Discurso durante a 33ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem de pesar pelo falecimento de Sua Santidade o Papa João Paulo II.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem de pesar pelo falecimento de Sua Santidade o Papa João Paulo II.
Aparteantes
Demóstenes Torres.
Publicação
Publicação no DSF de 06/04/2005 - Página 7410
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, JOÃO PAULO II, PAPA, IGREJA CATOLICA, ELOGIO, ATUAÇÃO, DEFESA, PAZ, JUSTIÇA SOCIAL, LIDERANÇA, AMBITO INTERNACIONAL.
  • LEITURA, TRECHO, DISCURSO, PAPA, EPOCA, VISITA, BRASIL, DEFESA, DEMOCRACIA, REFORMA AGRARIA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Para encaminhar a votação. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como Senador por São Paulo e pelo PT, solidarizo-me com as palavras do Senador Pedro Simon, que ontem aqui se pronunciou, do Senador José Sarney e de tantos outros Senadores que têm prestado homenagem a Sua Santidade o Papa João Paulo II.

João Paulo II foi uma das pessoas que mais contribuiu para que se compreendesse que a verdadeira paz no mundo só poderia ser alcançada na medida em que, dentro de cada Nação e entre as Nações, houvesse verdadeiramente a realização da justiça.

Ao lado de Leon Tolstoi, Mahatma Gandhi e Martin Luther King Junior, João Paulo II foi um dos maiores propugnadores para que as transformações do mundo se dessem por meio da não-violência. Quando, por exemplo, os governos dos Estados Unidos e de outros países estavam para iniciar a guerra no Iraque para derrubar o regime de Saddam Hussein, João Paulo II condenou aquela ação, qualificando a guerra de imoral e ilegal.

Nas suas três visitas ao Brasil - em 1980, 1991 e 1997 -, ele se pronunciou em favor da justiça social, destacando sempre o quanto era importante a realização, com urgência, da reforma agrária em nosso País. Assim, em sua homilia na missa dos camponeses, em Recife, em 7 de julho de 1980, ele disse:

[...] A terra é dom de Deus, dom que Ele faz a todos os seres humanos. Homens e mulheres, que Ele quer reunidos em uma só família e relacionados uns com os outros em espírito fraterno. Não é lícito, portanto, porque não é segundo o desígnio de Deus, gerir este dom de modo tal que os seus benefícios aproveitem só a alguns poucos, ficando outros, a imensa maioria, excluídos. Mais grave ainda é o desequilíbrio, e mais gritante a injustiça a ele inerente, quando esta imensa maioria se vê condenada por isso mesmo a uma situação de carência, de pobreza e de marginalização...

Não basta efetivamente dispor de terras em abundância como sucede aqui no vosso querido Brasil. É preciso uma legislação justa em matéria agrária para poder dizer que temos uma sociedade a corresponder à vontade de Deus quanto à terra e às exigências da dignidade da pessoa humana, de todas as pessoas humanas que a habitam. É preciso que a legislação seja atuada eficazmente e sirva ao bem de todos os homens e não apenas a interesses de minorias ou individuais.

Tenho a certeza, Senador Alvaro Dias, de que, como Presidente da Comissão que examina o problema da terra, V. Exª está agindo de maneira a seguir os princípios tão bem expostos por João Paulo II, quando dizia sobre o Brasil:

Também aqui à abundância de terras e a uma legislação adequada há de juntar-se, mais do que boa vontade, uma sincera conversão do homem ao homem e na sua plenitude e transcendência.

Dom Erwin, o bispo que celebrou a missa em Anapu em homenagem à Irmã Dorothy Stang e esteve aqui depondo perante a CPMI da Terra, mencionou que, quando aqui esteve com João Paulo II, o Papa primeiramente perguntou como estava o andamento da reforma agrária no Brasil.

Sua Santidade o Papa João Paulo II também defendeu veementemente a liberdade de expressão, a liberdade de credo e de fé religiosa, propondo o diálogo e a convivência entre as religiões e os povos. Também foi um dos promotores de um diálogo promissor para a construção da paz entre Israel e a Palestina.

Quando visitou o Brasil em 1981, ainda vivíamos sob um regime militar, estando na presidência o General João Baptista Figueiredo. Na véspera da missa, realizada no Campo de Marte, na cidade de São Paulo, em agosto de 1980, o então presidente da Comissão de Justiça e Paz, Professor Dalmo Dallari, foi seqüestrado e levado para um terreno onde estava sendo construída a Avenida Juscelino Kubitschek, onde foi abandonado depois de fortemente agredido. Embora muito machucado por pessoas que o agrediram justamente porque ele iria ler a homilia na celebração da missa pelo Papa, aonde chegou de cadeira de rodas, o Professor Dallari fez questão de estar presente e, de pé, leu a homilia naquela missa e pôde conversar com o Papa João Paulo II.

Para poder chegar ao local onde leu a homilia, contou com o apoio do então deputado Flávio Bierrenbach, de José Gregori e de seu irmão, Adilson Dallari, uma vez que o comandante responsável pela segurança do evento havia criado dificuldades para seu acesso.

Houve algumas ações do Papa João Paulo II que preocuparam segmentos mais progressistas da humanidade. Uma delas foi a visita ao Chile durante a ditadura do General Pinochet que, embora tão repressora dos direitos à cidadania, tinha o apoio do clero conservador católico chileno. Mesmo lá, ele também soube defender as liberdades democráticas. Outra ação foi aquela que levou ao cerceamento da palavra por longo tempo de um dos principais representantes da Teologia da Libertação, Leonardo Boff, que acabou deixando sua condição de frei da Ordem Religiosa Franciscana, porém sem nunca ter deixado de ser um verdadeiro cristão. Sobre esse tema, entretanto, também João Paulo II deu demonstração de como ser construtivo, como o demonstram suas palavras em Carta à CNBB sobre a missão da Igreja e a Teologia da Libertação:

(...) Estamos convencidos - disse João Paulo II -, nós e os senhores, de que a Teologia da Libertação é não só oportuna, mas útil e necessária... Penso que, nesse campo, a Igreja no Brasil pode desempenhar um papel importante e delicado ao mesmo tempo: o de criar espaço e condições para que se desenvolva (...) uma reflexão teológica plenamente aderente ao constante ensinamento da Igreja em matéria social e, ao mesmo tempo, apta a inspirar uma práxis eficaz em favor da justiça social e da eqüidade, da salvaguarda dos direitos humanos, da construção de uma sociedade humana baseada na fraternidade e na concórdia, na verdade e na caridade.

João Paulo II contribuiu muito para que houvesse a transformação dos regimes do Leste Europeu, em especial da União Soviética e da Polônia, dentre outros, e, inclusive, a queda do Muro de Berlim. Embora crítico do regime comunista por causa de seus aspectos cerceadores da liberdade política e religiosa, também se destacou por seu diálogo respeitoso com chefes de Estado de regimes socialistas. Exemplo maior disso foi a visita a Cuba, onde foi tão bem recebido pelo povo e pelo seu Presidente Fidel Castro. Na ocasião, o Papa João Paulo II novamente proclamou o direito à liberdade de credo, mas também fez uma solicitação aos Estados Unidos da América para que Cuba ficasse livre dos embargos.

Como poucas pessoas na história da humanidade, João Paulo II soube seguir as recomendações de Jesus para ser como o bom sal da terra, de ser uma luz por suas palavras e ações, tornando-se fonte de inspiração e exemplo para todas as pessoas.

Quero destacar também que João Paulo II soube, com um espírito realmente cristão, falar dos erros da Igreja ao longo da história: Nunca houve um papa que fizesse tantos pedidos de perdão: aos negros pelo apoio da Igreja ao tráfico de escravos da África para as Américas, aos indígenas pelas atrocidades cometidas contra eles em nome da evangelização, aos povos atingidos pelas guerras religiosas, particularmente as Cruzadas da Idade Média, e a todos os que foram supliciados e sacrificados pela Inquisição.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/04/2005 - Página 7410