Discurso durante a 41ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Parabeniza o empenho do Ministério da Saúde e do governo federal na criação do Comitê Nacional de Bioética para as Ciências da Vida.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • Parabeniza o empenho do Ministério da Saúde e do governo federal na criação do Comitê Nacional de Bioética para as Ciências da Vida.
Publicação
Publicação no DSF de 19/04/2005 - Página 9427
Assunto
Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • DETALHAMENTO, IMPORTANCIA, OBJETIVO, FUNCIONAMENTO, COMITE NACIONAL, BIOTECNOLOGIA, ETICA, CIENCIAS, VIDA, INICIATIVA, MINISTERIO DA SAUDE (MS), NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, URGENCIA, ENCAMINHAMENTO, PROJETO DE LEI, CONGRESSO NACIONAL.

  SENADO FEDERAL SF -

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O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Nobre Senador e Presidente Paulo Paim, Srªs e Srs. Senadores, trago para reflexão do Senado Federal uma matéria que é conseqüência da responsabilidade que deve ter o Governo Federal em apresentar um projeto de lei - implicaria vício de iniciativa por parte do Parlamento o Senado Federal apresentar projeto relativo a matéria cuja atribuição seja do Poder Executivo. Diz respeito à votação que realizamos, no dia 06 de outubro de 2004, sobre a Lei de Biossegurança.

Naquele momento, havia uma grande expectativa e uma reflexão de todo o Senado acerca das dificuldades que a matéria apresentava para o discernimento, para a discussão de mérito e para um detalhamento que levasse a uma votação com conteúdo, com a devida representatividade e que compreendesse todo o pluralismo e as contradições da sociedade. Então, urgia, naquele momento, a reflexão, inclusive em debates com cientistas, de que tínhamos o dever de criar um Comitê Nacional de Bioética para as Ciências da Vida, seguindo exemplos de criação e desenvolvimento dessa tese por parte de países europeus, como Portugal e França, que, em vez de se limitarem a deixar seus Parlamentos tomando decisões tão difíceis, tão técnicas, tão específicas, resolveram criar instâncias auxiliares para essa discussão, que, em alguns momentos, é de âmbito nacional e impõe uma decisão muito difícil de ser tomada por parte dos Parlamentos. Por essa razão, houve um debate mais intenso e a cobrança para que o Governo Federal apresentasse um projeto de lei estabelecendo normas para a criação de um Comitê Nacional de Bioética para as Ciências da Vida.

Fiz um levantamento, à época, de como estava essa discussão, e pude observar que o Ministério da Saúde já estava há algum tempo estabelecendo orientações para que fosse apresentada ao Executivo brasileiro, por solicitação da Casa Civil da Presidência da República, a definição de um Comitê Nacional de Bioética para as Ciências da Vida ou algo afim.

No que tange à legislação e à estruturação burocrática relativa a matérias dessa natureza, o Brasil possui a Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa), criada pela Resolução nº 196, de 1996, com constituição designada pela Resolução nº 246, de 1997. Essa comissão tem como suporte os chamados Comitês de Ética em Pesquisa, que são instâncias menores, em nível estadual, vinculadas a atividades de pesquisas com células humanas ou com seres humanos, ou que envolvam de alguma forma os seres humanos.

Os Comitês de Ética em Pesquisa têm, na verdade, a função de revisar todos os protocolos de pesquisa apresentados no Brasil envolvendo seres humanos, cabendo-lhes responsabilidade primária pelas decisões sobre a ética da pesquisa a ser desenvolvida na instituição, de modo a garantir e resguardar a integridade e os direitos dos voluntários participantes das referidas pesquisas. Possuem também papel consultivo e educativo, fomentando a reflexão em torno da ética na ciência, bem como a atribuição de receber denúncias e requerer sua apuração.

Já a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa normatiza, estabelece a legalidade e assegura a permissão para o desenvolvimento das pesquisas fins, que são apresentadas primeiramente às CEPs e, depois, chegam à Conep.

Ou seja, criou-se um arcabouço, envolvendo o debate sobre pesquisas que envolvam seres humanos ou afins, para que pudéssemos amparar os pesquisadores e a ciência brasileira no desenvolvimento das suas investigações e na busca de tecnologia que possa servir, de fato, à sociedade. Isso gerou uma série de benefícios e facilidades para as instituições, estabeleceu um perfil crítico muito mais elevado e consolidou uma expectativa de desenvolvimento tecnológico muito mais objetivo, com um foco muito mais definido no campo das ciências.

O Conselho Nacional de Bioética - órgão de instância intermediária que deverá ser apresentado como projeto do Executivo - destina-se a analisar os projetos de pesquisa com seres humanos, exercendo funções nitidamente diferentes da Conep, porque se trata de um órgão consultivo da Presidência da República, envolvendo setores da sociedade, tendo como finalidade, após ampla reflexão e profunda discussão sobre os temas, levar à Presidência um parecer sobre determinada matéria.

Recentemente tivemos experiência semelhante envolvendo as células-tronco, bem como uma decisão, tomada no Congresso brasileiro, envolvendo organismos geneticamente modificados, os chamados transgênicos.

O Ministério da Saúde, tentando enriquecer o debate, criou um grupo de trabalho - atendendo a uma reivindicação da Casa Civil - visando obter um entendimento sobre qual seria a melhor maneira de apresentar um projeto de lei que redundasse em benefício direto à comunidade científica brasileira e, ao mesmo tempo, considerando o pluralismo de um Estado laico, consolidasse uma legislação, por meio de um debate mais profundo e menos limitado quanto ao mérito.

O documento elaborado por esse grupo de trabalho, criado e defendido pelo Ministro da Saúde Humberto Costa, envolvendo diversos Ministérios do Governo Lula, diz o seguinte:

Os modelos construídos por ouros países para as comissões nacionais de Bioética - basicamente os modelos francês, português, norte-americano, canadense e italiano - serviram como referência para a contextualização e início da construção de um modelo que fosse adequado à realidade brasileira. A partir dessa avaliação, concluiu-se pela necessidade de criação de um órgão à semelhança da maioria dos conselhos de outros países, que foram criados como órgãos de Estado e instituídos por lei.

Decidiu-se, então, pela criação de um órgão consultivo de assessoramento ao Presidente da República, sem personalidade jurídica própria, mas com autonomia relativa para que disponha de uma dotação orçamentária, independentemente de programas de governo, com membros indicados pela sociedade civil e nomeados pelo poder público. (...) Necessariamente, esse órgão possui atribuições que não apresentam sobreposição com outros ou instâncias consultivas ou deliberativas já existentes no País”, a exemplo da Conep e dos Comitês de Ética em Pesquisa.

O documento do Ministério da Saúde reza:

Em linhas gerais, o Conselho consiste em uma instância de referência para análise e discussão de temas da Bioética. Apesar de não ter ação normativa nem formuladora de políticas, tem como atribuição atuar como um balizador moral, ao dar visibilidade e enunciar corretamente questões de difícil compreensão tanto para a sociedade como para os governantes e o País, revelando toda a complexidade de seus efeitos e implicações.

Quanto à matéria da Bioética, das células-tronco, eu sempre me perguntava quem estava com o discernimento adequado no Parlamento para entender o que são células pluripotenciais, células totipotenciais, instant T-cel. Há completa obscuridade quando o tema é muito específico, e, necessariamente, diante de tais fatos, vamos precisar de apoio consultivo, de apoio especializado, que esteja muito bem representado pela sociedade.

De acordo com o documento, “por se tratar de um conceito em evolução, é prudente que não conste da lei para que, futuramente, não limite a atuação do Conselho”. Ou seja, temas que possam implicar responsabilidades permanentes do Conselho devem ser tratados com a devida cautela, e o Conselho deve servir como uma instância de fato consultiva do Governo.

Continua o documento: “Para que seu significado possa ser apreendido em toda a sua acepção, algumas considerações devem ser tecidas a respeito de conceitos como ‘direitos humanos’, ‘dignidade da pessoa humana’ e ‘autonomia’”.

Faz parte do documento: “A limitação das possibilidades de consulta ao Conselho foi uma estratégia utilizada para garantir e orientar a atuação desse órgão, reservando à sua análise apenas as questões de relevância nacional”.

Reza ainda o documento:

O Conselho deve ter uma composição que observe a multidisciplinariedade, a diversidade de gênero e etnia. Na busca da garantia do equilíbrio entre as diversas áreas do conhecimento, considerando-se como foco o desenvolvimento científico e tecnológico, os assentos foram divididos entre os saberes. A composição de 21 membros foi considerada a mais recomendável, com base nas experiências internacionais, pois garante a representatividade e permite a formação de maiorias significativas para a tomada de decisão por parte do conjunto de conselheiros.

O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS.) - V. Exª tem mais cinco minutos, Senador Tião Viana.

O SR TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Agradeço a V. Exª.

Fica registrado que o Governo tomou a iniciativa de ter um guia em relação a uma matéria tão relevante, uma ouvidoria efetiva que aconselhe o Presidente da República ao encaminhar projetos de lei envolvendo o tema. Talvez isso implique que possamos nos libertar de medidas provisórias quando o tema for tratado nos moldes propostos por esse grupo de trabalho criado no Ministério da Saúde. E, na tramitação de projetos de lei, que tenhamos a devida cautela de entender as complexidades, as contradições e a profundidade de certos temas. Poderemos, com isso, nos aproximar mais da sociedade brasileira. Há posições fortes da Igreja Católica e das demais igrejas. Há posições de ordem jurídica, política, filosófica, científica e conceitual. No entanto, sem a cautela de ouvir e de depurar melhor determinados temas, já são apresentados projetos de lei, medidas provisórias ou manifestações individuais que põem em risco a responsabilidade para com o futuro de uma Nação.

Estamos no limiar do desenvolvimento tecnológico. O século XXI se apresenta como o grande portal da revolução da informação, da revolução tecnológica, que se avizinha cada vez mais. Estamos na era da nanotecnologia. Resta-nos o princípio da cautela, e, para sua observância, pode ser fator determinante a criação desse Comitê Nacional de Bioética para as Ciências da Vida, como prefiro chamar, e não Conselho Nacional de Bioética.

Somente apelo ao Governo do Presidente Lula, que apóio e no qual acredito, que envie com brevidade o referido projeto de lei para tramitação no Congresso Nacional. Este, por sua vez, deverá estar aberto às devidas considerações, com o cuidado de aprovar um projeto que contemple a sociedade em toda a sua pluralidade, como deve ocorrer em um Estado laico como o Estado brasileiro.

É a ponderação que faço com relação à consideração afirmativa das ações tomadas pelo Governo até o momento.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/04/2005 - Página 9427