Discurso durante a 43ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração do quadragésimo quinto aniversário de Brasília.

Autor
Demóstenes Torres (PFL - Partido da Frente Liberal/GO)
Nome completo: Demóstenes Lazaro Xavier Torres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração do quadragésimo quinto aniversário de Brasília.
Publicação
Publicação no DSF de 21/04/2005 - Página 9920
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, JOAQUIM RORIZ, GOVERNADOR, DISTRITO FEDERAL (DF), REALIZAÇÃO, OBRA PUBLICA, CAPITAL FEDERAL.
  • HOMENAGEM POSTUMA, LUCIO COSTA, ARQUITETO, ELOGIO, VIDA, PARTICIPAÇÃO, PROJETO, CONSTRUÇÃO, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF).
  • ELOGIO, OBRA MUSICAL, COMPOSITOR, HOMENAGEM, CAPITAL FEDERAL.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente desta sessão, Senador Paulo Octávio, um dos homens mais ilustres do Distrito Federal, que sempre, todo ano, vem buscando homenagear a sua cidade, aquela que adotou para morar, para viver e para ajudar a construir, saudando V. Exª, saúdo os demais Senadores do Distrito Federal, Cristovam Buarque e Valmir Amaral.

Quero saudar também os Senadores que compõem a Bancada de Goiás, Senador Maguito Vilela e Senadora Lúcia Vânia.

Quero saudar ainda o Senador Eduardo Azeredo e estendo a saudação à Senadora Heloísa Helena e ao Senador Mão Santa, que também prestigiam esta sessão.

Saúdo a Srª Anna Christina e, saudando-a, cumprimento todos os familiares do grande Presidente JK.

Quero saudar o nosso querido Deputado Wigberto Tartuce e todos os Parlamentares aqui presentes.

Saúdo também o nosso querido Prefeito José Valdécio, estendendo a homenagem aos demais Prefeitos, Vice-Prefeitos e Vereadores que aqui se encontram.

Deixei, propositadamente, para saudar por último o Governador Joaquim Roriz, que, hoje, pode ser considerado, tranqüilamente, o novo JK de Brasília; foi e é quem está ajudando a edificar uma nova cidade.

Até compreendo que muitas pessoas não gostem do nosso querido Joaquim Roriz, mas é preciso respeitar o Sr. Governador, porque um homem que tem quatro mandatos e 82% da aprovação da população do Distrito Federal merece respeito. V. Exª tem, da minha parte e da parte do povo de Goiás, onde V. Exª também é líder, todo o respeito. E diria ainda mais: se fosse V. Exª pertencente aos quadros do PFL, certamente estaríamos trabalhando para lançá-lo candidato à Presidência da República.

Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, “...nascida do gesto primário de quem assinala um lugar ou dele toma posse: dois eixos que se cruzam em ângulo reto, o próprio sinal da cruz” - Lúcio Marçal Ferreira Ribeiro de Lima e Costa.

Ele riscou os eixos e localizou as quadras, com a perfeita distribuição dos espaços para o público e o privado. Situou, na separação dos Três Poderes, o marco zero de uma cidade que deveria gerenciar uma democracia continental. Fez a Esplanada dos Ministérios, guardou um pouco da natureza em parques, enfim, inventou a cidade monumento.

Avesso às vaidades, não compareceu à inauguração da sua mais sonhada obra: a capital do Brasil. Naquele 21 de abril de 1960, estava melancólico demais para comemorações. A perda da mulher, ocorrida quatro anos antes em um acidente de carro, era o motivo da ausência.

Mestre da moderna arquitetura brasileira, nasceu em 1902, em Toulon, na França. Estudou no Reino Unido e na Suíça. Pensador do Brasil, tão ousado como silencioso, em 1931 provocou um abalo sísmico na cultura oficial brasileira ao convidar para o Salão Nacional de Belas Artes nomes como Tarsila do Amaral, Lasar Segall, Cícero Dias, Di Cavalcanti, Brecheret, entre outros inconvenientes vanguardistas. Foi ele quem trouxe ao Brasil o famoso arquiteto franco-suíço Le Corbusier.

Em 1960, recebeu o título de professor honoris causa da Universidade de Harvard, e, quatro anos depois, foi para a Itália chefiar a equipe que projetou a recuperação de Firenze, drasticamente atingida por uma enchente. Tinha um orgulho especial: de ter sido escolhido, por concurso público, frisava, o arquiteto encarregado de desenhar Brasília. À época, ele foi até ridicularizado, pois, entre a aristocracia administrativa do Palácio do Catete, Brasília era nome de cozinheira.

Discreto e de gestos breves, tinha horror de quem via no traçado urbano de Brasília a imagem de uma aeronave, e comentava: “Não tem nada de avião. É como se fosse uma borboleta. Jamais foi um avião! Coisa ridícula! Seria inteiramente imbecil fazer uma cidade com a forma de avião”.

Eqüidistante dos modismos e dos rótulos que influenciaram sua época, não era socialista, nem capitalista. Nem religioso, nem ateu, como fazia questão de ressaltar. Ele tinha amor especial pela genuína arquitetura colonial brasileira e da maneira mais simplória possível - talvez como Cláudio Abramo sentia o dever do jornalista - professava uma ética única. Uma vez, perguntado sobre os modelos em que ele se baseou para criar Brasília, foi breve e conciso: “Não me baseei em nada a não ser na minha formação de arquiteto e urbanista”.

Ele poderia ter feito da sua obra fama e fortuna, mas morreu pobre aos 90 anos na sua residência no Leblon com uma aposentadoria de R$1,4 mil por mês. Uma das pessoas que conheci e que tiveram uma convivência bastante próxima com o criador de Brasília foi a cantora Olívia Biyngton. Em certa ocasião, na casa do jornalista Luiz Gravatá, no Rio de Janeiro, ela me disse que ele não dava a mínima para dinheiro e me confidenciou que a casa do criador de Brasília, ao final da sua vida, silenciosamente despencava.

Naturalmente, estou falando de Lúcio Costa, um dos mais honrados brasileiros de todos os tempos. Lúcio Costa preservou o silêncio, mas morreu magoado com o Brasil. Ele se foi, conforme afirmou sua neta, “como uma chama que se apagou”. Eu quis, com essas palavras, dizer do pouco que sei, mas do muito que admiro o criador de Brasília.

Srªs e Srs. Senadores, Brasília é fruto de uma necessidade estratégica de se ocupar o centro do Brasil. Observem que José Bonifácio de Andrade e Silva, durante o Império, já tivera tal percepção enquanto que a primeira Constituição republicana oficializou a localização da nova capital com a demarcação de 14.400 quilômetros quadrados no Planalto Central, conhecido como “Quadrilátero Cruls”.

A construção de Brasília é o corolário de uma iniciativa que remonta a Marcha para o Oeste, do Governo Getúlio Vargas. Goiânia é outro exemplo de capital que se desenvolveu e se viabilizou com a interiorização do Estado brasileiro. Com o advento da Segunda Guerra Mundial, Vargas teve a visão estratégica de ocupar o Brasil Central, até então um ermo empobrecido, abandonado e praticamente desconhecido. Até a vinda da estrada de ferro para Goiás, no começo da década de 1930, o Estado era o mais pobre da Federação e ainda muito parecido com o sertão mergulhado no atraso que o botânico francês Auguste de Saint Hillarie conheceu no começo do século XIX.

Sr. Presidente, eu poderia falar da Brasília monumental, especialmente da cidade que guardo em minhas costas, toda iluminada, de fartos espaços e pouca gente, toda vez que deixo o Senado, lá pela 10 horas da noite. Eu poderia falar da genialidade do doutor Oscar Niemeyer ao conceber espaços livres, como devem ser os homens. Das curvas do concreto, que se converteram em formas sensuais de cimento, areia, ferro e fizeram dela Patrimônio Mundial. Poderia falar das almas que tombaram para construir Brasília e dos agora milhões que se acomodam no entorno da capital. Poderia recobrar a grandiosidade dos anos JK, quando o Brasil tinha muito motivo para ser feliz.

Para homenagear Brasília, vou pedir licença ao tempo para visitar o maestro Antônio Carlos Jobim e o poeta Vinícius de Moraes. Era 1960. Os dois grandes nomes da música popular brasileira vieram, depois de aceitar o convite de JK para compor a Sinfonia do Alvorada, conhecer Brasília e ficaram dez dias compondo no Catetinho. A obra era para ter sido exibida na inauguração da cidade, mas só acabou conhecida do público em 1966 pela TV Excelsior. O piano que Tom se utilizou para compor veio de Goiânia, embora tenha sido a variedade dos cantos dos pássaros daquela paisagem seca de um setembro infinito nos confins de Goiás que tenha lhe trazido as notas da Sinfonia. Já Vinícius de Moraes falava das “antigas solidões sem mágoas” que representavam esses sertões. Não é sem razão que a primeira parte da Sinfonia do Alvorada foi intitulada “O Planalto Deserto”. Ao comentar a obra, Tom escreveu que a música começava “com duas trompas em quinta que evocavam a majestade dos campos sem arestas que há milênios se aquietaram”. De olho no céu do cerrado, na primeira parte da sinfonia, Vinícius declamou: “E o Cruzeiro do Sul resplandecente/ Parecia destinado a ser plantado em terra brasileira...”. De acordo com Tom Jobim, a segunda parte da obra “aborda o homem: seu espírito de conquista, sua violência, sua força, seus desejos e seus sofrimentos para atingir o altiplano”. Desse homem Vinícius falou: “Seu olhar descortinou as grandes extensões sem mágoa no círculo infinito do horizonte. Seu peito encheu-se de ar puro. Sim, ele plantaria no deserto uma cidade muito branca e muito pura”. A terceira parte é a “Chegada dos Candangos”, a quem Vinícius de Moraes chamou de “os homens simples e quietos, com pés de raiz, rostos de couro e mãos de pedra”. Conforme escreveu Tom, a quarta parte da Sinfonia do Alvorada, ao tratar do “Trabalho e da Construção”, retrata que a “sorte está lançada” e “a inexorabilidade da ação é posta em movimento”. No “Cantochão”, quinta e última parte da Sinfonia, o poeta menciona, é claro, “saudade dos lares tão distantes e das mulheres tão ausentes”, para ao final declarar: “Terra-esperança, promessa de um mundo, um mundo de paz e amor (...) Terra-poesia de canções e de perdão/Terra que um dia encontrou seu coração”.

Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/04/2005 - Página 9920