Discurso durante a 44ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Omissão do governo do Estado do Tocantins no episódio de suspensão do exercício das funções dos médicos cubanos em Tocantins.

Autor
Eduardo Siqueira Campos (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/TO)
Nome completo: José Eduardo Siqueira Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE. POLITICA EXTERNA.:
  • Omissão do governo do Estado do Tocantins no episódio de suspensão do exercício das funções dos médicos cubanos em Tocantins.
Publicação
Publicação no DSF de 21/04/2005 - Página 10009
Assunto
Outros > SAUDE. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • REGISTRO, DECISÃO, JUIZ, DEFINIÇÃO, PRAZO, REGULARIZAÇÃO, SITUAÇÃO, MEDICO, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA, INTEGRAÇÃO, PROGRAMA, ASSISTENCIA MEDICA, ESTADO DO TOCANTINS (TO).
  • DENUNCIA, OMISSÃO, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO TOCANTINS (TO), REGULARIZAÇÃO, SITUAÇÃO, MEDICO, CRITICA, GOVERNADOR, DESCONHECIMENTO, EXISTENCIA, ACORDO, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA, POSSIBILIDADE, SUSPENSÃO, DECISÃO JUDICIAL, COMENTARIO, PREJUIZO, RELAÇÕES DIPLOMATICAS.
  • ELOGIO, MOBILIZAÇÃO, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL (TRF), SUSPENSÃO, DECISÃO, JUIZ, DEFESA, INTERESSE PUBLICO, SAUDE, COMENTARIO, INEFICACIA, PROCEDIMENTO, SUPERIORIDADE, MEDICO, RETORNO, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA, ATRASO, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO TOCANTINS (TO), RENOVAÇÃO, CONTRATO, ESTRANGEIRO.

O SR. EDUARDO SIQUEIRA CAMPOS (PSDB - TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, meus prezados telespectadores da TV Senado, meus queridos tocantinenses, volto a esta tribuna para, mais uma vez, referir-me à omissão do Governo do Estado do Tocantins no caso dos médicos cubanos.

Esses médicos prestaram serviço ao Estado por oito anos consecutivos. Chegamos a ter 253 médicos cubanos em nosso território. O Juiz da 1ª Vara da Justiça Federal, em resposta pedido do Conselho Regional de Medicina, concedeu liminar suspendendo o exercício das funções desses médicos, não sem antes conceder um prazo de seis meses, depois, prorrogado por mais três meses, para que o Governo encontrasse uma solução.

Sr. Presidente, uma vez que grande parte da população tocantinense, como a população brasileira, não entende essas nuanças do Direito, vou apresentar, de uma forma muito clara, a situação. O Procurador-Geral de Justiça do Estado do Tocantins, ontem, em coletiva à imprensa, disse que o Senador Eduardo Siqueira Campos não é um advogado e que, portanto, não entende das coisas. Segundo ele, o Estado já não podia mais recorrer da decisão prolatada pelo Juiz da 1ª Instância.

Srªs e Srs. Senadores, meus caros telespectadores, meu querido povo tocantinense, quero dizer, em primeiro lugar, ao Procurador do Estado que, de fato, não sou advogado, mas entendo de algumas coisas. A primeira delas, a omissão. E vou deixar claro, nesta tribuna, como foi omisso o Governador do Estado. Ressalto ao Procurador-Geral que o advogado não pode fazer pelo cliente aquilo que o cliente não quer. O cargo de Procurador de Justiça do Estado é um cargo demissível ad nutum. Ele não pôde fazer pelo Estado e pelo nosso povo aquilo que o Governador não quis.

Vejamos os fatos. Senadora Heloisa Helena, em julho de 2004, o Juiz Federal da 1ª Vara da Justiça Federal, Dr. Marcelo Albernaz, determinou ao Estado que, em um prazo de seis meses, prorrogáveis por mais três, ou seja, em nove meses, regularizasse a situação dos médicos cubanos que participam de um programa há oito anos. Determinou também que suspendesse a contratação de novos médicos e que, nesse prazo, obtivesse a regularização ou que cessassem os contratos.

Bem, o Juiz de 1ª Instância tomou essa decisão. O Estado recorreu? Sim, recorreu. Quando ele recorreu para o TRF, o que disse o TRF? Tendo em vista que o Juiz de 1ª Instância deu um prazo de nove meses, o Governo deveria regularizar a situação, em vez de impetrar o recurso. O TRF, a meu ver acertadamente, não acolheu o recurso do Estado, para que, nesse prazo de nove meses - seis meses prorrogáveis por mais três -, o Governo encontrasse a solução definitiva.

Ao negar provimento ao recurso do Estado, o Presidente do TRF, Desembargador federal Aloísio Palmeira, disse claramente que o Estado deveria adotar as providências...

Diz a decisão do Desembargador federal Aloísio Palmeira:

Ressalve-se que, se o tempo estipulado não for suficiente para regularizar as atividades daqueles profissionais, o Estado poderá pleitear a dilação do prazo ao juízo de origem, a fim de evitar uma eventual interrupção do serviço de saúde”.

O que entendeu o TRF? Entendeu que, não havendo risco iminente da suspensão naquele recurso, o Estado deveria buscar a definitiva regularização da situação.

Sendo assim, Sr. Presidente, acertou o Tribunal Regional Federal, por decisão de seu Presidente, e o Estado ficou com o prazo. Nesse caso, Senadora Heloísa Helena, como em uma gestação, o tempo passa. Costumam dizer os advogados que a Justiça não socorre aquele que dorme. Passaram-se nove meses, e, acertadamente, de acordo com a sentença que havia dado, o juiz federal deu um despacho: “Cumpra-se a liminar concedida nove meses atrás”. Até então, afinal de contas, nenhuma providência havia sido tomada. Não havia sido encontrada uma solução. Esse fato ocorreu na terça-feira, 12 de abril.

Ora, o próprio TRF, por decisão do Desembargador Aloísio Palmeira, ao negar o recurso do Estado, já havia alertado: “Se o prazo não for suficiente para regularizar as atividades daqueles profissionais, o Estado poderá pleitear a dilação do prazo em juízo, para não haver a interrupção dos serviços para a população”. Nesse prazo, não houve regularização por parte do Estado. Assim, findo o período, o juiz ordenou que se cumprisse a sentença.

O Governo de Cuba enviou, então, uma aeronave para buscar seus profissionais, posição tomada pelo Presidente Fidel Castro, dizendo inclusive que, como, na petição, chegaram a chamá-los de curandeiros e charlatões, aquele País não aceitaria que seus médicos, que durante oito anos ajudaram a população brasileira por meio de um convênio, sofressem qualquer tipo de humilhação.

Vejo pouca diferença entre a discriminação verificada quando se chama alguém de negro e quando se chama de cubano, de estrangeiro, um cidadão que está aqui prestando relevantes serviços.

O Conselho Regional de Medicina está no exercício de suas funções ao cobrar a regularização. O juiz, ao conceder a liminar, cumpriu a lei. Nesse caso, Sr. Presidente, só cabe ao Estado buscar a regularização.

Continuando, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no dia 12, uma terça-feira, o juiz determinou, findos os nove meses, que se cumprisse a liminar. O Governador veio a Brasília e se deixou fotografar, dizendo que estava em busca de nova sigla partidária. Vinha ele conversar - abro aspas para transcrever a matéria publicada no jornal do Tocantins - “com os caciques do PMDB acerca de sua filiação”. Não esteve no Ministério da Saúde, não esteve na Embaixada de Cuba, não esteve no Ministério do Trabalho. Passou terça, passou quarta, passou quinta, o avião veio buscar os cubanos, e os cubanos foram embora.

O Ministério Público Federal, Senadora Heloísa Helena, já havia dito na inicial que o Governo do Estado tinha de cumprir a legislação, tinha de cumprir os pré-requisitos do Conselho Regional de Medicina. Decorridos os noves meses e não tendo havido solução alguma, o Ministério Público Federal, usando do instrumento jurídico da suspensão de segurança, veio ao mesmo TRF, pedindo que, “diante da iminência da falta do serviço do atendimento da população, fosse cassada a liminar do juiz”. O TRF deu provimento ao recurso, Senadora Heloisa Helena, dizendo que - abro aspas de novo para citar o competente Desembargador federal, Presidente do TRF, Aloisio Palmeira -, “se, por um lado, preocupa o exercício da medicina por profissionais ainda não credenciados pelo órgão fiscalizador, por outro, tem relevância constitucional a continuidade da prestação do serviço de saúde pública naquele Estado, em um País já tão deficiente na área da saúde”.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. EDUARDO SIQUEIRA CAMPOS (PSDB - TO) - E, aí, o Procurador do Estado, que poderia ter recorrido novamente pela suspensão de segurança...

Sr. Presidente, decorridos dez minutos, peço que eu tenha os cinco de prorrogação a que todos nós temos direito, de acordo com o Regimento Interno. (Pausa.)

O Ministério Público Federal utilizou-se de um instrumento jurídico a que ele, litisconsorte ativo na ação, tinha direito. Se ele tinha direito, como é que o Estado - que é o requerido, que é o réu, que é o gestor da saúde - não tem, se há iminência de a população ficar sem o serviço de 96 médicos cubanos?

Eu sei que, pressionado pelo Governador para que dê algum esclarecimento, o Procurador fica em posição difícil. Mas ele sabe, como qualquer estudante do primeiro ano de Direito, que poderia pedir a suspensão da segurança. Se pôde o Ministério Público pedir a suspensão da segurança, quem mais deveria ter feito isso era o Governo do Estado, por intermédio de sua Procuradoria.

E o Ministério Público Federal pediu a suspensão da segurança, em primeiro lugar, pelo risco iminente de ficar a população sem médico. Nesse caso, prevalece o interesse público. O MP ainda alegou um fato novo: está na iminência de ser firmado um acordo entre o Brasil e Cuba, que vai regularizar a situação de 600 brasileiros que estudam naquele país e que voltarão para cá. São médicos brasileiros formados em Cuba. Haverá discriminação?

Então, vejam bem, não estamos diante de um fato de direito concreto. O Ministério Público alegou, entre suas razões para solicitar a cassação da liminar, que era iminente a assinatura de um acordo entre os dois países. O Procurador do Estado alegou que o Ministério Público obteve uma informação privilegiada e que o mesmo não aconteceu com o Estado.

Eu quero convidar o Governador a demitir o Secretário da Saúde e a colocar lá um integrante do Ministério Público Federal, que, diligente, competente, atento à saúde pública do Tocantins e vendo os médicos partirem do Brasil, solicitou a suspensão da segurança e a obteve.

O Procurador, repito, disse que não teve essa informação. Ora, Sr. Procurador de Justiça do Tocantins, eu tenho um profundo respeito por V. Exª, mas, sendo servidor do Estado, V. Exª deve ter profundo respeito pela população. A obrigação, na verdade, era do Governador. Se o Ministério Público Federal descobriu que podemos ter um acordo com Cuba para regularizar essa situação, por que o Estado, nesses nove meses, não soube disso? O Ministério Público é o gestor da saúde no Tocantins? Não.

Informação privilegiada, conforme declarou ontem a um jornal de Tocantins o Procurador Geral de Justiça - vou traduzir -, é a falta de informação, a falta de interesse, a omissão do Governo do Estado, que cruzou os braços e não queria mais a presença desses médicos no solo tocantinense. E aí, Sr. Presidente, não quero discutir se o médico é brasileiro ou cubano. Sei que nenhum Estado brasileiro pode ficar sem 96 profissionais da saúde.

Quero destacar ainda que o Presidente do TRF recebeu o pedido de suspensão da liminar às 13 horas e, três horas depois, já a havia deferido. Portanto, o TRF agiu de maneira rápida, eficiente e ainda mandou publicar a decisão com a devida urgência. Mas os médicos já haviam partido. E o Estado não adotou essa medida na terça-feira, na quarta-feira, na quinta-feira, dizendo que não tinha como recorrer.

Senadora Heloísa Helena, para quem não entende de Direito, prevalece a alegação de que o Estado não tinha como recorrer. Mas como o Ministério Público Federal teve? Alegou-se, ainda, que o Estado não tinha a informação privilegiada de que o Brasil poderia fazer um acordo com Cuba. O acordo não foi feito, isso não é fato concreto do Direito. Mas houve a informação. O Ministério Público a conseguiu, e o Estado não, porque não teve interesse, o Governador não quis, cruzou os braços.

E aí, Sr. Presidente, de maneira muito respeitosa, quero dizer que conheço o Dr. José Renard, Procurador-Geral de Justiça, há muitos anos. Os conhecimentos jurídicos ele tem, mas é lógico que ele não pode convencer o seu cliente, que neste caso é o Governador do Estado de Tocantins, aliás, o seu superior hierárquico, porque o seu cliente é o povo. Ele deveria estar zelando pelo interesse do povo do Estado, mas não pode entrar com um recurso sem que o Governador o autorize. Mas, graças à presença do Ministério Público Federal, a liminar foi cassada, e o Governo, que num primeiro momento disse que não iria recontratar nem os médicos que ficaram, porque, dos 96, 60 foram embora na aeronave, outros 30, em razão de ter filhos, de já estarem com seus pais, seus familiares, alguns no Brasil, ficaram, mas ouviram o Governo dizer que não iria recontratar, mesmo com a suspensão oferecida pelo TRF. Pressionados por esta tribuna, pela opinião pública do meu Estado, hoje o Estado começou a recontratar os 30 médicos cubanos que lá estavam.

Mas, mais uma vez, Senadora Heloísa Helena, o tempo vai passar. E eu espero que o meu Estado passe a ter informações privilegiadas...

(Interrupção do som.)

O SR. EDUARDO SIQUEIRA CAMPOS (PSDB - SP) - Concluo, Sr. Presidente. Espero que não tenhamos que substituir o Secretário de Saúde do meu Estado por um Procurador da República e que o Estado cumpra a sua função e cumpra a sua missão.

Vou, Sr. Presidente, me restringir, para não descumprir o tempo regimental, a esses esclarecimentos. Quero informar ao povo tocantinense que, se o programa deu certo e foi sustentado por oito anos, o que está acontecendo não é senão a falta de interesse e a omissão para que tivéssemos tido esta interrupção e esse triste episódio que, sem dúvida alguma, é lamentável para as relações de Brasil e Cuba. Tenho certeza absoluta de que foi uma profunda decepção para o Presidente Fidel Castro, como foi para o povo tocantinense e brasileiro.

Todos cumpriram seu papel: o Conselho Regional de Medicina, o Juiz Federal, o TRF. A omissão fica por conta do Governador do Estado. E, aí, vou entender o papel do Procurador-Geral de Justiça do meu Estado, ao dizer que não sou advogado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/04/2005 - Página 10009