Discurso durante a 42ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem aos povos indígenas pela comemoração do Dia do Índio, celebrado hoje.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA INDIGENISTA. POLITICA SOCIAL.:
  • Homenagem aos povos indígenas pela comemoração do Dia do Índio, celebrado hoje.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 20/04/2005 - Página 9746
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA INDIGENISTA. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA, INDIO, LEITURA, DECLARAÇÃO, COMUNIDADE INDIGENA, MUNDO, COMENTARIO, INJUSTIÇA, HISTORIA, DEFESA, NECESSIDADE, INVESTIMENTO, POLITICA, PRESERVAÇÃO, CULTURA.
  • CONGRATULAÇÕES, GOVERNO FEDERAL, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DE GOIAS (GO), PROGRAMA, PROMOÇÃO, INFRAESTRUTURA, TERRAS, COMUNIDADE, NEGRO, DESCENDENTE, QUILOMBOS.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Papaléo Paes, venho à tribuna no dia de hoje para falar um pouco daqueles que quase não têm voz neste País, daqueles que, como muitos dizem, têm a opção do voto, mas, infelizmente, sua história é mal contada ao longo dos séculos.

Hoje, dia 19 de abril, é o dia dedicado ao índio. Um dia criado no México e popularizado por vários países do mundo. No Brasil, tem servido para difundir a imagem, a cultura e os problemas desse povo tão sofrido. Esta Nação que, passados mais de 500 anos, continua a conviver de forma conflituosa, com certeza, com os seus conquistadores.

O mundo, Sr. Presidente, deveria pedir perdão aos povos indígenas, à nação indígena, em nome de todas as raças, de todas as religiões, de todas as culturas, pelas injustiças cometidas no decorrer desses séculos, para que este gesto não fique apenas no discurso. São necessárias políticas públicas, políticas de Estado, que efetivamente venham a reconhecer a história secular da nação indígena.

Cerca de 3,5 milhões de índios habitavam o Brasil na época do descobrimento. Hoje, são pouco mais de 700 mil, com um Índice de Desenvolvimento Humano de 0,68 - bem abaixo do valor nacional, que é de 0,79.

Minha alma gaúcha faz lembrar aqui o guerreiro Sepé-Tiaraju, índio guarani de São Miguel das Missões (RS), que lutou com bravura contra o avanço dos exércitos português e espanhol, defendendo o território brasileiro, demonstrando que o índio é brasileiro.

Quero registrar a minha admiração aos nossos índios: Xavantes, Karajás, Mundurukus, Guaranis, Yanomamis, Kayapós, Terenas e tantos outros.

Srªs e Srs. Senadores, a esses homens e mulheres, verdadeiros filhos desta terra, deixo registrada a minha homenagem com a Declaração Solene dos Povos Indígenas do Mundo, escrita em 1975:

Nós, povos indígenas do mundo,

unidos numa grande assembléia de homens sábios,

declaramos a todas as nações:

quando a terra-mãe era o nosso alimento,

quando a noite escura formava o nosso teto,

quando o sol e a lua eram nossos pais,

quando todos éramos irmãos e irmãs,

quando os nossos caciques e anciãos eram grandes líderes,

quando a Justiça dirigia a lei e a sua execução,

aí outras civilizações chegaram!

Com fome de sangue, de ouro, de terra e de todas as nossas riquezas,

trazendo numa das mãos a cruz e na outra a espada,

sem conhecer ou querer aprender os costumes dos nossos povos,

nos classificaram abaixo dos animais, roubaram nossas terras e nos levaram para longe delas,

transformando em escravos os “filhos do Sol”.

Entretanto, não puderam nos eliminar!

Nem nos fazer esquecer o que somos,

porque somos a cultura da terra e do céu,

somos de uma ascendência milenar e somos milhões.

Mesmo que nosso universo inteiro seja destruído,

NÓS VIVEREMOS

por mais tempo que o império da morte!

Sr. Presidente, essa a Declaração dos Povos Indígenas, que fiz questão de trazer a esta tribuna.

Para concluir, Sr. Presidente, eu gostaria de lembrar que, quando menino, procurava ler e ouvir as histórias contadas a respeito dos índios. Olhava para a África e entendia que os negros africanos também eram índios sim, e com muito orgulho; só não entendia por que o maior líder dos negros, conforme nos contavam as histórias dos gibis, não se chamava Zumbi ou Martin Luther King, ou Mandela, mas, sim “Tarzan”. Eu não entendia o porquê de a nação africana, contada em verso e prosa, era liderada por um homem chamado “Tarzan”. Eu nunca entendi essa imagem que ficou na minha cabeça de criança negra.

Por isso, Sr. Presidente, hoje, no Dia do Índio, quero falar do índio independentemente de ele ter a cor branca, vermelha ou preta.

Senador Mão Santa, concedo um aparte a V. Exª, já que o citei em duas oportunidades.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Paulo Paim, o pronunciamento de V. Exª é muito oportuno. Os índios somos nós. Aqui havia índios; depois é que vieram os portugueses, brancos. Aquele perdão que o Lula pediu não deve ser nosso. Foram os portugueses, os ingleses e outros que compraram os escravos. Os índios são a nossa origem. Mas, apenas para lembrar a grandeza do índio e do povo do Rio Grande do Sul, reafirmo a grandeza dos Lanceiros Negros, heróis da República da Farroupilha, e, sobretudo, a de Getúlio Vargas, visto que, hoje, é aniversário do seu passamento. Que Getúlio seja uma inspiração para o Presidente da República! Aquele Getúlio que, todos os anos, no dia 1º de maio, dirigia-se ao povo brasileiro, assim dizendo: “Trabalhadores do Brasil...” E anunciava um salário mínimo com dignidade.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Que o Presidente Lula não use o 1º de maio para dizer: “Banqueiros do mundo, tranqüilizai-vos, pois vou pagar a conta!”

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Agradeço o aparte do Senador Mão Santa. Inclusive S. Exª nos lembra o aniversário da morte de Getúlio Vargas, que também era gaúcho.

Sr. Presidente, eu falava também, neste dia, de índios negros, dos pobres homens e mulheres! Eram obrigados a esquecerem suas origens: sua língua, sua pátria, sua religião e seus cultos, enfim, sua identidade.

Várias horas por dia, debaixo de sol quente, cumpriam jornadas de trabalho desumanas, sujeitos a chicotadas e castigos com requintes de crueldade.

Muitos morreram, outros resistiram bravamente. Aqueles que conseguiram fugir formaram os quilombos - acampamentos em forma de esconderijo que abrigavam os negros fugitivos. Um verdadeiro exemplo de resistência à escravidão. Um período marcado pelo total desrespeito aos direitos do homem e do cidadão.

Por volta do ano 1700, na região de Goiás, os negros, cansados da submissão e dos castigos sofridos, fugiram, esconderam-se na mata e formaram o povo Kalunga. A área ocupa a zona rural dos Municípios de Teresina de Goiás, Cavalcante e Monte Alegre.

A comunidade vive, hoje, numa área belíssima de 253 mil hectares. O povo Kalunga dedica-se, até hoje, à criação, à plantação, à prática da caça e da pesca. Toda a família participa da atividade produtiva para o sustento da comunidade.

Com a intenção de preservar as tradições culturais e históricas dos quilombos, o Presidente Lula editou, em 2003, um decreto regulamentando o Programa Brasil Quilombola, em que o Governo Federal assumiu o compromisso de regularização fundiária e de promoção da infra-estrutura da região.

Uma bela ação está sendo promovida pelo Governo Federal em prol do povo Kalunga - aqui quero reconhecer. Estão reunidos diversos órgãos governamentais, com ações integradas, que prevêem a implantação de 400 unidades habitacionais e a melhoria de outras 800; a instalação de 1.200 unidades sanitárias, rede de abastecimento de água potável e energia elétrica, atendendo ao Programa Luz para Todos, entre outras.

Estão previstos investimentos da ordem de R$30 milhões, com recursos do Governo Federal e do Governo do Estado de Goiás.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. PRESIDENTE (Papaléo Paes.PMDB - AP) - Senador Paulo Paim, poderia V. Exª concluir?

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Pois não, Sr. Presidente.

Existem, hoje, no Brasil, conforme dados da Fundação Palmares, 17.361 negros vivendo em comunidades remanescentes das áreas de quilombos. Essas comunidades ocupam uma área de 505.291 hectares.

Ao encerrar, cumprimento não só o Governo Federal, mas também o Governo do Estado de Goiás, que participou desse movimento para fortalecer o reconhecimento da terra dos quilombolas.

Sr. Presidente, gostaria de terminar declamando um poema de minha autoria, intitulado “Negro na América Latina”; contudo, dada a exigüidade do tempo, deixo-o aqui para a reflexão.

(Interrupção do som.)

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Eu gostaria que V. Exª considerasse como lido, na íntegra, esse pronunciamento.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR PAULO PAIM.

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O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, minha origem negra me faz, às vezes, voltar no tempo e lembrar do imenso sofrimento dos nossos irmãos africanos ao chegarem neste país.

Pobres homens e mulheres! Eram obrigados a “esquecer” suas origens: sua língua pátria, sua religião e seus cultos, enfim, sua identidade.

Várias horas por dia, debaixo de sol quente, cumpriam jornadas de trabalho desumanas, sujeitos à chicotadas e castigos com requintes de crueldade.

Muitos morreram, outros resistiram bravamente. Aqueles que conseguiram fugir formaram os quilombos - acampamentos em forma de esconderijo que abrigavam os negros fugitivos. Um verdadeiro exemplo de resistência à escravidão. Um período marcado pelo total desrespeito aos direitos do homem e do cidadão.

Por volta do ano de 1700, na região de Goiás, os negros cansados da submissão e dos castigos sofridos, fugiram, esconderam-se na mata e formaram o povo Kalunga. A área ocupa a zona rural dos municípios de Teresina de Goiás, Cavalcante e Monte Alegre.

A comunidade vive hoje numa área belíssima de 253 mil hectares. O povo kalunga dedica-se, até hoje, à criação, à plantação, à prática da caça e da pesca. Toda a família participa da atividade produtiva para o sustento da comunidade.

Com a intenção de preservar as tradições culturais e históricas dos quilombolas o Presidente Lula lançou em 2003 um Decreto regulamentando o Programa Brasil Quilombola, em que o Governo Federal assumiu o compromisso de regularização fundiária, infra-estrutura da região e integração social, econômica, política e cultural dos afrodescendentes.

Uma bela ação está sendo promovida pelo Governo Federal para o povo Kalunga. Estão reunidos diversos órgãos do Governo Federal com ações integradas que prevêem a implantação de 400 unidades habitacionais e melhoria de outras 800, instalação de 1.200 unidades sanitárias, rede de abastecimento de água potável e de energia elétrica entre outras.

Estão previstos investimentos na ordem R$30 milhões, com recursos do Governo Federal e do Estado de Goiás, além do apoio dado pela Fundação Roberto Marinho.

É uma verdadeira transformação social na vida dessa gente, promovendo cidadania e cumprindo com o dever da responsabilidade social.

O Instituto Nacional de Reforma Agrária está realizando um belíssimo e árduo trabalho, em 116 comunidades, no sentido de identificação delimitação e titulação das áreas para a regularização fundiária dos quilombolas.

Existem hoje no Brasil, segundo dados da Fundação Palmares, 17.361 negros vivendo em comunidades remanescentes de áreas de quilombos. Essas comunidades ocupam uma área de 505.291 hectares. Já era tempo de dar a esse povo mais dignidade, pela discriminação e sofrimento suportado no passado.

Parabenizo todos aqueles envolvidos direta e indiretamente nesse grande projeto. É preciso lavar a alma brasileira desse vendaval de tortura, descaso e desrespeito.

Precisamos pensar e fazer um Brasil verdadeiramente igual para todos.

            Deixo, para reflexão, um trecho do poema de minha autoria Negro da América Latina:

“Andamos pelo continente, por terra e por mar, e vimos o que não gostamos: o negro afastado, excluído, discriminado.

Sonhamos com uma vida de paz, alegria e liberdade.

Na realidade encontramos suor, sangue e lágrimas.

Que essas gotas de sofrimento arrancadas do nosso corpo tornem-se pérolas para iluminar a nossa jornada.

A história dos Kalungas e a caminhada dos quilombolas que lutam pelo registro definitivo de suas terras.

É a luz da igualdade com direito à propriedade para os descendentes de Zumbi dos Palmares.

Porque deixar de sonhar e lutar, jamais, jamais, jamais!”

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, 19 de abril, é o dia dedicado ao Índio. Um dia criado no México e popularizado por vários países do mundo. No Brasil tem servido para difundir a imagem, a cultura e os problemas desse povo tão sofrido.

Essa nação que, mesmo passados mais de 500 anos de história, continua a conviver de forma conflituosa com os seus conquistadores. O mundo deveria pedir perdão aos povos indígenas, em nome de todas as raças, de todas as religiões, de todas as culturas, pelas injustiças cometidas no decorrer de todos estes anos, para que este gesto não fique só no discurso.

Cerca de 3,5 milhões de índios habitavam o Brasil na época do descobrimento, hoje são pouco mais de 700 mil, com Índice de Desenvolvimento Humano de 0,68; bem abaixo do valor nacional que é de 0,79.

Minha alma gaúcha faz lembrar o Guerreiro Sepé-Tiaraju, índio guarani de São Miguel das Missões (RS), que lutou com bravura ao avanço dos exércitos português e espanhol.

Quero registrar minha admiração aos nossos índios brasileiros: Xavantes, Karajás, Mundurukus, Guaranis, Yanomamis, Kayapós, Terenas e todos os outros.

Srªs e Srs. Senadores, a esses homens e mulheres, verdadeiros filhos desta terra, deixo registrada minha homenagem com a Declaração Solene dos Povos Indígenas do Mundo, de 1975.

Nós, povos indígenas do mundo, unidos numa grande assembléia de homens sábios, declaramos a todas as nações: quando a terra-mãe era nosso alimento, quando a noite escura formava nosso teto, quando o céu e a lua eram nossos pais, quando todos éramos irmãos e irmãs, quando nossos caciques e anciãos eram grandes líderes, quando a justiça dirigia a lei e sua execução, aí outras civilizações chegaram!

Com fome de sangue, de ouro, de terra e de todas as sua riquezas, trazendo numa das mãos a cruz e na outra a espada sem conhecer ou querer aprender os costumes de nossos povos, nos classificaram abaixo dos animais, roubaram nossas terras e nos levaram para longe delas, transformando em escravos os "filhos do sol".

Entretanto, não puderam nos eliminar! Nem nos fazer esquecer o que somos, porque somos a cultura da terra e do céu, somos de uma ascendência milenar e somos milhões. Mesmo que nosso universo inteiro seja destruído,

Viveremos por mais tempo que o império da morte!

Era o que eu tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/04/2005 - Página 9746