Discurso durante a 36ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas à atual configuração do projeto de transposição das águas do rio São Francisco.

Autor
Valmir Amaral (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/DF)
Nome completo: Valmir Antônio Amaral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Críticas à atual configuração do projeto de transposição das águas do rio São Francisco.
Publicação
Publicação no DSF de 09/04/2005 - Página 8494
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • CRITICA, PROJETO, GOVERNO FEDERAL, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO, PREJUIZO, MEIO AMBIENTE, INEFICACIA, ATENDIMENTO, NECESSIDADE, POPULAÇÃO, REGIÃO NORDESTE.

O SR. VALMIR AMARAL (PMDB - DF. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, ocupo hoje esta tribuna para compartilhar uma angústia crescente: a idéia da transposição do Rio São Francisco, encampada cada vez mais fortemente pelo Ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, e que começa a ser propagandeada na TV como a salvação para o semi-árido nordestino.

Não será por este projeto, da forma que está concebido, que o Nordeste brasileiro terá água para beber, para a lavoura e para o pasto. É nítido o levante das mais autorizadas vozes dentre geógrafos e ambientalistas a demonstrar que o Velho Chico não tem mais água suficiente para suportar a sangria de suas águas que se pretende realizar.

As cabeceiras do São Francisco estão comprometidas, o rio está poluído e assoreando em virtude de desmatamentos irresponsáveis ao longo de suas margens. Ao mesmo tempo, inúmeras drenagens ilegais de água são feitas por todo seu leito, sem outorga, sem licença ambiental, fazendo com que o número teórico do volume de água disponível esteja absolutamente em desacordo com a realidade.

Qual a conseqüência disso, Sr. Presidente? São duas as possibilidades: ou o rio não poderá ceder toda a água que se pretende retirar dele - e nesse caso de pouco haverá servido toda a dinheirama gasta nas obras de transposição - ou será retirado um volume maior que aquele suportado pelo rio - e aí a população atendida tradicionalmente sofrerá as agruras da carência de água, com uma conseqüência periclitante para todo o Nordeste - a diminuição do nível dos reservatórios nas usinas geradoras de energia hidroelétrica.

Sem água nas usinas de Paulo Afonso, Xingó e tantas outras, a Chesf não poderá gerar a energia necessária para suprir a demanda da região. Aliás, diga-se de passagem que as curvas de demanda e oferta de energia na região já devem cruzar-se antes de 2010, gerando um crônico problema de gestão energética, ainda mais grave numa situação de carência de água.

Mas os técnicos que defendem a transposição repousam suas crenças em anos recentes, sob o impacto do El Niño, em que os reservatórios têm sangrado, para provar que não haveria problemas de geração de energia. Ocorre que igualmente têm sangrado reservatórios como o de Sobradinho, para onde a água do São Francisco em tese seria levada. Ora, se o eventual receptor da água também está sangrando, com excesso volumétrico, para que então a transposição? É evidente que temos que trabalhar com cenários pessimistas no que se refere à quantidade de chuvas na região.

Na verdade, Srªs. e Srs. Senadores, o que ocorre é uma visão deturpada do problema. Imaginemos que tudo corra bem: há água suficiente, as usinas hidroelétricas têm como gerar bastante energia sem preocupações, as barragens estão todas cheias. Ainda assim, o agricultor que passa sede e que perde sua colheita ou seu gado passará dificuldades. Isso porque o pequeno agricultor não tem acesso à água e é esse o nó górdio do problema.

O grande agricultor possui poços artesianos, outorga oficial de uso de água, tem condições de comprar caminhões de água. É o pequeno agricultor que mais sofre com a seca e ele não será ajudado pelo atual projeto, simplesmente porque ele se resume a levar água para os reservatórios que já existem! Não está prevista uma política de disseminação e democratização do acesso à água.

Então eu vislumbro um cenário onde a água do São Francisco será drenada, fazendo-o minguar em sua força e beleza, sem que efetivos benefícios possam ser auferidos dessa iniciativa, a não ser, é claro, aqueles que interessam às empreiteiras, que estão ansiosas pelo bilhão de dólares que receberão pelo trabalho.

E quando faço referência à beleza do São Francisco, não estou assumindo uma postura retrógrada, de quem dá as costas para o progresso a fim de manter o bucólico estado natural das paisagens. Não é isso. Falo mesmo em desenvolvimento e no potencial turístico que poderia ser explorado em um rio das dimensões e importância do São Francisco.

Observo, por exemplo, o trecho mineiro do rio que vai de São Romão até o município de Manga. Que belas são as quedas d´água, gerando um afluxo natural de turistas mesmo sem o devido investimento em infra-estrutura. A cachoeira de São Romão é certamente a mais bela de todas. Depois de viajar horas pela paisagem árida do cerrado é difícil acreditar no que os olhos vêem. A água, que desce formando uma cortina branca de mais de 20 metros, deságua num imenso lago de água temperada e limpa.

Quantos lugares maravilhosos como esse que descrevo, Sr. Presidente, existem ao longo do São Francisco? E quantos deles serão prejudicados por terem diminuído o afluxo de água e conseqüentemente a beleza de suas cascatas, por terem obras em concreto armado criando canais de transposição e interferindo na paisagem natural! Assim, fica realmente difícil vender o potencial turístico brasileiro, quando somos nós mesmos que deixamos que ele se deteriore.

Com todo o respeito que tenho à figura do Sr. Ministro da Integração Nacional, sou obrigado a vir a público mostrar que suas pretensões, por mais honestas que sejam, não solucionarão nem os problemas do seu Estado - embora seja o maior beneficiado, recebendo 22 metros cúbicos de água por segundo de um total de 27 drenados - nem do Nordeste como um todo, que continuará com lavouras esturricadas, gado magro e gente sofrida emigrando.

Se alguma mudança houver, talvez seja no impacto político que tal iniciativa pode vir a ter e, especialmente, no aumento da frustração daqueles que, como eu, mostram a inviabilidade de tal obra.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/04/2005 - Página 8494