Discurso durante a 36ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre o pontificado de João Paulo II.

Autor
Garibaldi Alves Filho (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RN)
Nome completo: Garibaldi Alves Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Considerações sobre o pontificado de João Paulo II.
Publicação
Publicação no DSF de 09/04/2005 - Página 8480
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, JOÃO PAULO II, PAPA, ELOGIO, VIDA, LUTA, LIBERDADE, IGUALDADE, COMBATE, AUTORITARISMO, MISERIA.

O SR. GARIBALDI ALVES FILHO (PMDB - RN. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em primeiro lugar, agradeço ao Presidente, Senador Luiz Otávio, pelo gesto que atesta sua generosidade.

Estamos vivendo um dia inspirado no exemplo do Papa João Paulo II. Às 5 horas da manhã, o mundo se debruçou sobre o ataúde do Papa e refletiu sobre o significado do seu papado, no exercício da sua missão à frente da Igreja.

Hoje, Sr. Presidente, no plenário do Senado Federal, fomos brindados com o discurso do Senador Pedro Simon, não apenas pela sua palavra, mas também pelo seu exemplo de homem religioso, que nos fez refletir sobre João Paulo II.

Começo este discurso com as palavras que João Paulo II proferiu por ocasião da divulgação da Encíclica Papal Centesimus Annus:

O progresso não deve ser entendido de modo exclusivamente econômico, mas num sentido integralmente humano. Não se trata apenas de elevar todos os povos ao nível que hoje gozam somente os países mais ricos, mas de construir no trabalho solidário uma vida mais digna, fazer crescer efetivamente a dignidade e a criatividade de cada pessoa, a sua capacidade de corresponder à própria vocação e, portanto, ao apelo de Deus. No ponto máximo do desenvolvimento, está o exercício do direito-dever de procurar Deus, de conhecê-LO e viver segundo tal conhecimento. Nos regimes totalitários e autoritários, foi levado ao extremo o princípio do primado da força sobre a razão. O homem foi obrigado a suportar uma concepção da realidade imposta pela força, e não conseguida pelo esforço da própria razão e do exercício da sua liberdade. É necessário abater aquele princípio e reconhecer integralmente os direitos da consciência humana, apenas ligada à verdade, seja natural ou revelada. No reconhecimento desses direitos, está o fundamento principal de toda a ordenação política autenticamente livre.

Sr. Presidente Luiz Otávio, esse trecho da Encíclica Papal Centesimus Annus, que comemorava os cem anos de publicação de outra Encíclica, a Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, a qual delimitou um caminho alternativo entre o Capitalismo Liberal e o Socialismo Marxista, demonstra claramente a visão de estadista do Papa João Paulo II e sua defesa intransigente em favor da liberdade e da dignidade humanas.

Não se poderia ter processado de maneira diferente a formação do homem Karol Wojtyla. Nascido em um país arraigadamente católico, presenciou a liberdade e a religiosidade de seu povo serem esmagadas pelo totalitarismo - em um primeiro momento pelo totalitarismo de direita, o Nazismo; e depois pelo totalitarismo de esquerda, o Comunismo (se é que se pode descrever um regime totalitário como de esquerda).

O jovem Karol forjou assim a sua personalidade na esperança do retorno de sua pátria ao exercício da liberdade e, conseqüentemente, a prática sem restrições da religião. Nasceu em 1920, quando a Polônia comemorava um dos maiores feitos de sua história: a vitória de suas tropas sobre o temido Exército Vermelho russo. Vivenciou uma infância difícil, tendo perdido a mãe e um irmão mais velho, objeto de sua admiração. No início de sua vida adulta, perdeu também o seu pai. Deixou de ter então uma família para abraçar toda a humanidade, perseguindo o ideário de Cristo. Ainda na adolescência, ao ser repreendido por uma senhora ao brincar com um judeu, retrucou: “Não somos todos filhos de Deus?” Antecipou, nessa atitude, uma postura de líder religioso que pregou a união das religiões, sejam cristãs ou não-cristãs, em busca de objetivos comuns, principalmente a pacificação e a harmonia entre os povos. Postura que o fez reconhecer os erros da Igreja e, como há pouco salientava aqui o Senador Alvaro Dias, pedir perdão a todos cruelmente atingidos por esses erros.

Revelava-se também a forte personalidade de um homem que soube superar suas adversidades, pela fé e pela busca do conhecimento, nunca se deixando abater pelos desafios. Essa mesma tenacidade o revelou como líder religioso ao resistir de maneira heróica e pacífica à tentativa do governo comunista polonês de tolher a prática religiosa. O ápice dessa resistência aconteceu quando, descumprindo ordens governamentais, levou uma multidão a assistir a uma missa campal, na qual bradou as suas convicções em favor de uma Polônia livre.

Iniciava-se a sua luta pela derrubada do regime comunista. Apesar de ter combatido o comunismo, exatamente pelas restrições impostas às liberdades humanas, não deixava de reconhecer os seus méritos, chegando a dizer que “os defensores do capitalismo ilimitado tendem a esquecer as coisas boas do comunismo: a luta contra o desemprego, a preocupação com os pobres”.

O filósofo Ortega y Gasset cunhou uma frase de grande propriedade : “Eu sou eu e as minhas circunstâncias”. O homem é o efeito das suas circunstâncias. Foram então essas circunstâncias sumariamente relatadas que forjaram o homem que o mundo passou a conhecer como João Paulo II. Um homem de formação intelectual sólida, de visão de mundo abrangente, possuidor de uma comovente resignação e resistência perante os infortúnios e um ardoroso defensor da liberdade e da dignidade humanas. Presenciou a prática do Totalitarismo em toda a sua extensão e coloração ideológica, o que o fez negar peremptoriamente toda prática política que negasse a condição humana, principalmente no que toca à liberdade em toda a sua extensão: liberdade de pensamento, liberdade de professar uma fé e a manutenção de condições por meio de um trabalho digno e um salário justo que assegure a prática dessas liberdades.

Em encontro com o então Presidente da República José Sarney, fez-lhe um apelo para que implantasse a reforma agrária no Brasil. Revela-se um homem conhecedor dos problemas do mundo. O Papa bem sabia que somente iremos definitivamente consolidar a democracia voltada para a justiça social quando retirarmos todos os cidadãos da condição degradante de miséria.

Reverencio, então, neste instante, o grande homem, ao mesmo tempo santo e estadista, apóstolo de Cristo e servo da paz, João Paulo II, contraditório porque complexo, como todos os grandes homens da humanidade o foram, grande guia intelectual e espiritual dos nossos tempos, na esperança de que a Igreja Católica possa realizar com serenidade e iluminada pelos desígnios divinos a sua escolha para sucedê-lo. Creio que não será fácil escolher diante da magnitude e abrangência do Pontificado de João Paulo II.

Um nome não poderia ter sido melhor escolhido para o sacerdote Karol Wojtyla quando assumiu o Supremo Pontificado do que o de João Paulo. O Santo Padre guardava, ao mesmo tempo, a doçura e o amor às artes de São João, como também a obstinação e a fé ilimitada de São Paulo. Que João de Deus, como nós brasileiros carinhosamente o chamávamos, nos ilumine, nós que somos a maior nação católica do mundo, a superar as nossas adversidades e a abolir práticas e realidades socioeconômicas degradantes que se contrapõem aos ensinamentos cristãos.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/04/2005 - Página 8480