Discurso durante a 39ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre a morte do Papa João Paulo II.

Autor
Marco Maciel (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Reflexão sobre a morte do Papa João Paulo II.
Publicação
Publicação no DSF de 14/04/2005 - Página 9094
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, JOÃO PAULO II, PAPA, ELOGIO, VIDA, LUTA, PAZ, MUNDO.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nunca um sepultamento de Chefe de Estado - o Papa, além de líder espiritual da Igreja Católica Apostólica Romana, é Chefe de Estado - teve o comparecimento de tantos Chefes de Governo e de Estado, sem contar o afluxo para Roma de pessoas de todos os continentes, o que levou um funcionário da prefeitura da cidade a dizer que assumia “proporções bíblicas” o número de assistentes do funeral de João Paulo II. Os jornais registram que a carga de emoção não foi menor, traduzida nas filas intermináveis para visitação do corpo e, depois, em um extraordinário espetáculo em que a multidão parecia exigir a rápida canonização de João Paulo II.

Isso pode ser paradoxal, pois, como sabemos, o Papa não dispõe de poder econômico - ao contrário: João Paulo II teve uma vida com total despojamento de bens materiais. Além disso, não possui o Estado do Vaticano - talvez o menor do mundo - força militar.

A esse propósito, conviria lembrar o que disse Stalin durante a reunião de Yalta, em pleno fragor da Segunda Grande Guerra Mundial, quando se sugeriu que o Papa se juntasse aos quatro grandes. Stalin fulminou o convite com a pergunta: “Quantas divisões tem o Papa?” Com isso, queria dizer Stalin que, como não dispunha de força militar, de nada adiantaria a presença do Papa.

Por que, então, tanta repercussão pelo passamento e morte do Sumo Pontífice? Não há outra resposta senão dizer: Porque ele pregava mensagens reveladas há mais de dois mil anos, quando o Eterno entrou no tempo através do rosto de Jesus.

Ele fazia ecoar verdades num mundo que vive séria crise de valores, num mundo que, certamente, vive uma fase de mediocridade e uma agenda internacional que se caracteriza por apelos à guerra e a pregação de propostas de conteúdo meramente material e econômico. Parece que foram esquecidos os valores necessários para constituir uma sociedade internacional que seja sinônimo de paz, justiça e liberdade.

Daí por que, Sr. Presidente, a morte do Papa ofereceu para a humanidade um testemunho em defesa da paz, do entendimento entre os povos e pela busca de uma sociedade mais justa. Não foi por outra razão que o jornal Zero Hora, no seu editorial do dia 9 de abril, registrou:

O espetáculo de conciliação política e ecumenismo em que se transformou o funeral de João Paulo II, colocando lado a lado líderes que se opõem abertamente em suas políticas externas, mostrou o quanto o mundo poderia avançar se essa predisposição transcendesse a mera formalidade. (...) O espírito de comunhão visto no funeral do Papa, portanto, deveria se ampliar em favor da humanidade.

Sr. Presidente, eu gostaria de dizer uma rápida palavra sobre algo que não deixou de ser um exemplo para o mundo, que foi o testamento espiritual de João Paulo II.

Em primeiro lugar, ressalto a declaração de que não dispunha de nenhum bem material, o que prova o seu despojamento e sua entrega total à missão a que se dedicou, de Chefe da Igreja Católica Apostólica Romana.

Disse ele em seu testemunho: “Não deixo para trás nenhuma propriedade que precise de destinação. Quanto aos itens de uso diário que utilizei” - como terço, caneta -, “peço que sejam distribuídos como possa parecer oportuno”.

Ademais, fez questão de deixar escrito que fosse sepultado na terra, isto é, não numa tumba, porque, como diz o Gênesis, o homem é pó e volta à condição de pó. Nesse aspecto ele seguiu Paulo VI: “(...) Quanto ao funeral, repito a mesma disposição dada pelo Santo Padre Paulo VI” - sepultamento na terra, não numa tumba.

Verificamos do testemunho dado por João Paulo II que ele, em nenhum momento, deixou vaga a cadeira petrina. Talvez o exemplo mais significativo - e talvez pouco observado pela imprensa - tenha sido dado quando ele se recusou a se internar. No hospital Sabemos que hoje, com os modernos instrumentais da medicina, é possível prolongar a vida - vegetativa muitas vezes - por longo período. O Papa poderia ter optado, atendendo conselho médico, por se recolher no hospital e, certamente, sua vida poderia se prolongar por dias e, quem sabe, meses. No entanto, ele disse que preferia continuar a fazer o tratamento sem sair da sede pontifícia. E isso, ninguém pode deixar de reconhecer, fez antecipar o seu desaparecimento. Enfim, ele lembrou o que disse Simeão quando viu a face do Cristo: poderia se despedir, porque já havia cumprido a sua missão. Certamente esse seja um depoimento que não possa deixar de ser ressaltado, porque mostra que a entrega que ele fez de sua vida em favor de uma causa foi coerente com a sua morte.

A propósito, eu gostaria de citar a lúcida observação de Carlos Heitor Cony, na Folha de S.Paulo, do último dia 9:

É clara a alusão ao exemplo que o Papa lembrava, as palavras de Simeão, quando pôs nos braços o menino que nascera numa estrebaria de Belém: deu graças ao Senhor e disse que poderia “ir”. Simeão não era Papa e nada tenha a renunciar senão à vida. Considerava-se pronto para ir.

Se o seu desaparecimento causa tristeza, não nos traz luto. Há silêncio, porém não há solidão, porque a graça da fé preenche o vazio, e sabemos que, com a consumação de sua vida, ele foi acolhido nos braços do Criador.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/04/2005 - Página 9094