Discurso durante a 40ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões sobre o "Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária.

Autor
Fátima Cleide (PT - Partido dos Trabalhadores/RO)
Nome completo: Fátima Cleide Rodrigues da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • Reflexões sobre o "Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária.
Publicação
Publicação no DSF de 15/04/2005 - Página 9334
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, DIA NACIONAL, LUTA, REFORMA AGRARIA, LEITURA, TRECHO, TEXTO, AUTORIA, FAZENDEIRO, MUNICIPIO, SÃO GABRIEL (RS), ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), INCITAMENTO, VIOLENCIA, COMBATE, SEM-TERRA.
  • ANALISE, HISTORIA, GRAVIDADE, CONFLITO, CAMPO, UTILIZAÇÃO, VIOLENCIA, DEFESA, LATIFUNDIO, PROTESTO, IMPUNIDADE, MORTE, TRABALHADOR RURAL, ATRASO, BRASIL, CONTINUAÇÃO, CONCENTRAÇÃO, TERRAS, REGISTRO, DADOS, HOMENAGEM, VITIMA, CONCLAMAÇÃO, APOIO, REFORMA AGRARIA.

A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, inicio minhas palavras para lembrar o Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária divulgando trecho de panfleto fascista distribuído em junho de 2003 no município de São Gabriel, no Rio Grande do Sul, quando trabalhadores sem-terra ali estavam em mais uma mobilização para mostrar à sociedade que a Reforma Agrária é o caminho mais importante para combater o desemprego e virar a página da injustiça social no Brasil.

Eis o que dizia o panfleto, atribuído a fazendeiros da região por todos que à época acompanhavam o desenrolar do ato de desapropriação da improdutiva Fazenda Southall, localizada em São Gabriel, desapropriação frustrada por obra do Supremo Tribunal Federal:

"Povo de São Gabriel, não permita que sua cidade tão bem conservada seja maculada pelos pés deformados e sujos da escória humana. Estes ratos precisam ser exterminados. Se tu, gabrielense amigo, possuis um avião agrícola, pulveriza à noite 100 litros de gasolina em vôo rasante sobre o acampamento de lona dos ratos; sempre haverá uma vela acesa para terminar o serviço e liquidar com todos eles. Se tu, gabrielense amigo, possuis uma arma de caça calibre 22 atira de dentro do carro contra o acampamento, o mais longe possível. A bala atinge o alvo mesmo a 1.200 metros de distância."

Srªs e Srs. Senadores, pelo trágico histórico de conflitos no campo, em que o latifúndio se revela implacável no modo de atuar para manter a concentração de terras, o ódio destilado de repulsiva peça literária fascista não surpreende.

Não surpreende quem, dentre todos nós, melhor conhece o Brasil. Não me surpreende. Acompanhei de perto o caso Corumbiara, em Rondônia.

Todo o enredo que acabou por fulminar nove assentados, dentre eles a pequena Vanessa, então com 9 anos, e dois policiais militares, aponta para a força econômica do latifúndio como a promotora da infeliz ação desencadeada pela Polícia Militar, com aval da Justiça.

Este enredo, como centenas de outros contabilizados pela Comissão Pastoral da Terra desde a década de 70, acabou na impunidade. Atingiu soldados obedientes e ninguém mais.

Na época, trabalhadores já rendidos pela PM foram obrigados a comer cérebro humano de colegas assassinados. Foram torturados. Vivem com as seqüelas da brutalidade daquele agosto que completa agora 10 anos.

O sangue jorrado pelos campos do Brasil afora é sempre do trabalhador rural, da liderança perseverante à semelhança de Chico Mendes e da irmã Dorothy Stang.

O conservadorismo e a arrogância da elite dominante não interessam ao País, Srªs e Srs. Senadores. Trazem apenas o atraso econômico, a exclusão social crescente, o agudo e profundo desapontamento com as instituições.

Neste dia em que se homenageia os mártires de Eldorado de Carajás, e em sua memória foi instituído no dia 17 próximo o Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária, proposta pela então Senadora Marina Silva, o espírito mobilizador de todos nós deve ser o de amparo incondicional à Reforma Agrária.

Não podemos perder mais esta oportunidade histórica. O Brasil é um campeão de concentração de terras. Cerca de 25 mil latifundiários detém cerca de 50% das terras agriculturáveis (quase 200 milhões de hectares) o que significa cerca de 25% de todo território nacional.

Juntando tanta terra na mão de poucos e vastas extensões improdutivas, montou-se o cenário próprio para atear fogo ao campo. É preciso dar um basta nos números que amargam a consciência nacional e ceifam a vida de trabalhadores que apenas querem produzir.

Em 2003, conforme o levantamento anual de assassinatos no campo feito pela Comissão Pastoral da Terra, CPT, ocorreram 73 mortes de lideranças e posseiros. É um número maior do que 2002, com 43 mortes, por sua vez superior a 2001, com 29 assassinatos.

Em Rondônia, meu Estado, onde esta semana a CPMI da Terra faz audiência pública, foram registrados oito assassinatos, o dobro de 2002, de acordo ainda com a CPT.

Os atos de violência que cercam as famílias de trabalhadores rurais também assombram. A violência contra a ocupação e a posse, item também diagnosticado anualmente pela CPT, aponta que em 2003, último ano disponível do levantamento, ocorreram em todo o País 1.335 conflitos agrários, envolvendo 225.441 famílias.

Foram expulsas 2.907 famílias, e despejadas 35.292. As famílias ameaçadas de despejo chegaram a 35.352.

Em Rondônia, neste mesmo ano de 2003, ocorreram 34 conflitos, com 7.241 famílias envolvidas. Destas, foram expulsas da terra 142, e despejadas outras 1.720 famílias. As que foram ameaçadas de despejo somaram 888.

Conforme já registrei, nosso espírito mobilizador deve ser o amparo incondicional à Reforma Agrária para reverter a estupidez da concentração da propriedade rural, a brutal realidade dos explosivos conflitos agrários, quadro que contamina as cidades com crescentes índices de pobreza e desagregação social.

Para isso, a tarefa de cada um tem de ser exemplar, diuturnamente, incansavelmente exemplar. A Justiça não pode dar às costas à celeridade necessária que se exige aos processos de desapropriação, aos julgamentos de criminosos a serviço do latifúndio, que matam impunemente noite e dia.

O governo federal, por meio do Ministério da Reforma e Desenvolvimento Agrário, precisa acelerar as vistorias e desapropriações em latifúndios para promover os assentamentos que tem em meta, na totalidade de 400 mil famílias em três anos. As dificuldades estruturais do Estado têm de ser superadas, sem as burocracias que emperram as atividades do Incra.

Mas advirto que a Reforma Agrária não é tarefa de um só Ministério - precisa do apoio e engajamento de todo o Governo.

Os organismos de segurança pública dos Estados, por sua vez, precisam cuidar de vidas e não de propriedades. Quantas denúncias dos ameaçados e oprimidos no campo, quantos pedidos de socorro têm sido ignorados pelos homens da lei?

É possível admitir que se ignore uma súplica de proteção à vida em detrimento da tentativa de recuperação de um Mercedes do ano, roubado de um figurão, para isso priorizando a única viatura e o único policial de plantão? Não é possível, não é.

Contra isso, nós, parlamentares, devemos nos indignar. Sempre. Devemos estar incondicionalmente ao lado dos que necessitam de terra para construir sua vida, para criar filhos, para produzir e gerar riqueza interna para todos os brasileiros.

Apoiar os movimentos sociais que há muito lutam pela Reforma Agrária, patrocinar legislação que facilite o processo e estimular a estrutura do Estado e do Judiciário a desencadearem um pacto incondicional pela celeridade na Reforma Agrária é nosso papel.

Neste Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária, deixo minha homenagem aos incontáveis mártires do campo, solidariedade a seus entes queridos e minha absoluta recriminação e desaprovação aos que propagandeiam idéias fascistas com o intuito de intimidar os movimentos sociais e colocar a sociedade brasileira contra a Reforma Agrária.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/04/2005 - Página 9334