Discurso durante a 34ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o pontificado do Papa João Paulo II.

Autor
Teotonio Vilela Filho (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AL)
Nome completo: Teotonio Brandão Vilela Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Considerações sobre o pontificado do Papa João Paulo II.
Publicação
Publicação no DSF de 07/04/2005 - Página 7884
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, JOÃO PAULO II, PAPA, IGREJA CATOLICA, ELOGIO, ATUAÇÃO, PAZ, MUNDO, CAPACIDADE, CONCILIAÇÃO.

O SR. TEOTONIO VILELA FILHO (PSDB - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Realmente hoje eu não poderia deixar de subir a esta tribuna para tecer alguns comentários a respeito do que ocorre no Vaticano.

O mundo sepulta nesta sexta-feira o Papa João Paulo II com uma comoção jamais vista e com um cortejo também recorde de mais de 200 chefes de estado e de governo, reis, rainhas, presidentes e ex-presidentes e cerca de quatro milhões de peregrinos - números impressionantemente recordes para um Papa que levou a vida a quebrar recordes e tabus.

Na vida e na morte, João Paulo foi um Pontífice de recordes, de avanços, de inovações, mas de posições inegavelmente conservadoras.

            Os boletins da televisão sobre a morte do Papa me trouxeram reflexões de todos os tipos. Pela primeira vez na história, o corpo de um papa era mostrado ao mundo pela TV. Como também, pela primeira vez, um papa utilizara a Internet para transmissões litúrgicas e a propagação da doutrina. Pela primeira vez, ainda, um papa utilizara tão intensa e magistralmente todos os moderníssimos meios de comunicação para sua missão evangelizadora.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. PFL - SP) - Peço licença, Senador Teotonio Vilela Filho, para prorrogar a sessão por mais dez minutos. É o suficiente para a conclusão do discurso de V. Exª?

O SR. TEOTONIO VILELA FILHO (PSDB - AL) - Sim, Sr. Presidente. Agradeço a consideração.

Mais fluíam os boletins, mais me vinham reflexões sobre esse Papa que foi um recordista de quase tudo, em seus 26 anos de pontificado, que também foi um dos mais longos de toda a História - na verdade, o terceiro.

Quase tudo já se disse sobre ele, inclusive que foi, sem dúvida alguma, o Papa da comunicação. Impressionante como ele sabia dizer tudo que queria, no momento oportuno. Impressionante como ele sabia falar para o mundo focando coisas de uma cidade ou de um país. Impressionante como ele marcava com maestria os sinais que queria transmitir.

As reflexões me levam a imaginar o tamanho do desafio para o sucessor de João Paulo II, um papa ao mesmo tempo conservador em temas doutrinários, e progressista em questões sociais; um pastor que priorizava a missão religiosa da Igreja, mas foi, ele próprio, o líder mundial responsável maior pela queda do comunismo e do Muro de Berlim; um líder conservador que se tornou ídolo da juventude.

Difícil suceder a um Papa que, literalmente, veio ao mundo com mais de 300 viagens internacionais a 130 países. Conservador em doutrina, foi, no entanto, o primeiro Papa a entrar em uma sinagoga, o primeiro a ir a uma mesquita, o primeiro a pedir desculpas pelos equívocos da Igreja, o primeiro a pedir perdão pelas atrocidades da Inquisição.

Com João Paulo II, a Igreja tornou-se mais que nunca católica, no sentido literal da palavra, que significa universal. Mas, ao mesmo tempo, ficou cada vez mais entrincheirada no confronto com a Ciência, por exemplo, sem nada acrescentar ao debate científico sobre onde começa e termina a vida ou sobre a clonagem de células vivas, sobre a bioengenharia e a bioética. A Igreja limitou-se a desaprovar pesquisas com células-tronco, para citar apenas um dos itens do vasto contencioso entre religião e ciência, que o próximo Papa terá que administrar. Com João Paulo, a Igreja continuou defensivista em relação em relação à mulher - e mais da metade da humanidade ficou distanciada de alguns ministérios da Igreja. O sacerdócio, por exemplo.

Imagino como o próximo Papa vai encarar a questão das injustiças mundiais crescentes entre países ricos que estabelecem uma ordem econômica destinada a barrar pretensões de crescimento a países pobres, cada vez mais empobrecidos pelas próprias regras do comércio internacional. A escravidão que antes se fazia com navios negreiros, hoje se consolida com o comércio internacional, com o aviltamento de matérias-primas, com os subsídios escancarados e com os expedientes por demais conhecidos dos países pobres, o Brasil incluído. O próximo Papa terá que incluir na agenda da Igreja, muito provavelmente, a questão do Terceiro Mundo.

Sei que muitos estranharão que se imagine esse como um desafio de um papa e de sua Igreja. Mas não foi o Papa João Paulo II um dos artífices maiores da queda do Muro de Berlim? Que outro líder foi mais politicamente influente em seu tempo?

A Igreja tem uma capacidade inesgotável de surpreender. A um mundo acostumado com a prática distante do Papa Paulo VI, um estadista à moda antiga, a Igreja apresentou o vigoroso Papa João Paulo II, missionário e viajante, incansável em seu périplo pelo mundo, corajoso em sua missão profética de denunciar e de propor. Qual o Papa que primeiro foi a Cuba? Quem defendeu a liberdade na Havana de Fidel? Quem defendeu os direitos humanos no Brasil dos militares? Ele mesmo, João Paulo II.

Acredito na natureza divina da Igreja Católica e não me surpreenderei se o próximo Papa sacudir, novamente, a Igreja com um vigor comparável ao de João XXIII, eleito em uma perspectiva de um pontificado curto para uma transição tranqüila, refundou os alicerces da própria Igreja com a convocação do Concílio Vaticano II. Não me surpreenderei também com um papa latino ou africano.

Com João Paulo II, a Igreja descobriu o mundo além de Roma, elegendo, pela primeira vez em 455 anos, um papa não italiano. Quem sabe terá chegado a hora de escolher um não europeu? Por que não um latino, um brasileiro? Ou um africano, por que não? Quem sabe, então, a Igreja incluirá em suas preocupações a agenda universal do Terceiro Mundo e da injustiça entre os povos? Quem sabe? Por que não?

Era o que EU tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/04/2005 - Página 7884