Discurso durante a 44ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Análise de questões indígenas no transcurso do Dia do Índio.

Autor
Romeu Tuma (PFL - Partido da Frente Liberal/SP)
Nome completo: Romeu Tuma
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Outros:
  • Análise de questões indígenas no transcurso do Dia do Índio.
Publicação
Publicação no DSF de 21/04/2005 - Página 10038
Assunto
Outros
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, INDIO, BRASIL.
  • DENUNCIA, GRAVIDADE, VIOLAÇÃO, DIREITOS, INDIO, VITIMA, VIOLENCIA, MORTE, FOME, BRASIL.
  • DETALHAMENTO, HISTORIA, DECADENCIA, COMUNIDADE INDIGENA, INICIO, COLONIZAÇÃO, BRASIL, EVOLUÇÃO, ATUALIDADE.
  • NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, SOLUÇÃO, PROBLEMA, CONFLITO, POSSE, TERRAS INDIGENAS, MOTIVO, AUSENCIA, DEMARCAÇÃO, HOMOLOGAÇÃO.

O SR. ROMEU TUMA (PFL - SP. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores,

            Em todo o Brasil estamos comemorando o Dia Nacional do Índio.

            A data foi consagrada no México, por ocasião da realização do I Congresso Indigenista Interamericano, em 1940. Naquele encontro, que teve como objetivo discutir o futuro dos direitos indígenas, a maioria dos países americanos presentes, ao reconhecer a importância histórica do indigenismo nas Américas, elegeu o dia 19 de abril como o Dia do Índio em todo o continente americano. Convém destacar que na mesma reunião foi criado o Instituto Indigenista Interamericano, que ficou sediado na cidade do México.

Em nosso País, só em 1943, graças à interferência do Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, o então Presidente Getúlio Vargas assinou o Decreto nº 5.540, de 2 de junho de 1943, determinando que, a exemplo dos demais países americanos, o Brasil comemorasse o Dia do Índio em 19 de abril.

Na verdade, neste dia consagrado a todas as nações indígenas americanas, não podemos deixar de manifestar nosso sentimento de pesar pelas atrocidades cometidas pelos nossos ascendentes europeus que invadiram as terras do Novo Mundo empunhando o mosquete e a espada. Para os que conseguiram, até agora, escapar por milagre do genocídio, restam a fome, a perseguição, o desprezo, o preconceito, o abandono, as doenças, a desnutrição, o vício, a prostituição e a promiscuidade.

As Nações Unidas, a Anistia Internacional, organização não-governamental com sede em Londres, e o projeto DhInternacional vêem com preocupação o avanço das injustiças sociais no Brasil e as dificuldades encontradas pelo Governo Federal no sentido de garantir a dignidade dos povos indígenas.

Segundo a Anistia, que divulgou relatório com o título Estrangeiros em seu próprio País, os índios brasileiros estão sofrendo violações constantes em seus direitos fundamentais. Em 2005, um considerável número de índios tem sofrido discriminações e ataques violentos que são acobertados pela impunidade e pelo desinteresse das autoridades. Muitos são vítimas de assassínios e de maus tratos, e nada acontece com os autores.

Curioso destacar é o drama vivido na última década pela etnia guarani-kaiowá, que habita a região de Dourados, no Mato Grosso do Sul. Ocupantes de reservas improdutivas, submetidos a um regime de trabalho semi-escravo e despojados de suas tradições, 236 kaiowás praticaram suicídio nos últimos dez anos. Só em 1995, foram registrados 54 casos de deduí, na linguagem dos índios, suicídio ritual, ou rito de apagar o sol. Como se não bastasse, a tragédia dos kaiowás não pára por aí. Desde o início do ano, já foram registradas 18 mortes de crianças por desnutrição. Além da fome, prolifera nas aldeias a leishmaniose, e não existe água potável. Dessa maneira, com toda certeza, não existem motivos para comemorações neste dia dedicado aos povos indígenas.

Eminentes Srªs e Srs. Senadores, a história dos índios das Américas tem como pano de fundo o mais covarde e brutal massacre já praticado em toda a trajetória da humanidade contra um povo ingênuo, que vivia em perfeita harmonia em seu habitat, com os seus costumes, as suas famílias, os seus animais de estimação, os seus utensílios, as suas armas simples, as suas alquimias, os seus sonhos, os seus deuses, os seus mistérios e as sua lendas.

            No que se refere ao Brasil, a conquista de nossa terra, em 1500, inseriu-se em um contexto de mudanças profundas, ocorridas na Europa, que determinaram o estabelecimento de uma nova divisão internacional de poderes, sobretudo no campo político e no econômico. Assim, a partir daí, inaugurou-se a era das grandes navegações que agregou novas terras, ampliou o significado das relações econômicas internacionais, e expandiu o poder político e militar das grandes metrópoles marítimas da época.

À luz dos documentos históricos, desde o início dos anos 1300, já existiam alusões à existência das terras brasileiras e, no final do século XV, notícias de várias expedições que atracaram em nossas costas.

Deixando de lado o debate acadêmico sobre o conhecimento de nossas terras antes do chamado descobrimento, considero mais importante, para podermos projetar um futuro mais promissor para o nosso País, relembrar alguns momentos cruciais de nossa história. Em primeiro lugar, temos a obrigação de reconhecer os crimes irreparáveis que foram cometidos contra os verdadeiros donos do nosso território e, em segundo lugar, destacar outros que continuam sendo cometidos e que precisam, de uma vez por todas, de apuração, julgamento e punição exemplar.

Em 22 de abril de 1500, enquanto o pequeno reino de Portugal contava com apenas 1 milhão e 500 mil habitantes, nas terras de Vera Cruz, vivendo harmoniosamente e em total integração com as imensas florestas tropicais que cobriam quase todo o nosso território, existiam quase 5 milhões de índios. Pouco a pouco, como bem sabemos, começou o martírio da exclusão no Brasil e o grande extermínio que dura até hoje. Assim, são mais de 5 séculos de massacre ininterrupto. Na medida em que os índios eram mortos, subjugados pelas armas de fogo e pelas lâminas das espadas dos conquistadores enfurecidos, e catequizados à força, suas culturas eram descaracterizadas, suas famílias destruídas, e nações inteiras foram atraídas ao vício dos brancos e vitimadas por doenças até então desconhecidas nas terras dominadas, tais como, gripe, sarampo e varíola.

Hoje, passados mais de 500 anos da visão do Monte Pascoal pelas caravelas de Pedro Álvares Cabral, os sobreviventes do holocausto são muito poucos. Os índios brasileiros não chegam a 350 mil em todo o território nacional. Mesmo assim, são 215 sociedades e 170 línguas. Há, igualmente, cerca de 50 grupos que nunca mantiveram contato com o homem branco. A idade média dos índios brasileiros é de 17,5 anos, e mais da metade tem menos de 15 anos. A expectativa de vida é de apenas 45,6 anos, e a mortalidade infantil é assustadora, com 150 óbitos para cada mil nascidos.

A violência contra os índios tem aumentado de maneira preocupante em diversos pontos do País. Os principais motivos para essas perseguições e essas mortes são os conflitos fundiários e a forte carga de preconceito que existe do branco em relação ao índio. Os casos são incontáveis pelo País afora, mas alguns ainda continuam vivos em nossa memória pela crueldade e pela frieza como foram cometidos.

Muitos ainda se lembram do brutal assassinato de um índio, aqui mesmo em Brasília, no Plano Piloto, em uma parada de ônibus, na madrugada do dia 20 de abril de 1997. Um grupo de jovens da classe média alta local, vindo de uma festa, resolveu atear fogo em um homem que dormia na parada. Galdino Jesus dos Santos, pertencente à tribo pataxó, de passagem por Brasília, não resistiu às queimaduras e morreu horas depois. Os algozes disseram que estavam apenas brincando e que não tiveram a menor intenção de matar. Ironicamente, o índio Galdino foi brutalmente assassinado um dia após as comemorações do Dia do Índio.

Episódio semelhante aconteceu em 2003, com o assassinato do índio kaingang Leopoldo Crespo, de 77 anos de idade, morto a chutes e pedradas, no Município gaúcho de Miraguai, a 450 quilômetros de Porto Alegre, enquanto dormia, debaixo de uma marquise, na principal avenida da cidade. Os autores foram igualmente três jovens que admitiram o crime, mas alegaram que queriam apenas acordar o índio.

No mesmo ano, no Município de Dourados, no Mato Grosso do Sul, foi a vez do cacique Marcos Veron, de 72 anos de idade, trucidado por fazendeiros da região. O cacique Veron, líder guarani-kaiowá, foi encontrado gravemente ferido na fazenda Brasília do Sul, Município de Juti, a 260 quilômetros ao sul de Campo Grande. Ainda foi levado com vida ao hospital, mas não resistiu. O laudo do Instituto Médico Legal constatou que o cacique foi espancado e veio a falecer em decorrência dos golpes recebidos.

O assassinato do índio macuxi Aldo da Silva Mota, no início de 2003, também teve como causa principal a disputa por terras. O seu corpo foi encontrado numa vala rasa na Fazenda Retiro, na terra indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima.

Até crianças indígenas estão sendo vítimas da violência armada por fazendeiros e jagunços. Em meados de 2003, uma criança macuxi, de apenas 12 anos, foi baleada em uma tentativa de homicídio na terra indígena chamada Aningal, situada na região do Amajari, em Roraima. Vale ressaltar que o Estado de Roraima é considerado como um dos mais problemáticos quando fazemos referência a crimes praticados contra os índios. Em todo o ano de 2003, mais de 23 índios foram assassinados por fazendeiros, posseiros e mineradores.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no Município de Dourados, os conflitos fundiários entre fazendeiros e índios fazem parte do cotidiano. Cerca de 11 mil índios ocupam uma faixa de terra de apenas 3,5 mil hectares. Seriam necessários mais 300 mil hectares para atender plenamente a essa população. Nessa luta desigual que travam para preservar as terras que ocupam tradicionalmente, os índios são vistos pelos fazendeiros com ódio e desconfiança.

Ao constatar a existência desse barril de pólvora que pode explodir a qualquer momento, as autoridades assistem preocupadas ao agravamento das escaramuças entre índios, posseiros e fazendeiros. Essa situação é marcante no Estado de Roraima e em Mato Grosso do Sul, por causa de terras reivindicadas pelos índios que ainda não foram demarcadas em sua totalidade ou homologadas.

O Ministério da Justiça assegura que garantirá a homologação como área contínua de Raposa Serra do Sol, em Roraima, que cerca de 700 fazendeiros e posseiros plantadores de arroz reivindicam como suas, embora estejam ocupadas há séculos por cerca de 15 mil índios macuxis, ingaricós, tauarepangues, uapixangas e patamonas. Outro obstáculo à homologação de 1,67 milhão de hectares de Raposa Serra do Sol é que, somados a outras áreas, alguns acreditam que ela colocaria mais de 50% do território do Estado como área indígena, e isso comprometeria o desenvolvimento econômico de Roraima.

Outra grande complicação que envolve índios e fazendeiros está situada no Mato Grosso do Sul, onde milhares de índios guaranis-kaiowás, terenas, e caiabis invadiram várias fazendas. A maior reivindicação desses grupos indígenas é a ampliação das terras em que vivem atualmente espremidos. Segundo a própria Fundação Nacional do Índio (Funai), a reivindicação dos diversos povos indígenas é mais do que legítima, porque na verdade as terras existentes sempre foram ocupadas por eles.

Na verdade, sem espaço para viver como índios, a maioria vira bóia-fria, alcoólatra, mendigo ou louco. Daí para frente, o passo seguinte é o suicídio. Foi assim que aconteceu com um jovem guarani-kaiowá que faz parte da galeria dos que se imolaram, levados pelo desespero e pelo abandono. Um dia após o seu casamento, enforcou-se solitariamente em uma árvore. Antes de praticar o ato extremo, escreveu na areia, sob seus pés: “Eu não tenho lugar”.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, indiscutivelmente, a questão fundiária é hoje a maior causa da violência entre índios e não índios. Diante dessa realidade, a Funai tem repetido que a sua maior tarefa é regularizar, ainda neste Governo, a situação das terras indígenas.

Segundo o Doutor Mércio Pereira Gomes, presidente do órgão, até o final do mandato do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pelo menos 12% das terras existentes no território brasileiro deverão estar nas mãos das comunidades indígenas. Devo dizer que ficarei alerta para fiscalizar o cumprimento dessa meta até os últimos dias do mandato do Presidente Lula. Caso o compromisso seja realmente transformado em realidade, serei o primeiro a vir a esta tribuna para elogiar a competência da direção da Funai.

Recentemente, em manifesto divulgado para avaliar as mortes por desnutrição em suas aldeias, os guaranis-kaiowás afirmaram que a raiz do problema que atravessam está basicamente ligada à falta das terras que lhes foram roubadas. Além disso, fazem referência à política de confinamento a que estão submetidos e à perda de liberdade. Alegam que foram expulsos de suas terras, assassinados, e afastados de suas atividades de subsistência para abrir caminho ao gado e às grandes plantações de soja. Dizem ainda que as matas onde caçavam e de onde tiravam o sustento de suas famílias foram derrubadas pelas motos serras e pelos tratores dos fazendeiros.

Os guaranis-kaiowás entendem que a perda da terra levou à desorganização de sua economia como um todo. Segundo eles, a solução do problema está muito além da distribuição de alimentos e de cestas básicas, como pensa o Governo. A questão só pode ser resolvida no campo político e não no campo paternalista ou assistencialista. Em seu manifesto dizem ainda mais: “Antes, nós éramos um povo livre que vivia com fartura. Hoje, vivemos dependendo do assistencialismo do Governo. Sentimos que essa política paternalista, que não nos dá condições de voltar a produzir nosso próprio alimento, é como uma arma apontada contra as nossas cabeças. Precisamos de condições para voltar a produzir nossas roças de mandioca, batata, cana, banana, cará, milho, feijão, arroz... Necessitamos de apoio para a recuperação de nossas terras. Precisamos de nossas terras homologadas e livres dos invasores”.

            São esses os gritos que vêm da floresta e que precisam ser ouvidos com atenção pelo Presidente Lula e pelas autoridades da Funai. Os governantes de hoje têm pela frente o grande desafio de gerar um consenso duradouro entre os diversos grupos étnicos em nível nacional. Indiscutivelmente, os índios são parte importante dessa grande negociação, bem como os não índios, os especialistas, as organizações indígenas, as lideranças políticas, a Igreja e outros setores importantes da sociedade brasileira. Só assim poderemos vislumbrar um horizonte menos agressivo e políticas públicas realmente voltadas para a proteção dos direitos dos povos indígenas que estão inscritos em nossa Constituição, mas não são respeitados.

Gostaria de finalizar este pronunciamento relembrando que os índios são a raiz do Brasil. Deveriam ter sido reconhecidos como os primeiros brasileiros, mas lhes foi negada a cidadania, ao longo de toda a nossa história. Agora fica a grande questão: quando serão reconhecidos como brasileiros? Acredito que a força de nossa democracia, muito brevemente, se encarregará de exigir de todos esse reconhecimento. Aí sim, poderemos comemorar, com alegria, o Dia do Índio.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/04/2005 - Página 10038