Discurso durante a 44ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a vida do Ex-Presidente eleito, Tancredo Neves.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Considerações sobre a vida do Ex-Presidente eleito, Tancredo Neves.
Publicação
Publicação no DSF de 21/04/2005 - Página 10019
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ANIVERSARIO DE MORTE, TANCREDO NEVES, CANDIDATO ELEITO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, ELOGIO, VIDA PUBLICA, LUTA, DEMOCRACIA.

O SR PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não há dúvida de que amanhã se comemora uma data muito importante para a história de nosso País.

Foi muito bonita a sessão realizada hoje pela manhã em homenagem a Brasília e ao seu fundador, Juscelino Kubitschek. Ontem, dia 19 de abril, seria aniversário de Getúlio Vargas. Creio que o Dr. Getúlio e o Dr. Juscelino foram os dois maiores vultos da história brasileira, os dois grandes Presidentes que tivemos.

Amanhã será feriado pelo aniversário de Brasília e em homenagem a Tiradentes. Mas, na verdade, embora o País não tenha oficializado, será também feriado em homenagem a Tancredo Neves. Assim como Tiradentes foi o protomártir esquartejado por defender a Independência, a liberdade no Brasil, Tancredo Neves, pelo seu ideal de defesa da liberdade e da democracia, foi esquartejado com sete cirurgias e morreu em defesa de seu País. Não tenho dúvida alguma de que dificilmente se encontraria um homem que tenha sido tão preparado para chegar à Presidência da República quanto o Dr. Tancredo.

Tive quatro grandes irmãos mais velhos na política: o primeiro foi Ulysses Guimarães; o segundo, Tancredo Neves; o terceiro, Teotônio Vilela; o quarto, Mário Covas. Convivi com esses quatro vultos e creio que, na História do Brasil, pode haver iguais; melhores, duvido.

Quando se fala na história de Tancredo Neves - ouvi o discurso brilhante do Dr. José Sarney -, salienta-se, sim, seu heroísmo: o homem que escondeu a doença para garantir a posse; o homem que tombou pela causa que defendeu. Mas nós, do PMDB, não podemos lembrar apenas do Tancredo Neves vitorioso; temos de lembrar a luta do velho MDB, a luta de 20 anos, que começou em 1964, quando derrubaram João Goulart; lembrar de Tancredo Neves protestando e gritando palavrões ao Presidente do Senado, dizendo que S. Exª estava dando um golpe ao afirmar que o Presidente da República estava no exterior, em lugar incerto e não sabido, posto que Sua Excelência estava na cidade de Porto Alegre.

A luta de Tancredo começou em 1954. Ele era um jovem Ministro quando houve o golpe que levou o Dr. Getúlio Vargas ao suicídio. Antes, ele havia pedido: “Nomeie-me Ministro do Exército no lugar desse traidor que é o General Zenóbio. Garanto que o golpe não sai, e Vossa Excelência ficará na Presidência.” Dr. Getúlio, não querendo uma guerra civil, preferiu o suicídio.

A luta do Dr. Tancredo Neves continuou quando foi Primeiro-Ministro de Jango, com um trabalho excepcional, de primeira grandeza, que só não foi adiante porque as candidaturas de Juscelino e de Carlos Lacerda já estavam nas ruas, e o PSD e a UDN se uniram para derrotar o parlamentarismo.

A história de Tancredo continua quando, junto do Dr. Ulysses e do Teotônio, lutou pelo restabelecimento da democracia neste País. Sim, Tancredo era um conciliador.

Nunca vou esquecer que, às vésperas do AI-5, que fechou o Congresso Nacional, a razão era a reforma do Judiciário, que estava sendo discutida no Congresso. O Presidente Geisel exigia que ela fosse votada como veio. O MDB tinha um substitutivo e queria votá-lo. A Bancada se reuniu. O Dr. Tancredo fez um discurso em que ele fazia um apelo para a Bancada, dizendo que tinha informações e mais informações de que os militares queriam dar o golpe e fechar o Congresso e que era um pretexto a causa referente à reforma do Judiciário.

O Dr. Brossard, Senador do Rio Grande do Sul, fez um dos seus mais bonitos discursos, aplaudido e aclamado, dizendo que tínhamos de resistir, que tínhamos de votar a reforma do Judiciário, que o Congresso tinha de ir até o fim. Ganhou Brossard; perdeu Tancredo. Fecharam o Congresso no dia seguinte. Tancredo tinha equilíbrio, sim; tinha bom senso, sim; mas era um homem da hora, da definição; era um homem de coragem e de luta. Por isso, ele participou, sob a liderança - façamos justiça - do Dr. Ulysses Guimarães, que podia ter sido o Presidente da República.

Na doença do Dr. Tancredo, o Presidente da Câmara é quem devia ter assumido a Presidência da República, por que, se Tancredo não tomou posse, como o seu vice poderia tomar posse no lugar de quem não tomou posse? Quem devia ter tomado posse era o Dr. Ulysses.

Quando, naquela reunião - eu estava lá -, o General Leônidas Pires tirou a Constituição do bolso e disse que quem tomaria posse era o Sarney, o Dr. Ulysses, numa rapidez fantástica, concordou: “Realmente é o Sarney quem assume”. Quando fui cobrar dele, porque eu já ia protestar, ele disse: “O que é isso, Simon? Se todo o nosso esquema de segurança está baseado no Leônidas, que é o Ministro do Exército, que está coordenando todo o esquema de garantia da posse de Tancredo, se daqui a pouco eu disser que não é o Sarney, sou eu, é o Leônidas quem vai assumir. Gesto de renúncia e de grandeza do Dr. Ulysses Guimarães; gesto de grandeza do Sarney, que não se impôs. Em nenhum momento, ele disse: “Deve ser eu”. “A responsabilidade é do Ministro do Exército”.

É importante salientarmos o que significou a morte de Tancredo. Sempre reconheço que o Dr. Sarney desempenhou um papel muito importante. Na verdade, ele disse em seu pronunciamento, quando falava ao Tancredo: “Tancredo, eu serei um vice-presidente fraco de um presidente forte, que será você”. De uma hora para outra, assume a Presidência em definitivo, com um Ministério sobre o qual não tinha dado nenhum palpite e em que não teve nenhuma participação; com um Partido, o MDB, amplamente majoritário, com o qual ele não tinha ligação, pois tinha assinado a ficha de filiação três dias antes, para poder ser candidato.

Ele fez o que podia, e acho que se saiu com dignidade. Quando ele disse que achava que a democracia cairia nas suas mãos, e não caiu, ele disse a verdade. Quando ele disse que era ele um dos presidentes que tinha assumido com a característica de que seria derrubado, e não o foi, ele disse a verdade. Foi um grande Presidente, mas não foi o Tancredo.

A verdade é que o destino foi cruel conosco. Quem estava preparado se chamava Tancredo Neves. O Dr. Ulysses Guimarães reconheceu isso, todos nós reconhecemos. Tancredo, Teotônio, Mário Covas, todos estavam se preparando em torno de um homem que o destino preparou, ao longo de toda uma história, ao longo de toda uma vida, ao longo de toda uma biografia, para chegar lá. Ele chegou lá e, na hora de sentar na cadeira, Deus disse “não”.

Que tristes desígnios são esses? Que caminhos? Nós, que somos pessoas de fé, temos de nos perguntar por quê. Por que isso ocorreu com um povo escravizado 20 anos, lutando contra a ditadura, contra as armas, contra a violência, suportando com paciência, fazendo autocríticas, baixando a cabeça, resignado, suportando humilhações, para que houvesse uma transformação pacífica, sem violência e sem radicalização?

Quando chega a hora, quando o homem está preparado de uma maneira democrática para, de maneira pura, sincera, fazer a transformação que este País precisava, o destino diz “não”, a natureza diz “não”, a História diz “não”.

Mesmo assim, Sr. Presidente, mesmo não tendo sido Presidente, a História tem, no seu panteão, o nome de Tancredo, assim como a História tem no seu panteão o nome do velho Ulysses, que está no fundo do mar.

Encontraram o helicóptero, encontraram os pilotos, encontraram a mulher, encontraram os colegas que estavam com ele, mas não o encontraram. Mais de uma vez, estive caminhando no local e conversando com pescadores que viram o helicóptero cair. Se é lenda, não sei, mas eles contam que, em várias madrugadas, vêem um homem enorme, alto, magro, vindo do longe e partindo para o longe, caminhando. Olha para eles com um olhar indecifrável e um sorriso, dá um abano e continua a caminhar.

Na verdade, se Ulysses não tem um túmulo, Ulysses deixou um cravo no coração de cada brasileiro.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Teotônio Vilela também foi um mártir. Com duas bengalas e quatro cânceres, arrastava-se em cadeira de rodas. Quando os seus médicos disseram para ir a Paris descansar os seus últimos dias, ele falou que tinha de estar ao lado do povo brasileiro.

            Sr. Presidente, quero falar sobre a história do dia de amanhã, em que se lembra de Tiradentes. O Presidente Tancredo Neves foi um grande homem. Devemos saudá-lo, sim, mas não vamos resumir a nossa história ao dia 14 de março, quando ele ficou doente, e ao dia 21 de abril, quando ele morreu. No dia 14, a sua doença foi uma tragédia. No dia 21 de abril, a sua morte foi um tragédia. São 20 anos que a História do Brasil haverá de contar. Ao lado deles, tombaram mártires e mais mártires, heróis anônimos e mais heróis anônimos, lutando pela causa talvez mais bonita da História do Brasil.

A independência do Brasil deu-se de pai para filho. O seu descobrimento foi por acaso. A República foi um golpe de Estado. As conquistas sociais foram alcançadas por um ditador. Se houve um movimento que foi do povo, que veio do povo, que teve a alma do povo, que teve o cheiro do povo, esse movimento foi a retomada da democracia, que começou em 1964 e terminou no dia da morte de Tancredo.

Por isso, louvo

Por isso, louvo todos os elogios feitos ao querido Tancredo. Não me refiro ao Presidente Tancredo, mas a toda a sua vida e aos irmãos que com ele batalharam pela mesma causa.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/04/2005 - Página 10019