Discurso durante a 33ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Enaltece o Papa João Paulo II. Lembra as lutas do pastor Martin Luther King e de Mahatma Gandhi pelos direitos humanos. Proclama Zumbi dos Palmares um "grande herói nacional".

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Enaltece o Papa João Paulo II. Lembra as lutas do pastor Martin Luther King e de Mahatma Gandhi pelos direitos humanos. Proclama Zumbi dos Palmares um "grande herói nacional".
Aparteantes
Antonio Carlos Magalhães.
Publicação
Publicação no DSF de 06/04/2005 - Página 7431
Assunto
Outros > HOMENAGEM. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, JOÃO PAULO II, PAPA, IGREJA CATOLICA, ELOGIO, DEFESA, PAZ, JUSTIÇA SOCIAL.
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, MARTIN LUTHER KING, LIDER, NEGRO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), LUTA, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
  • HOMENAGEM, MAHATMA GANDHI, LIDER, LIBERDADE, PAIS ESTRANGEIRO, INDIA, IDEOLOGIA, ATUAÇÃO, AUSENCIA, VIOLENCIA.
  • SAUDAÇÃO, APROVAÇÃO, COMISSÃO DE EDUCAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, CRIAÇÃO, FERIADO NACIONAL, DATA, MORTE, ZUMBI, VULTO HISTORICO, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
  • DEBATE, POSIÇÃO, LEONARDO BOFF, ESCRITOR, VITIMA, REPRESSÃO, IGREJA CATOLICA.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Tião Viana, Srªs e Srs. Senadores, no dia de hoje, desta tribuna, eu gostaria de falar sobre o Papa - já que ainda o estamos velando -, mas não somente sobre ele. Portanto, escrevi o pronunciamento que passo a relatar.

A luz de algumas pessoas que passam pelo mundo invade cidades, vilas, aldeias e, mais importante ainda, os corações de uma forma tão intensa que gera essa comoção registrada em torno da morte deste ser amável, generoso, mas também firme e resoluto: o Papa João Paulo II.

O carisma desse grande líder dos cristãos foi incontestável. Ele foi sem dúvida o símbolo da paz no mundo. O Papa João Paulo II foi obstinado em sua busca pela paz. Ele acreditava que a religião não devia ser motivo para conflitos e, convicto disso, convidou os representantes das mais variadas religiões para irem a Assis, para um dia de oração pela paz.

Suas palavras foram: “Na condição de um pluralismo cultural e religioso mais acentuado, como se prevê na sociedade do novo milênio, isto é importante até mesmo para criar uma segura premissa de paz e afastar o espectro funesto das guerras de religião, que já cobriram de sangue muitos períodos da história da humanidade”.

Nós, Srª Presidente, guardamos em nossas mentes a imagem do líder que soube dialogar com todas as religiões, do Papa que olhou de frente para o Ecumenismo.

Ele foi o grande defensor da vida, não se omitindo frente aos conflitos e, muitas vezes, mesmo sendo suas opiniões polêmicas, não se negou a expô-las.

É necessário que compreendamos que a Igreja é milenar e tem tendência conservadora. O Papa, por ser o seu representante máximo, teria que refletir esse quadro, mas avançou muito dentro do seu tempo e além dele.

Defendeu a reforma agrária; pediu perdão ao mundo pelo mal que a Inquisição causou; pediu perdão ao continente africano, que teve o seu povo escravizado por grande parte da humanidade.

É necessário que se entenda que a Igreja traz consigo os ensinamentos e as deficiências de uma tradição milenar.

Todos nós sabemos que o maior revolucionário de todos os tempos, e este sim, progressista, foi Jesus, símbolo maior de todas as religiões. Jesus está acima dos mortais e o Papa foi um ser humano mortal, com suas virtudes, qualidades e também imperfeições. Mas ele não se omitiu frente à luta contra as desigualdades sociais, a fome, a miséria e os horrores da violência. Ele acreditava na força do amor, em tudo que é possível construir a partir dessa máxima, nos males que podem ser evitados, superados e vencidos a partir dela.

Ao longo desses 26 anos, participou com sua mensagem de paz, procurando vencer diferentes conflitos nos cinco continentes.

Assim como ele, quero lembrar um outro grande líder da História mundial, o Pastor Martin Luther King, que teria feito aniversário ontem. Filho de uma família de negros norte-americanos, lutou pelos direitos civis nos Estados Unidos, contra a segregação racial e adotou a filosofia da não violência, inspirado em outro grande líder, o hindu Gandhi. Ambos foram líderes pacifistas.

Gandhi foi a principal personalidade da independência da Índia. Mahatma (que significa “grande alma”) Gandhi desejava que a paz reinasse entre hindus e muçulmanos, entre indianos e ingleses, e sua luta foi toda baseada na não violência.

Martin Luther King, assim como o Papa João Paulo II e Gandhi, foi um homem de grande valor, que acreditava na paz como ideal de vida entre os seres humanos. Paz que traz consigo o respeito e a supressão da indiferença quanto ao sofrimento alheio. Paz que vence o triste obstáculo do pessimismo. Paz que luta contra a pobreza. Paz que leva mensagem à população mundial.

Assim como ele lutou contra a segregação racial, Sr. Presidente, tomo a liberdade, neste dia, de reconhecer a luta de um outro grande líder, este brasileiro e chamado de herói: Zumbi dos Palmares, ícone da luta pela liberdade do negro. Depois de árdua e sofrida luta pela libertação do seu povo, foi assassinado em 20 de novembro de 1665 e, esquartejado, teve as partes do seu corpo distribuídas nas principais capitais.

Essa é uma data que marcou a história do nosso povo, data de consenso quanto à comemoração do Dia da Consciência Negra, que merece se tornar feriado.

Depois de um debate nacional na Comissão de Educação, em que esteve presente o Senador Flávio Arns, hoje pela manhã aprovamos o PLS nº 302, que apresentei em 2004, o qual dispõe sobre a instituição de feriado nacional na data da morte de Zumbi dos Palmares, 20 de novembro. A Comissão aprovou-o por unanimidade, com duas abstenções.

Quero, de público, homenagear toda a Comissão. Fico feliz por ver esse projeto aprovado, porque Zumbi é o símbolo da luta contra o preconceito e as discriminações.

Agradeço a todos os Senadores, mas, particularmente, ao Presidente da Comissão de Educação, Senador Hélio Costa, e à Relatora da matéria, Senadora Fátima Cleide, por tudo que fizeram para que esse projeto fosse aprovado no dia de hoje. É uma satisfação muito grande vê-lo aprovado e inserido nesse contexto de verdade, justiça e amor ao próximo, tema com o qual estamos trabalhando há tanto tempo.

Sr. Presidente, a caminhada pela paz deve continuar, o enfrentamento das desigualdades sociais deve seguir o seu caminho de forma tenaz, de forma a conscientizar a humanidade quanto à eficácia dessa solução.

Sr. Presidente, não acredito que um novo mundo seja possível sem que combatamos todas as discriminações: contra o idoso, a criança, os deficientes, os índios, os negros e as mulheres. Numa homenagem à Senadora Serys, que preside a sessão neste momento, cito seu nome. Só é possível sermos um País de Primeiro Mundo se acabarmos com as discriminações.

Eu gostaria de dizer que não estou somente filosofando, pois fatos reais comprovam a brutalidade da convivência entre os seres humanos. Basta lembrarmos a chacina da Baixada Fluminense, que vitimou cerca de 30 pessoas, entre elas mulheres e crianças; a estudante da UnB, assassinada de forma brutal; ou, ainda, o deficiente que foi espancado no corredor de um ônibus aqui em Brasília.

Srªs e Srs. Parlamentares, todas as religiões dignas deste nome ensinam o amor ao próximo.

Deus, que é absolutamente tudo, que é a própria paz, verdade e justiça ensinou que “tudo o que desejais que vos façam fazei-o também vós a eles, pois é nisto que consistem as Leis e os Profetas.”

O Papa João Paulo II, Martin Luther King, Gandhi, Zumbi dos Palmares estavam imbuídos, sempre, deste sentimento de amor e respeito ao próximo.

Entre as mensagens que João Paulo II deixou há uma - lembro-me -, que diz: “Que ninguém se iluda de que a simples ausência da guerra, mesmo sendo tão indesejada, seja sinônimo de uma paz verdadeira. Não há verdadeira paz sem vir acompanhada de igualdade, verdade, justiça e solidariedade.”

Martin Luther King enfatizou: “Nós nunca estaremos satisfeitos enquanto o negro for vítima dos horrores indizíveis da brutalidade policial. Nós nunca estaremos satisfeitos enquanto nossos corpos, pesados com a fadiga da viagem, não puderem ter hospedagem nos motéis das estradas e nos hotéis das cidades.”

Aliás, recentemente, aconteceu isso aqui em Brasília ao negarem a uma comissão de negros, que participariam de um seminário, de se hospedarem em um hotel. Martin Luther King morreu, mas os fatos se repetem.

E disse mais: “Nós não estaremos satisfeitos enquanto um negro não puder votar no Mississipi e um negro em Nova Iorque acreditar que ele não tem motivo para votar. Não, não, nós não estaremos satisfeitos e nós não estaremos satisfeitos até que a justiça e a retidão rolem abaixo como águas de uma poderosa correnteza.” Dizia, lá, Martin Luther King. Foi assassinado, mas foram aprovados os direitos civis nos Estados Unidos. Hoje, todos sabem que os negros são uma força política, econômica e social naquele país.

Gandhi afirmava: “A minha vida é um todo indivisível, e todos os meus atos convergem uns nos outros, e todos eles nascem do insaciável amor que tenho por toda a humanidade.” E dizia mais: “Só podemos vencer o adversário com o amor, nunca com o ódio.” “Uma civilização é julgada apelo tratamento que dispensa às minorias.”

Sr. Presidente, sem sombra de dúvida, a Igreja deu um passo à frente quando elegeu o Papa João Paulo II. Na minha avaliação, poderá avançar muito mais com o novo ciclo que se apresentará a partir da eleição do sucessor de João Paulo II.

Mas, por uma questão de justiça - falei do Papa, falei de Gandhi, falei de Zumbi e de Martin Luther King - quero também falar da entrevista a que assisti, na Globo News, dada por Leonardo Boff*, que me deixou impressionado. Ele disse que foi perseguido em virtude de suas idéias. Falou também da sua vida e de como ele vê a Igreja.

Um dia, com certeza, haveremos de aprofundar o debate em torno do porquê do silêncio de Leonardo Boff por tantos anos.

Ele disse que entendia o Papa, mas que lamentava que ele também não tenha entendido a ideologia da Teologia da Libertação. “Políticas humanitárias com o viés voltado para os pobres e o mundo”.

Dizia ele: “Entendo o Papa. Respeito o Papa, mas queria tanto poder dialogar mais sobre a liberdade. Eu gostaria tanto que a gente estivesse em sintonia, pois os objetivos finais eram o combate à miséria, à pobre e à liberdade de opinião.”

Senador Antonio Carlos Magalhães, é com alegria que recebo o aparte de V. Exª.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - Senador Paulo Paim, V. Exª trata realmente de assunto importante, como sempre o faz. Homenagear o Santo Padre é um dever de todos os brasileiros. Incluo-me entre aqueles que choraram a perda do grande Papa João Paulo II. Quero dizer a V. Exª que lamento discordar de Leonardo Boff e de Pedro Casaldáliga em relação ao juízo que eles fizeram após a morte do Santo Padre, enquanto o mundo todo - católicos e não-católicos - se reuniam para homenageá-lo. Evidentemente, ele não mereceria críticas depois de morto. Por que não as fizeram em vida? Por que não o atacaram, da maneira como o fizeram, quando ele estava vivo? Claro que ele não ia responder. Acho muito mais digna a posição de Dom Paulo Evaristo Arns. Este, sim, fez uma síntese da vida do Papa. E este poderia, talvez, ter alguma queixa em virtude da divisão da Arquidiocese de São Paulo, que, evidentemente, não foi feita pelo Santo Padre, mas pelo Colégio que o cerca. Dom Paulo tinha motivo de queixas, mas sofreu calado em respeito ao Santo Padre, a quem ele reverenciava como a figura maior da Igreja, e o fez na hora da sua morte. Não houve incoerência nenhuma em Dom Paulo. Mas os outros não merecem a justificativa que V. Exª pretende dar desta tribuna. Até porque o injustificável não se justifica.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Senador Antonio Carlos Magalhães, recebo o aparte de V. Exª de forma respeitosa. Na verdade, a ponderação que faz V. Exª não vai longe daquilo que eu estava a refletir. Falava de Zumbi, de Gandhi, de Martin Luther King; falava de vultos da nossa história. Disse, simplesmente, que o período de silêncio de Leornardo Boff, esse sim, um dia teríamos que discuti-lo. Essa a introdução que faço em uma das passagens do meu pronunciamento, porque, quando o escrevia, Leornardo Boff dizia entender o Papa mais do que ninguém. Esta a citação que faço aqui: “Lamento que não possa ter me entendido mais com ele”, porque, no fundo, tanto o Papa quanto Leornardo Boff tinham um único objetivo: o combate à pobreza e à miséria para a construção de um mundo mais humano no campo da paz, da liberdade e da justiça.

Sr. Presidente, para terminar, citarei frases de cada um desses lutadores de nossa história.

Gandhi, assassinado em 1948, acreditava que “o amor é a força mais abstrata, e também a mais potente, que há no mundo.”

Martin Luther King, assassinado em 1968, em suas últimas palavras afirmou; “Por isso estou feliz hoje. Nada me preocupa, não temo ninguém. Vi, com meus olhos a chegada do Senhor.”

Sr. Presidente, termino este meu pronunciamento lembrando palavras do Papa João Paulo II. Em seus momentos finais, ao saber que a praça de São Pedro estava repleta de fiéis, na sua ampla maioria jovens, Sua Santidade disse: “Eu procurei vocês e vocês vieram a mim. Por isso, agradeço a todos”. Só um grande homem poderia, em seu último momento de vida, ainda deixar essa mensagem aos jovens.

Era o que eu tinha a dizer.

Obrigado, Sr. Presidente


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/04/2005 - Página 7431