Discurso durante a 32ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagem de pesar e suspensão da sessão desta data, do Senado Federal, em virtude do falecimento do Papa João Paulo II.

Autor
Marco Maciel (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem de pesar e suspensão da sessão desta data, do Senado Federal, em virtude do falecimento do Papa João Paulo II.
Publicação
Publicação no DSF de 05/04/2005 - Página 7359
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, JOÃO PAULO II, PAPA, IGREJA CATOLICA, ELOGIO, ATUAÇÃO, DEFESA, PAZ, JUSTIÇA SOCIAL, LIDERANÇA, PARTICIPAÇÃO, HISTORIA, ABERTURA, PAIS ESTRANGEIRO, COMUNISMO.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Para encaminhar a votação.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, dobram os sinos pranteando Karol Wojtyla a quem o escritor e jornalista francês Bernard Lecomte, seu mais famoso biógrafo, definiu como “um dos últimos gigantes do Século XX”. João Paulo II cerrou os olhos e encerrou um Pontificado de mais de 26 anos. Seu desaparecimento desperta, portanto, um grande silêncio que, para nós cristãos, não é sinônimo de solidão, pois esta é preenchida pela fé, que nos ensina ser a morte transcurso do efêmero para o eterno.

Cognominado de “Papa Peregrino”, mercê de sua mobilidade por todos os continentes, mesmo depois de sua saúde ser abalada pelo atentado que sofreu, aparentava continuar com a vitalidade do atleta que foi na juventude. Visitou quatro vezes o Brasil. Nos modernos areópagos da Terra, sua palavra haverá de ecoar para sempre porque seu espírito de Apóstolo o fazia sentir-se - sobretudo, acima de tudo e mais que tudo -, “oprimido pela solicitude por todas as Igrejas”, para utilizar as próprias palavras de São Paulo.

Cumprir-se-ia nele a profecia de São Malaquias (1094-1148) - o monge que, profetizando o rol completo dos Papas desde o século XII até os últimos de nossos tempos, caracterizou o lema daquele que seria João Paulo II, de labore solis, “O trabalho que brilha como o Sol e enquanto o Sol brilha”, porque, para ele, “evangelizar era a missão essencial, a vocação própria, a identidade mais profunda da Igreja” - sendo a preocupação social parte dessa missão evangelizadora, obrigando ao Papa falar “em nome daqueles que não tinham voz”, convencido “de que os pobres não podiam mais esperar”. Jamais, entrementes, deixou que entorpecesse sua incansável atividade missionária, mesmo contra conselho médico ou da própria Cúria Papal.

O desenrolar do tempo histórico lhe fará justiça e, assim, a humanidade jamais estará só. Nesses tempos de mudança de paradigmas, com instantes de grande aceleração histórica, é que se insere o Cardeal Karol Wojtyla, pois como observou Santo Agostinho em sua “De Civitate Dei” (Sobre a Cidade de Deus) - o Destino - coincide substancialmente com a vontade do próprio Deus supremo.

Ex-trabalhador de uma fábrica de produtos químicos, tendo vivido o sacerdócio numa Igreja considerada clandestina pelo regime político local, primeiro sob a ocupação nazista e depois a comunista - essas experiências, que jamais haviam sido vividas por qualquer outro Papa, haveriam de definir sua filosofia político-social, não só frente aos sistemas totalitários e em defesa da liberdade, como ainda haveriam de defini-lo como o Papa dos trabalhadores e dos marginalizados. Nenhum Papa penetrara antes no bloco comunista; Leonid Brejnev tentou impedir, mas temeu a revolta dos poloneses, de longa tradição católica e nacionalista. Durante oito dias de junho de 1979, João Paulo II discursou perante milhares de compatriotas, para os quais bradava: “Não tenham medo!” Iniciava-se a debacle do comunismo, apesar da resistência do governo polonês que, em 1981, fechou o Solidariedade de Lech Waleska e prendeu seus líderes, mas não podia encarcerar seu arquiteto - o Papa. Em 1985, Mykhail Gorbachev assume o poder na União Soviética: sentindo a precariedade do Partido, foi falar com Wojtyla - dando início à “Perestroika”, a abertura do sistema. A propósito, o testemunho do mesmo Gorbachev:

“Hoje podemos dizer que tudo que aconteceu na Europa Oriental não teria acontecido sem a presença deste Papa. Hoje, na história da Europa, houve uma virada muito profunda. João Paulo II teve - e tem nisso - um papel decisivo”.

Em Wojtyla se concretizavam, a uma só vez, a alegria, a benevolência, a fascinação que arrebatava as massas, fruto das qualidades inatas de quem as desenvolvera imperceptivelmente. Enfim, dele transpirava uma aura quase sobrenatural.

João Paulo II começou seu pontificado atento ao fato de que iria desempenhar um transcendente papel histórico, sintetizado em sua parêmia pessoal: “O caminho da Igreja é o homem”. E assim se definiu, antes de tudo, como Pedro a quem Jesus incumbira de edificar a Igreja “Mãe e Mestra”. De forma resoluta e serena, firmando sua primazia e autoridade de Sumo Pontífice, segurou seu cajado e enfrentou os desafios da missionariedade, mesmo quando não compreendido, sem receio de insistir nos conceitos doutrinários essenciais. Na carta “Na entrada do terceiro milênio”, zelou para que o tesouro da fé fosse proclamado em sua integridade e preservado de interpretações que distorcessem seu verdadeiro conteúdo.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o mundo ficou entristecido com a sua morte, mas não está de luto, antes contempla, maravilhado, a consumação de sua vida terrena e o acolhimento nos braços de quem é o Alfa e o Ômega dos destinos humanos.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/04/2005 - Página 7359