Discurso durante a 33ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Transcurso do Dia do Circo no último dia 27.

Autor
Valmir Amaral (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/DF)
Nome completo: Valmir Antônio Amaral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Transcurso do Dia do Circo no último dia 27.
Publicação
Publicação no DSF de 06/04/2005 - Página 7453
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA, CIRCO, COMENTARIO, IMPORTANCIA, CULTURA, POPULAÇÃO, REGISTRO, PRECARIEDADE, ATIVIDADE CULTURAL, ANALISE, HISTORIA.

O SR. VALMIR AMARAL (PMDB - DF. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o transcurso, no final do mês de março, do Dia do Circo, que foi comemorado no dia 27, motiva-me, uma vez mais, a prestar homenagem a esses bravos paladinos da cultura popular, os profissionais circenses.

No ano passado, desta tribuna, relembrei o inesquecível palhaço Piolin, cujo natalício foi escolhido para celebrar o circo, seus artistas e os profissionais de apoio que tornam possível a realização do “maior espetáculo da terra”. Mencionei, também, alguns outros artistas que encheram de alegria nossa infância, como o querido Carequinha. Quem, da minha geração, não se lembra de seu quadro mais famoso, o táxi maluco, no qual um carro ia se despedaçando e soltando fumaça, levando a platéia ao delírio; ou de sua música responsável pela venda de mais de dois milhões de cópias de discos O bom menino. Um feito inigualável à época.

Mas nunca será demais prestar nosso reconhecimento àqueles que, enfrentando toda sorte de dificuldades, realizam um notável esforço para manter viva uma genuína manifestação da cultura do povo brasileiro.

Um dos maiores problemas enfrentados pelos circos é a falta de espaços nas cidades para instalação. Quando existe algum terreno, não há disponibilidade de água e energia elétrica, obrigando as companhias a trazer esses insumos de pontos distantes para montar seus acampamentos, realidade que se repete em várias cidades. E, usualmente, depois que o circo vai embora, a administração municipal aproveita a estrutura por ele deixada para construir uma praça ou outro equipamento de lazer no local. Assim, quando o circo volta àquela cidade, vê-se obrigado a se instalar em um ponto mais distante e - novamente - sem infra-estrutura.

Faltam, de outra parte, incentivos fiscais, além de que as taxas de ocupação cobradas pelas prefeituras são elevadas, assim como os custos com os direitos autorais. As Secretarias de Cultura municipais, quase sempre, omitem-se de um importante auxílio que poderiam prestar aos circos, na forma de divulgação dos espetáculos.

Para manter sua característica itinerante, os circos têm enfrentado crescentes demandas burocráticas para viabilizar suas apresentações nos Municípios. Com freqüência, as companhias são alvo de exigências de conformação com normas vigentes apenas naquele Município. Para agravar esse quadro, não se facilita o acesso às informações necessárias para o cumprimento desses requisitos. Já alvarás de funcionamento e liberações que são fornecidos por órgãos de atuação mais ampla do que o âmbito municipal, tais como os corpos de bombeiros, precisam ser renovados a cada praça.

A tudo isso ainda se acresce a dificuldade que as companhias circenses têm para encontrar, nos Municípios, um interlocutor específico, haja vista que, na composição da maioria das administrações municipais, não há sequer uma Secretaria de Cultura.

Em face desse quadro, o setor vem reivindicando a revisão das leis que regem a atividade dos circos no Brasil, visando à criação de leis unificadas, em âmbito federal, para desburocratizar seu funcionamento itinerante, até porque a burocracia envolvida na liberação da instalação dos circos na maioria dos Municípios acaba representando fator de favorecimento à corrupção.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a realidade observada, em nosso País, de falta de apoio e de investimento governamental nessa importante expressão da cultura popular que é o circo destoa radicalmente daquilo que ocorre em outros países.

Especialmente nos países desenvolvidos, o governo central garante significativos subsídios às diversas atividades artísticas, principalmente o circo. Não é por outro motivo que as principais companhias circenses do planeta têm suas sedes em países do primeiro mundo. Companhias legendárias como o Cirque du Soleil, do Canadá, o Picadilly, da França, além de inúmeros grupos de Portugal, Espanha, Itália, Inglaterra, Estados Unidos, Leste Europeu e China elevam o nome das respectivas artes nacionais em excursões que percorrem todo o globo terrestre. Na Rússia, por exemplo, existem aproximadamente setenta circos fixos, subsidiados pelo governo. No Brasil, não há um sequer.

Trapezistas, palhaços, malabaristas, mágicos, domadores, acrobatas são, Srªs e Srs. Senadores, os responsáveis por manter viva a mais antiga e mais universal das artes. Segundo o escritor Antônio Torres, autor do livro O Circo no Brasil, o circo, como hoje o conhecemos, tem origem nos hipódromos da Grécia antiga e no Egito dos faraós, quando a doma de animais era prática corriqueira. Os cortejos celebravam a volta da guerra, os vencedores conduzindo os escravos, os animais exóticos provando o quanto tinham ido longe os generais. A acrobacia já existia na sociedade chinesa desde a época do Imperador Wu, da dinastia Han, que reinou entre 220 e 206 a.C.

Boa quantidade dos clássicos números circenses originou-se nas olimpíadas, a exemplo dos malabarismos com bastões e com argolas. Já o trapézio é bem recente e, talvez, seja modalidade nascida no próprio circo. As demais artes circenses, contudo, tomaram corpo no Império Romano. Alguns pesquisadores dão conta de que, no ano 70 a.C., já existia, em Pompéia, um enorme anfiteatro destinado a exibições de habilidades incomuns - mais tarde caracterizadas como circenses -, entre elas as palhaçadas.

Em 366 a.C., surgiu o Circo Máximo, de Roma, que pegou fogo várias vezes e foi reconstruído tantas outras. Chegou a ter capacidade para abrigar 180 mil espectadores. Houve, também, outros grandes espaços na época. O Coliseu, inaugurado por Tito, na década de 90 d.C, tinha lugar para 90 mil pessoas.

No Coliseu, exibiam-se animais exóticos, gladiadores, engolidores de fogo, malabaristas. Com Nero, veio o monopólio das práticas sangrentas, e os artistas circenses foram para as praças públicas, agregando-se às feiras e dando início à vida mambembe. Foi nessa época que os artistas da baixa comédia passaram a integrar as trupes, consolidando-se a figura do palhaço.

Mas o circo com picadeiro e ingressos pagos tem um inventor: o cavaleiro inglês Philip Astley. Em 1770, Astley decidiu organizar um espetáculo eqüestre e, levando em conta que é mais fácil manter-se em pé num cavalo a galope dentro de um círculo perfeito - por causa da força centrífuga -, criou o picadeiro circular. O show de Astley era incrementado com saltimbancos, equilibristas, saltadores e um palhaço. Este último sempre fazia as primeiras e desastradas tentativas de montar. Eram os chamados clowns - numa referência ao termo inglês clod, que significa camponês.

Em poucos anos, outras capitais européias teriam circos fixos. Em 1830, um circo inglês atravessou o Atlântico em direção aos Estados Unidos e, na mesma época, Buenos Aires e Rio passaram a fazer parte da rota das companhias teatrais. Mas, antes disso, o circo já era atividade nacional. Em 1727, frei Dom Antônio de Guadalupe, bispo do Rio, cuja jurisdição se estendia a Minas Gerais, pediu instruções ao Santo Ofício sobre como proceder com famílias ciganas que “infestavam as povoações da Capitania das Minas Gerais, principalmente na Vila Rica do Ouro Preto, realizando, com grande aparato, comédias e óperas imorais”. Os registros de padres reclamando dos ciganos e suas “casas móveis de espetáculos”, que lembravam as do circo de pau fincado, passaram a ser constantes a partir de então.

De fato, os ciganos que vieram para cá expulsos da Europa eram exímios cavaleiros e domadores. Eles usavam tendas para a realização de animados espetáculos, motivo pelo qual acabaram sendo culpados pelos clérigos pelas desordens e bebedeiras tão comuns nas festas sacras do século XVIII.

No início do século XIX, fazia sucesso, em Minas, o ginasta, equilibrista, dançarino de corda e mestre-de-cerimônias Chiarini. O primeiro circo com lona e picadeiro foi o Bragassi, criado em 1830. Seguiram-se várias companhias, como a da família de Albano Pereira (portuguesa), a de Alexandre Lowande (norte-americana), a de Nelson (inglesa), e a de Casali (Argentina).

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os profissionais do circo são seres que vivem, cotidianamente, a arte pura, realizada com o próprio corpo. Esses artistas nômades, acostumados a mambembear sua graça pelos rincões mais distantes do País, estão hoje temerosos de sumir na poeira das estradas. Muitos deles estão acometidos pela nostalgia, acreditando que a época áurea do circo já passou e que a concorrência com a televisão, o vídeo-cassete e o computador os derrotou.

Mas, graças à sua capacidade de renovação, o circo está mais vivo do que nunca. Quando chega à cidade, ainda que cada vez mais afastado de sua imagem tradicional, ele ainda é imbatível como espetáculo.

Quero, portanto, deixar registrada, nos anais da Casa, minha homenagem aos artistas do circo, pela sua perseverança, pelo seu bom humor, pela sua versatilidade, pelo seu profissionalismo, e, principalmente pela força e determinação ao buscarem manter uma cultura, apesar de todas as dificuldades por que passam.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/04/2005 - Página 7453