Discurso durante a 42ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Apelo pela aprovação do Estatuto do Enfermo.

Autor
Papaléo Paes (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Apelo pela aprovação do Estatuto do Enfermo.
Publicação
Publicação no DSF de 20/04/2005 - Página 9750
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, CRIAÇÃO, ESTATUTO, DOENTE, BENEFICIO, ATENDIMENTO, NECESSIDADE, SAUDE, POPULAÇÃO, SOLICITAÇÃO, APROVAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL.

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, uma possibilidade que sempre paira sobre qualquer um de nós é a de contrair uma enfermidade.

Todos estamos sujeitos a alterações de condições de saúde que nos fragilizem de modo significativo face às pressões e solicitações do meio ambiente e do próprio organismo.

Em outras palavras, todos nós podemos ter nossa capacidade funcional ou laborativa, nosso conforto orgânico ou social, a integridade física e a própria vida comprometidos por afecções físicas, mentais ou piscossociais.

Corresponde esta última definição àquela que inicia o Estatuto do Enfermo, tal como proposto em projeto de lei que tive a honra de apresentar a esta Casa de Leis.

Já não é sem tempo, Srªs e Srs. Senadores, que se devem enfeixar os direitos do enfermo em um diploma legal específico, produzindo efeitos jurídicos e também socioculturais, na medida em que podemos adquirir, por tal meio, maior consciência sobre essa condição especial dos seres humanos e suas prerrogativas.

O cuidado particular com os enfermos consiste em uma atitude cuja origem se perde, no mínimo, nos momentos primordiais de nossa espécie; digo “no mínimo”, pois a mesma ou semelhante atitude encontramos em várias outras espécies animais.

A essa preocupação, de base instintiva, com a proteção aos enfermos, deve corresponder, em nossos dias, o estabelecimento de uma série de ditames legais que assegurem o reconhecimento jurídico de sua condição e de suas necessidades particulares, pois é fato consabido que muitos desses direitos e necessidades não têm sido atendidos de modo satisfatório, de modo mais notório em nossa sociedade, vincada por tanta injustiça e pobreza e pela incapacidade do Estado em oferecer as condições de saúde e bem-estar universalmente previstas em nossa Carta Magna.

A proteção ao enfermo e o estabelecimento pleno de seus direitos percorrem um longo caminho histórico. O mais antigo conjunto sistematizado de leis, o Código de Hamurabi, já mostrava preocupação com os direitos do paciente, chegando a punir os médicos com a morte em casos de erros considerados mais graves. Posteriormente, foram os códigos de atuação profissional dos médicos que se destacaram por estabelecer regras que protegiam os enfermos em sua condição de paciente.

No Brasil, diversos esforços de estabelecimento de um código de ética médica, nas primeiras décadas do século passado, confluíram para a legalização do Código de Deontologia Médica, em 1945. Tem vigência, hoje em dia, o Código de Ética Médica, aprovado em 1988, acompanhando - aliás, do mesmo modo que o Código anterior - os sopros renovadores da redemocratização do País.

Nosso projeto do Estatuto do Enfermo inspira-se em diversas disposições do Código de Ética Médica vigente, adotando, ainda, preceitos estabelecidos pelo Conselho Nacional de Saúde, também em 1988, relativos à regulamentação dos experimentos que utilizem seres humanos.

Há, entretanto, Sr. Presidente, uma diferença a ser ressaltada, que se relaciona com a necessidade mesma de se instituir um Estatuto do Enfermo. Trata-se aqui de estabelecer um diploma legal cujo foco esteja, indubitavelmente, assentado sobre o enfermo - não sobre o médico, sobre a ciência ou quaisquer outros fatores ou aspectos envolvidos no processo de assegurar o direito à saúde para os cidadãos.

As incontestáveis conquistas da ciência e da tecnologia médicas, sucedendo-se em impressionante velocidade, associadas a um grau cada vez maior de especialização dos profissionais, têm levado a um problema particular da medicina em nossos dias: a perda da unidade do paciente. O enfermo não pode, indubitavelmente, ser equacionado a um caso concreto de determinada enfermidade, tampouco consiste em uma soma dos seus próprios “fragmentos”, correspondentes às várias especialidades e subespecialidades médicas.

O enfermo possui uma determinada unidade orgânica, sociocultural e psíquica. É uma pessoa, o que muitas vezes é esquecido por uma medicina cada vez mais despersonalizada, técnica, fragmentada, comercial. O Estatuto que propomos, ao centralizar seu enfoque e suas preocupações na figura do enfermo, atua em sentido contrário a tais tendências da prática médica em nossos dias - tendências que só serão efetivamente atenuadas por um esforço amplo da sociedade. Mas o Estatuto do Enfermo, ao se inserir no ordenamento jurídico do País, pode consistir em passo significativo nessa direção.

Com o Estatuto, fica consolidada uma série de direitos do enfermo, sintetizados, já no artigo 4º, como o direito de receber “toda a extensão necessária dos benefícios médicos, de assistência social, de apoio trabalhista e profissional, visando à total recuperação de sua saúde e reintegração à cidadania plena”.

Esses direitos serão, entretanto, particularizados nos artigos seguintes, com ênfase, por exemplo, no pronto atendimento em casos de emergência ou no direito de não se submeter a tratamento doloroso ou desconfortável, quando houver outro tratamento eficaz sem esse inconveniente. Ressalte-se que o direito basilar ao atendimento médico não pode ser prejudicado ou restringido por qualquer tipo de discriminação, conforme o art. 6º.

O art. 8º refere-se ao direito do enfermo de informação sobre sua doença, “a menos que (a mesma) possa resultar em dano físico ou mental para ele ou prejudicar o resultado do tratamento”. Outros artigos complementam o direito do enfermo à informação, o qual se relaciona, sem dúvida, a seu direito de escolha, aplicável em diversas situações, mas balizado, também, por certos limites.

De modo geral, ele terá direito a escolher o seu tratamento, com as ressalvas relacionadas no art. 8º. Não tem o direito, sob quaisquer circunstâncias, de proceder no sentido de abreviar a própria vida ou de solicitar que isso aconteça. Não poderá tampouco propor ou aceitar ser submetido a técnicas proibidas, não-liberadas ou não-apoiadas pelo consenso da experiência local ou não-referendadas por conselhos de atuação profissional.

Os arts. 13 a 19 tratam da participação de enfermos como voluntários em experimentações clínicas, definindo certas garantias e vedando determinadas práticas.

Diversas outras disposições podem ser conhecidas pela leitura integral da proposição que submeto ao exame e à aprovação dos nobres Colegas desta Casa legislativa.

Mas quero, por último, ressaltar que as infrações aos dispositivos do Estatuto serão, independentemente das sanções civis ou criminais, apenadas pelos conselhos de fiscalização ético-profissional dos profissionais e serviços de saúde envolvidos - e, ainda, segundo a legislação de defesa do consumidor e de vigilância sanitária, quando cabível.

Sr. Presidente, eminentes Pares, solicito, mais uma vez, sua atenção e empenho no exame e aprovação do Estatuto do Enfermo, instrumento legal que virá - assim o entendemos - ampliar a concepção dos direitos de nossos concidadãos que se encontram em tal condição especial e fornecer melhores e mais eficazes meios para o seu atendimento.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/04/2005 - Página 9750