Discurso durante a 36ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões a respeito do velório e sepultamento do Papa João Paulo II.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL.:
  • Reflexões a respeito do velório e sepultamento do Papa João Paulo II.
Aparteantes
Alvaro Dias.
Publicação
Publicação no DSF de 09/04/2005 - Página 8476
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, REALIZAÇÃO, FUNERAL, PAPA, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, ENCONTRO, AUTORIDADE, MUNDO, REPRESENTANTE, CRENÇA RELIGIOSA, OBJETIVO, HOMENAGEM POSTUMA.
  • REGISTRO, IMPORTANCIA, UNIÃO, PAIS, MUNDO, HOMENAGEM, PAPA, DEFESA, PAZ, PLANETA TERRA.
  • SUGESTÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CRIAÇÃO, FUNDO DE ASSISTENCIA, AMBITO INTERNACIONAL, OBJETIVO, COMBATE, FOME, MISERIA, MUNDO.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, assisti, como muitos cidadãos pelo mundo - para nós, começou às 5 horas da manhã - ao enterro de Sua Santidade o Papa João Paulo II.

Já se falou muito e já se conversou muito sobre o Papa, sua vida heróica e sua morte. O que me chamou a atenção naquele espetáculo, que foi considerado a mais fantástica manifestação popular dos últimos tempos - disseram que a população de Roma, que é de três milhões, aumentou para sete milhões com a chegada a Roma de mais quatro milhões -, foi que, quando se encerraram as visitas, as filas enormes saíram e, durante a noite inteira, ficaram numa procissão permanente com luzes por todas as ruas de Roma. E chamaram a atenção porque eram principalmente jovens, os jovens aos quais o Papa se dedicou muito. Sua Santidade realizou vários encontros mundiais com a mocidade. Esses jovens estavam ali.

Chamou a atenção também o fato de ter sido talvez a maior presença de autoridades registrada - presidentes da república, primeiros-ministros, reis - na história moderna da humanidade. Nem na ONU nem em outro lugar se encontrou uma manifestação tão intensa, de representações como a dos Estados Unidos, que é cristão, mas não é católico, como a de Israel, que não é cristão nem católico, como dos muçulmanos, como da Índia, como da China e da Rússia, países de certa forma adversos aos princípios da Igreja Católica.

Chamou a atenção também que ali estavam presentes representantes de todas as gamas e variações de crenças religiosas que hoje se multiplicam pelo mundo, desde as mais tradicionais, as igrejas clássicas, que têm sua existência ao longo dos séculos, até as novas que estão aparecendo e surgindo; desde aquelas da África, com seus ritos diferentes, até as da China, com seus 5.000 anos de tradição, muito mais do que o próprio Cristianismo.

Sejamos claros e sinceros, aquela imensidão que estava ali não cultuava o Papa católico-romano que morreu, mas o homem que encarnou em si as ansiedades de toda a humanidade, o homem que conseguiu se transportar acima de sua igreja, acima de seus princípios da luta pela Igreja Católica, o que é importante e ele fez. Mas não foram sua luta e seu esforço na Igreja Católica que levaram o mundo inteiro a parar, assistir ao seu funeral na televisão ou ir a Roma. Foi a sua caminhada.

Sua Santidade voou milhões de quilômetros de avião, visitou quase 150 países em viagens e mais viagens. Foi um recordista mundial, entre os chefes de Estado, fazendo viagens pelo mundo inteiro. Ele não viajava apenas para colaborar com a Igreja Católica ou para dinamizá-la, como no Brasil, por exemplo. Fez viagens à África, onde há lugares em que não há o Cristianismo, à Índia, à China, um país comunista, a Cuba, de Fidel Castro. Linda a declaração escrita por Fidel Castro no livro, quando assistiu à missa depois de não sei quantos anos, dizendo que o Papa era um amigo dos pobres e um amigo do mundo! É essa a figura.

Volto a esta tribuna, na minha ansiedade, na minha tentativa de expressar aquilo que sinto, mas que, infelizmente, a minha pouca capacidade e o meu entendimento não profundo não me permitem. E hoje, de madrugada, vivi isso. Ali se viu o momento em que se há de entender que, americano milionário e África pobre, Cuba comunista e Brasil democrata, igrejas variadas, brancos, pobres, há um entendimento, há uma fórmula por meio da qual temos condições de nos entender, de nos respeitar, de nos darmos as mãos e juntos partilharmos parte da colaboração para que a humanidade vá adiante.

Não é possível que este terceiro milênio, que nasceu com tanta expectativa de todos, com os votos e com a ansiedade de todos no sentido de que este seria o terceiro milênio da paz e da unanimidade universal, seja um milênio em que, até aqui - Deus me perdoe -, o único acontecimento em que se viu a unidade, o entendimento, a fraternidade, o mundo em torno de uma causa foi ali, ao lado do Papa morto.

Fora disso, é a invasão do Iraque, são as guerras no Oriente Médio, os desentendimentos na Europa, as lutas, o aumento da mortalidade infantil, os dramas tremendos que a humanidade vive.

Fiquei a pensar: meu Deus do céu! Meu Deus do céu! Hoje enterrou-se o Papa, que encerrou a sua trajetória. Se houvesse uma chance no espírito de hoje, que ali a gente sentia no ar, se aqueles Chefes de Estados, em vez de cada um voltar para o seu dia-a-dia, ficassem mais dois dias ali em Roma? Poderiam reunir-se para botar no papel uma tentativa de entendimento mundial, em que se analisassem as possibilidades e perspectivas para que esse mundo tenha um pouco mais de paz e de compreensão!

Mas, meu Deus, se isso fosse possível. Um milagre!

Se o Bush, que foi o primeiro a chegar, justiça seja feita, mas também o primeiro a sair; se o Lula, que tinha de sair correndo em direção à África, porque lá o esperam; se todos pudessem ter ficado, a ONU poderia ter convocado uma reunião extraordinária, e os Chefes de Estado ficariam mais 48 horas. Poderiam pensar: vamos aproveitar que está todo mundo aqui, vamos para a sede da Unesco, vamos fechar as portas e vamos discutir. Vamos tentar fazer um documento, um documento singelo. Vamos ver o que nos une e vamos esquecer aquilo que nos desune. Vamos esquecer as questões que nos separam e tentar colocar no papel as questões em que somamos.

Há alguém, há algum país nesse mundo que não queira viver em paz? Será que a paz não é uma unanimidade? Há alguém nesse mundo que não reconheça que é uma crueldade milhares de crianças morrerem de fome diariamente, sabendo que sobra alimento, que o alimento apodrece, inclusive no Brasil, por falta de condições? Não seria possível fazer uma plataforma, um proposta singela e simples?

Aquilo que o Papa disse na ONU: “O que as grandes nações gastam se preparando para a guerra...” Para uma guerra que não existe, desnecessária, a invasão ridícula do Iraque pelo americano, que não foi nem sequer uma guerra. Não houve uma guerra entre o Iraque e os Estados Unidos. O americano foi lá, dominou, desmanchou e invadiu o Iraque. Não houve guerra. Hoje, ninguém está falando em guerra, porque tem o senhor absoluto, que é o americano. Quem imagina que vai lutar contra o americano? Não há perigo de guerra. Então, para que as nações gastam fortunas se preparando para a guerra? Com o que se gasta mais hoje no mundo?

Saiu daqui a querida Senadora do PT, falando no problema das crianças que morrem no seu Estado por falta do pré-natal. Hoje, os gastos maiores não são com saúde, comida, construção, ciência ou pesquisa científica. Os maiores gastos no mundo, hoje, são feitos com a preparação para a guerra, com armamento. O déficit americano é fantástico por causa da fantástica verba destinada à preparação para a guerra.

E o Papa disse que, se a ONU pudesse tabelar, determinar um percentual dessa verba, sob a sua fiscalização e comando - não se proibiria a produção de armamento -, destinando-o para resolver o problema da fome, da miséria e da habitação no mundo, em 10 anos, isso estaria resolvido e sobraria dinheiro.

Será que somos tão insensíveis que não entendemos uma coisa dessas? Será que estamos tão fora da realidade e, de repente, nos transformamos em bestas humanas que não temos sensibilidade?

É verdade que cada um de nós, do mais pobre ao mais rico, passa a vida correndo atrás daquilo que considera importante. No caso da classe média, é a empregada, é a comida, é a conta de luz, de água, de telefone, é o filho, sua escola, é a doença, o trabalho, o emprego. Temos uma infinidade de problemas, e isso faz com que às vezes não tenhamos tempo de olhar para o lado e entender que não adianta se matar.

Por exemplo, um cidadão que vive no Rio de Janeiro, um cidadão que é o mais rico, o mais competente, o mais capaz, fez fortuna, pode viver tranqüilo lá, pode morrer sossegado e dizer que está tranqüilo com relação aos seus filhos? Não, porque, de repente, seus filhos podem ser seqüestrados, mortos, assaltados, como tem acontecido com tantas pessoas.

Hoje, ninguém pode dizer que está tranqüilo. É aquilo que dizia Josué de Castro: há aqueles que não dormem porque estão com fome e há aqueles que não dormem porque têm medo daqueles que estão com fome. Hoje, o problema é exatamente esse. Temos nossos problemas, temos que resistir a eles, ao desemprego, ao avançar da idade. Há mil coisas, mas, se cada um deixar sobrar um espaço de tempo para olhar em volta, para olhar para o conjunto...Se, de repente, todos nós olhássemos para o conjunto, o mundo mudaria, o Brasil mudaria.

Ouço o aparte de V. Exª, Senador Alvaro Dias.

O SR. PRESIDENTE (Luiz Otávio - PMDB - PA) - O tempo de V. Exª foi prorrogado por mais cinco minutos, Senador.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Muito obrigado.

O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - Apenas, Senador Pedro Simon, desejo dizer que V. Exª tem autoridade para fazer o pronunciamento que faz, e suas palavras são conseqüência da profunda religiosidade da sua alma. Ninguém tem mais autoridade do que V. Exª nesta Casa para fazer a abordagem que faz, buscando os exemplos do Papa e tentando refleti-los para que todos nós possamos, enfim, tê-lo como referência para a nossa atuação pública. Eu gostaria de destacar que considero o clímax da atuação do Papa o momento do perdão, quando ele, com humildade, pediu perdão pelos pecados cometidos pela Igreja Católica durante sua história. Quem não tem a capacidade do perdão não tem também o merecimento de ser perdoado. O Papa nos dá essa lição. Creio que todos nós devemos aprender inúmeras lições que o Papa nos lega, mas esta, para mim, é a lição superior que devemos recolher.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Muito feliz e oportuno o aparte de V. Exª. Realmente, o Papa teve a humildade de ir a Israel e lá, no Muro das Lamentações, colocou um bilhete escrito por ele, dizendo que a Igreja Católica pedia perdão por não ter dado a atenção que devia ao holocausto naquele momento.

De fato, o Papa teve condições de fazer isso. Teve a grandeza de reconhecer desde os grandes erros do passado na época difícil da Igreja, quando pediu desculpas àqueles que sofreram até a maldição da Igreja, e hoje sabemos que houve um erro. Que bom se conseguirmos, Sr. Presidente!

Eu queria acrescentar que foi muito bonito o gesto de Lula de se fazer acompanhar pelo Presidente Sarney e pelo Presidente Fernando Henrique para se unirem ao Presidente Itamar, levando também as várias religiões, representantes de várias igrejas.

Depois de Roma, Lula irá à África pela terceira vez. É extremamente significativo o trabalho do Itamaraty de aproximação com os países da África, inclusive com o perdão de parte da dívida de alguns países daquele continente - é pouca coisa, mas também nós somos pobres; se tivéssemos percentuais semelhantes de nossa dívida perdoados, seria uma maravilha. É muito importante essa unificação que Sua Excelência está promovendo, essa valorização da identidade com os países africanos.

No mês que vem teremos aqui no Brasil uma reunião, coordenada pelo Itamaraty, entre os países do mundo árabe e os países da América Latina, com o objetivo de buscar o entendimento e o entrosamento, já que são países que têm muitas coisas a trocar, são países que têm muitas possibilidades para se acertarem e têm em comum o fato de serem países que vivem explorados pelos maiores. Ficou claro que essa reunião não terá nada a ver com os problemas entre árabes e israelenses, mas será uma reunião de grande entendimento.

Talvez seja utopia pensar assim, talvez possa ser visto como um risco, mas acho que o Presidente Lula poderia iniciar um movimento para tentar buscar, junto aos chefes das grandes nações, a criação de um fundo para salvar os milhões que morrem de fome e que dormem nas ruas. Se o Presidente Lula encampasse essa missão, com a credibilidade que tem hoje em nível internacional e com o apoio que certamente teria do povo brasileiro, obteria resultados muito positivos.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/04/2005 - Página 8476