Discurso durante a 44ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa da regulamentação da legislação destinada a garantir às crianças de 0 a 7 anos o acesso à creches e pré-escolas.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Defesa da regulamentação da legislação destinada a garantir às crianças de 0 a 7 anos o acesso à creches e pré-escolas.
Aparteantes
Edison Lobão, Heráclito Fortes, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 21/04/2005 - Página 10000
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, HELOISA HELENA, SENADOR, OBRIGATORIEDADE, GRATUIDADE, EDUCAÇÃO PRE-ESCOLAR, CRECHE.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, PAIS E FILHOS, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), COMENTARIO, ESTUDO, BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO (BID), BENEFICIO, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, INFANCIA.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ESTUDO, AUTORIA, BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO (BID), BENEFICIO, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, INFANCIA, DIVULGAÇÃO, INTERNET.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje recebi a visita da Srª Eliana dos Santos Silva, de 33 anos, nascida em Cornélio Procópio, no Paraná, que relata dificuldades para conseguir o direito de creche no Município de Santo André, em São Paulo.

Por circunstâncias diversas, ela procurou Vereadores e com eles conversou, mas avaliou que precisaria procurar-me. Como disseram na minha residência que eu ficava mais em Brasília do que em São Paulo, como de fato acontece, ela, então, decidiu vir a Brasília, com seu marido e duas crianças, uma menina de quatro anos e um menino, Douglas, que tem um problema congênito de coração e precisa ser tratado no Instituto Dante Pazzanese. Eles saíram de Santo André no dia 11 e chegaram aqui ontem, dia 19.

Sem praticamente recursos, vieram de cidade em cidade, solicitando nas prefeituras ajuda para a condução. Assim, demoraram oito dias para chegar a Brasília, o que ocorreu ontem. Como eu estava em plenário, somente hoje, no final da manhã, ela conseguiu dialogar comigo. Coincidentemente, Sr. Presidente, estávamos na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, onde examinávamos projeto de emenda à Constituição de autoria da Senadora Heloísa Helena, que propõe alteração do inciso IV do art. 208 da Constituição Federal, que atualmente estabelece que “o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade”. Na proposta da Senadora Heloísa Helena, o acolhimento será “obrigatório, público e gratuito para toda a demanda pela educação infantil em creches e pré-escolas para as crianças de zero a seis anos de idade”.

Conversei bastante com a Srª Eliana, bem como com o Secretário de Inclusão Social da Prefeitura de Santo André, Sr. Ricardo Beltrão - o Prefeito, João Avamileno, é do PT -, que foi extremamente atencioso comigo. Ele já conversou com a Srª Eliana e marcou um encontro dela com a referida Secretaria.

O drama dessa senhora fez-me pensar muito sobre a proposição da Senadora Heloísa Helena, a quem tive, inclusive, a oportunidade de apresentá-la há pouco. A Senadora até convidou, para estar consigo, a filha de quatro anos dessa senhora e, assim, muitos Senadores puderam conhecer a menina.

Tipicamente, essa senhora não tem muitos recursos. Seu pai foi ferroviário no Paraná. Posteriormente, foi para o ABC e trabalhou na Mercedes. Mas ela estava em dificuldades, sem uma formação suficiente e adequada, sem grandes recursos. Em muitas ocasiões, viveu como moradora de rua, tendo conseguido, algumas vezes, auxílio da Prefeitura para dispor dos recursos necessários.

Entretanto, como o seu filho de cerca de dois anos tem uma doença, para ela não é fácil. Ela havia, inclusive, argüido sobre a possibilidade de ter a garantia da creche para que pudesse trabalhar enquanto as suas crianças estivessem bem cuidadas. Mas o direito à creche demorou, ela acabou sendo despejada de casa e veio até aqui verificar o que poderia ser feito. Providências estão sendo tomadas para que ela possa ser atendida na próxima segunda-feira, em uma audiência na Prefeitura Municipal de Santo André.

O caso é típico e ilustra muitos outros. Segundo cálculo hoje apresentado pelo Senador Aloizio Mercadante, há aproximadamente 13 milhões de crianças no Brasil nessa faixa de idade, que corresponderiam a crianças em condições ou pertencentes a famílias relativamente carentes e que justamente demandariam um atendimento como esse.

É fato que, há quarenta anos, não havia praticamente creches no Brasil. Em 1962, aos 21 anos - nasci em 1941 -, quando estava no segundo ano da escola de Administração de Empresas, disse aos meus pais que, se eles me proporcionassem uma oportunidade, talvez eu pudesse visitar os países da Europa. Queria conhecer o Mercado Comum Europeu, mas também os países do Leste Europeu e ver o que era a experiência de construção do socialismo, quais as dificuldades e tudo.

Meus pais me proporcionaram essa oportunidade. Fui inclusive ao Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes pela Paz e Amizade, realizado em Helsinque, em julho de 1962, e daí, por quatro meses seguidos, viajei pela Europa Ocidental, passando por França, Itália, Suíça, Alemanha, Áustria e outros países, mas também fui visitar a União Soviética, Checoslováquia, Polônia, Bulgária, Iugoslávia, Hungria. E, na conclusão dessa viagem, avaliei que seria realmente possível transformar o sistema econômico e caminhar na direção de uma sociedade mais igualitária, de uma sociedade socialista. Mas entendia que era importantíssimo que isso fosse feito de maneira pacífica e por meios democráticos.

Naquela ocasião, eu tinha assistido ao filme “Orfeu Negro”. Lembro-me de sair pelas ruas de diversos desses países e de conversar com as pessoas descrevendo o Brasil. E, para ilustrar, lembrando as músicas do “Orfeu Negro”, eu costumava dizer que no Brasil, como estava na canção, “tristeza não tem fim, felicidade, sim”. Mas que logo chegaria o dia em que poderíamos também vislumbrar como seria, como mostrava a outra canção tão linda daquele filme: “manhã, tão bonita manhã...” - e por aí vai, significando esse novo alvorecer da criação de uma sociedade como aquela que sonhamos.

Nessa época, fui convidado para escrever artigos no Última Hora, pelos jornalistas Jorge Miranda Jordão e Samuel Wainer. Eles disseram que eu escreveria em uma coluna denominada “Um Jovem Atrás da Cortina de Ferro”. Então, fui escrevendo sobre diversas coisas que eu via. Certo dia, fui visitar uma creche e escrevi sobre a sensação que tive - creio que era na Checoslováquia ou em um dos países socialistas -, dizendo que se tratava de algo bom.

Nessa época eu era namorado da Marta e me lembro do impacto que essa publicação causou: “Imagine! O Eduardo está lá nos países socialistas, escrevendo artigos! Imagine, ele quer creche! Isso é coisa de comunista!” Estou ilustrando isso porque me veio à lembrança de que houve uma época no Brasil, não muito distante, em que creche era “coisa de comunista”.

Também está escrito nos Atos dos Apóstolos que esses resolveram juntar todas os seus bens e prover a todos de acordo com suas necessidades, algo muito parecido com o que está ali no mote de Marx, em “Crítica ao Programa de Gotha”, que um dia em uma sociedade...

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Mas o único que contribuiu foi São Paulo.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - São Paulo contribuiu muito para essas idéias.

Certo dia, eu defendia o Programa de Garantia de Renda Mínima perante a CNBB, e Dom Luciano Mendes de Almeida, quando me ouviu citar Karl Marx - “a cada um de acordo com a sua capacidade, a cada um de acordo com a sua necessidade” -, falou-me: “Eduardo, seu projeto é muito bom, mas não precisa citar Karl Marx. A idéia é muito melhor defendida por São Paulo, na Segunda Epístola aos Coríntios, que diz: ‘todo aquele que teve uma safra abundante não tenha demais, todo aquele que teve uma safra pequena não tenha de menos’.” Então, sempre cito Karl Marx e São Paulo juntos.

O que eu queria dizer, prezado Senador Mão Santa...

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Permita-me lembrá-lo, Senador Eduardo Suplicy, que o Apóstolo Paulo disse que quem não trabalha não merece ganhar para comer. Isso é que deve ser ensinado.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Mas V. Exª há de convir, Senador Mão Santa, que há casos - e no Piauí há muitas famílias e mães nessa situação - como o da senhora Eliane, que veio aqui com duas crianças pequenas, e que não tem condições de trabalhar no mercado para conseguir uma remuneração, porque não pode deixar de atender as suas crianças.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Então, cabe à sociedade prover o necessário. E podemos evoluir desse tempo - já faz 40 anos - em que creche era considerado algo perigoso, próprio até de um sistema autoritário, comunista, o que levou muitos, naquela época, a realizarem a “Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade”. Fizeram aquela marcha que acabou por derrubar o Governo João Goulart, porque essas idéias estavam em ebulição.

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Ainda bem que V. Exª está anistiando os militares. Não foram eles que derrubaram o João Goulart e, sim, a Tradição, Família e Propriedade.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Mas os militares responderam àquela “Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade”.

A SRª PRESIDENTE (Ana Júlia Carepa. Bloco/PT - PA. Fazendo soar a campainha.) - Senador, V. Exª já estava na prorrogação e dispõe de mais um minuto para concluir.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - A Mesa hoje foi muito tolerante com os oradores.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Srª Presidente, V. Exª pode descontar a música.

A SRª PRESIDENTE (Ana Júlia Carepa. Bloco/PT - PA) - Está bem. Está descontada.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Concedo o aparte ao Senador Heráclito Fortes.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Esse desabafo histórico do Senador Eduardo Suplicy, essa sua demonstração de vocação para cantor - já o tinha demonstrado para jogador de futebol - merece a generosidade da Mesa. Tenho certeza de que V. Exª, Senadora Ana Júlia Carepa, será generosa com o Senador Eduardo Suplicy, porque S. Exª merece.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - É importante que tenha havido essa evolução e que nós, brasileiros, desde a Constituinte e mais ainda agora, estejamos mais e mais conscientes da responsabilidade da sociedade de prover seja o atendimento à educação desde a primeira infância e os primeiros anos, conforme a proposta da Senadora Heloísa Helena, seja o direito de todos a uma renda básica de cidadania. Os termos são os mesmos.

Os responsáveis pelo programa Adultos e Crianças Criativas mandaram a revista Pais & Filhos para Mônica Dallari, jornalista que escrevia sobre o assunto, com informações muito interessantes que registro neste momento, em benefício da argumentação da proposta da Senadora Heloísa Helena.

Estudos divulgados pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) mostram que, para cada dólar investido em políticas públicas na primeira infância, se economizam 7 dólares depois, em repetência e evasão escolar, assistência social, atendimento à doença mental e em sistemas prisionais.

É uma política revolucionária que mudará definitivamente a maneira de tratar nossas crianças pequenas, e que transformará para muito melhor a capacidade de aprenderem, seja na escola, seja na vida. (...)

A relação custo-efetividade. Cada US$ [ou real] aplicado no Programa para cada criança pequena significa uma economia futura de US$7.16 [ou R$16,00].

Os retornos sociais e econômicos tratados nesse estudo comparativo feito pelo BID mostram que:

Os seguintes benefícios têm sido firmemente vinculados às intervenções integradas e precoces na infância:

1 - Melhora da nutrição e saúde.

Oferecendo estimulação psicossocial e programa de desenvolvimento precoce da criança, podemos potencializar a eficácia das iniciativas dos cuidados de saúde e nutrição;

2 - Maior aptidão intelectual;

(...)

Retornos sociais e econômicos.

3 - Maior número de matrículas [em diversos países];

(...)

4 - Menos repetências;

(...)

5 - Menos evasão;

(...)

6 - Ajuda para as crianças vulneráveis.

Há grandes evidências de que intervenções precoces na infância beneficiam especialmente as crianças de maior risco social.

Srª Presidente, solicito que este estudo seja anexado ao meu pronunciamento.

Louvo o entendimento ocorrido hoje. Como o Senador Demóstenes Torres observou, o art. 214 estabelece que o Plano Nacional de Educação visa a diversos níveis de integração entre as ações do Poder Público que conduzem à universalização do atendimento escolar, ou seja, ao que está no art. 208.

A proposta da Senadora Heloísa Helena, combinada com a reflexão do Relator, Senador Demóstenes Torres, permitirá que, na próxima terça-feira, venhamos a aprovar a PEC. O entendimento é o de que poderemos apressar a responsabilidade de cada prefeito, de cada governador, da Presidência, da União, para contribuir para um objetivo saudável, no tempo necessário.

Se, de repente, percebermos que está sendo muito difícil atender àquela finalidade porque custa “x”, quem sabe teremos que dizer a certos credores que a situação apertou, devido à responsabilidade de atender ao programa, e talvez precisemos de um pouco mais de tempo para as suas exigências? Os senhores credores poderão compreender que, investindo esse dólar ou real a mais, em alguns anos, teremos US$7.00 disponíveis para fazermos frente a essas responsabilidades.

Terça-feira próxima, chegaremos a um entendimento entre o Líder Aloizio Mercadante, a Senadora Heloísa Helena e os demais Senadores.

Muito obrigado.

 

**************************************************************************

DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SENADOR EDUARDO SUPLICY EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

****************************************************************************

Matéria referida:

“Informações do Programa Adultos e Crianças Criativas”.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/04/2005 - Página 10000