a que exijam possa a mata ser economicamente utilizada só depois de mapeada, polegada por polegada, num processo meticuloso em que cada árvore de valor científico e ambiental é identificada. A atividade madeireira só poderia ser exercida nas bordas da cobertura vegetal, de modo que não haja um impacto imediato muito grande e, a longo prazo, a mata possa se recompor naturalmente. Sobre a Amazônia, observa o biólogo de Harvard o que já é do nosso conhecimento, isto é, que as florestas de clima são exuberantes apenas na aparência, formando os chamados desertos úmidos São uma vasta e complexa cobertura vegetal fincada num solo arenoso, fertilizado apenas por uma delgada capa de material orgânico. Sendo o mais frágil de todos os ecossistemas, o deserto úmido não se presta para outros fins senão o de manter a exuberância das florestas a serem exploradas de modo racional e inteligente.

            Sr. Presidente, pergunto aos meus nobres Colegas: com a aprovação ou não do novel projeto dispondo sobre a gestão de florestas públicas para produção sustentável, podemos confiar na eficiência da nossa fiscalização?

            Se não conseguimos até hoje impedir a grilagem, as queimadas intencionais, a gravíssima devastação de grandes extensões florestais - fenômenos que em terra firme ou por via aérea são freqüentemente fotografados e filmados; se o próprio Ministério, sob cuja responsabilidade estão ou deviam estar tais problemas, não soube dar respostas a informações elementares solicitadas pelo Senado - de que modo daremos cumprimento a uma lei carregada de boas intenções?...

            A realidade institucional do nosso País, no que tange à exploração de recursos naturais, não recomenda a aparente boa-fé do projeto do Governo Federal. A observância de vigentes planos de manejo florestal sustentável impostos pela legislação vem sendo amplamente descumprida. Essa desobediência generalizada reflete a falta de vontade política, por parte do Poder Público, em exigir com severidade o cumprimento da lei e em corrigir as graves deficiências do IBAMA, um órgão hoje sabidamente incapacitado de promover uma fiscalização efetiva.

            Tais falhas do poder público, que tanto irritam a sociedade brasileira, são naturalmente as motivações que inspiraram a proposta nascida no 2º Congresso Internacional de Produtos de Madeira Sólida de Reflorestamento, realizado em Curitiba no início de dezembro passado, para se implantar um novo Ministério de Florestas, que se dedicaria integralmente aos assuntos pertinentes às nossas áreas florestais.

            Ressalte-se, Sr. Presidente, que tais razões não me impedem de ser favorável ao projeto, cujos objetivos declarados são os de conservação dos ecossistemas, da biodiversidade, do solo, da água e dos valores culturais associados, bem como a proteção do patrimônio público; o do estabelecimento de atividades que promovam o uso eficiente e sustentável das florestas e que contribuam para o cumprimento das metas do desenvolvimento socioeconômico local, regional e de todo o País; o de eficaz e eficiente acesso da população aos recursos florestais e a seus benefícios; o de respeito aos direitos das comunidades locais, em especial às culturas tradicionais, ao acesso e aos benefícios derivados do uso e da conservação das florestas públicas.

            E propugna ainda o projeto a promoção do processamento local e o incentivo ao incremento da agregação de valor aos produtos e serviços da floresta, bem como à diversificação industrial, ao desenvolvimento tecnológico, à utilização e à capacitação de empreendedores locais e da mão-de-obra regional; a promoção e difusão da pesquisa florestal, agroflorestal, faunística e edáfica (pertencente ou relativo ao solo), relacionada à conservação, à recuperação e ao uso sustentável das florestas; o fomento ao conhecimento e a promoção da conscientização da população sobre a conservação, a recuperação e o manejo dos recursos florestais; e a garantia de condições estáveis e seguras que estimulem investimentos de longo prazo no manejo, na conservação e na recuperação das florestas.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as florestas nacionais (FLONAs) - um dos tipos de unidades de conservação (UC) - foram criadas para fins econômicos, mas temos o dever de garantir um modelo racional de desenvolvimento que possibilite a exploração sustentável e a manutenção da biodiversidade da Região Amazônica. É nesse sentido que, mais uma vez, apelo à sensibilidade do Governo Federal para que, às suas prioridades, acrescente a da proteção eficaz das nossas florestas tropicais, o tesouro brasileiro de valor inestimável.

            Foi importante a criação há cerca de uma década do Ministério do Meio Ambiente, ao qual competiria cuidar dessa fundamental questão para a Nação brasileira e para o mundo, mas a temática florestal ainda não obteve os meios e não encontrou pulso forte para impedir os descalabros que se repetem e renovam. As futuras gerações irão nos cobrar o crime dessa negligência.

            O fato concreto é o de que temos de buscar uma fórmula que equacione a possibilidade de exploração racional de nossas florestas públicas com a manutenção dos interesses do meio ambiente, da preservação de nossa biodiversidade e da harmonia com os interesses sociais das comunidades envolvidas em tal processo.

            A democracia é o melhor caminho para se viabilizar esta questão e, por isso, deve ser louvada, a princípio, a iniciativa do Governo de propor ao Poder Legislativo um projeto de lei sobre o tema.

            Minha esperança é a de que o Congresso Nacional, que tantos desafios tem enfrentado com reconhecido sucesso, aproveite o debate e a votação do referido projeto do Executivo para delinear o caminho definitivo de preservação do fabuloso Brasil florestal.

            Era o que eu tinha a dizer.

            Muito obrigado.


     1 Em Portugal, as florestas produtoras de madeira são abundantes e, desse modo, a produção portuguesa de madeira, pasta de papel e, sobretudo, de cortiça supera as necessidades nacionais. ©Encyclopaedia Britannica



Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/04/2005 - Página 7319