Discurso durante a 42ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reivindicação de política indigenista, a propósito do transcurso do Dia do Índio, bem como pelo anúncio da demarcação da reserva indígena da Raposa/Serra do Sol, em Roraima.

Autor
Augusto Botelho (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Reivindicação de política indigenista, a propósito do transcurso do Dia do Índio, bem como pelo anúncio da demarcação da reserva indígena da Raposa/Serra do Sol, em Roraima.
Publicação
Publicação no DSF de 20/04/2005 - Página 9882
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, DIA, INDIO, REIVINDICAÇÃO, MELHORIA, POLITICA INDIGENISTA, PROTESTO, HOMOLOGAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), FRUSTRAÇÃO, POPULAÇÃO, MUNICIPIOS, PRODUTOR RURAL, INTEGRAÇÃO, COMUNIDADE INDIGENA, DENUNCIA, AUTORITARISMO, EXECUTIVO, DESRESPEITO, AUTONOMIA, IDENTIDADE, TRIBO, JUDICIARIO, LEGISLATIVO, PREJUIZO, DEMOCRACIA.
  • DENUNCIA, INTERFERENCIA, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), POLITICA INDIGENISTA, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI).
  • PROTESTO, FALTA, INDENIZAÇÃO, ABANDONO, POPULAÇÃO, RETIRADA, AREA, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, dia 19 de abril, comemoramos o Dia do Índio.

Infelizmente, pelas condições em que se encontram os indígenas do nosso País e, em especial, os indígenas do Estado de Roraima, o presente dia, que deveria ser de comemorações, deve ser alvo, a meu, de profunda reflexão. Temos muito pouco a comemorar.

Assim, aproveito essa oportunidade para tratar de uma questão que reputo das mais importantes para os índios: a falta de uma política indigenista que preserve os valores democráticos de nossa nação e que estão plasmados em nossa Carta Magna.

Sr. Presidente, na sexta-feira, como já amplamente divulgado, o Presidente homologou, de forma contínua, a terra indígena Raposa/Serra do Sol. Esta homologação não só frustrou nossas expectativas de encontrar uma solução de consenso para o problema, mas também contrariou a vontade da maioria dos índios da região e da quase totalidade da população do Estado de Roraima.

A consumação demarcação da reserva Raposa/Serra do Sol, no Estado de Roraima, é emblemática e revela a verdadeira faceta da política indigenista que se quer impingir aos nossos irmãos: os índios. Referida demarcação deixa às escâncaras os paradoxos de uma política que não respeita a autonomia e a identidade dos índios. Não respeita e não dá ouvido a índios que estão cientes de sua realidade e sabem muito bem o querem, como querem viver e quais os valores querem preservar. Enfim, revela que dos índios é subtraído um dos principais direitos de qualquer cidadão: o direito de ser ouvido e de participar das decisões políticas que irão afetá-lo.

A homologação da reserva da Raposa/Serra do Sol demonstra, com uma clareza solar, o quão dos índios é subtraído o direito de definirem os seus próprios destinos. Deles é subtraído o direito básico da liberdade de escolha, por conta de uma política indigenista forjada de cima para baixo e, por isso mesmo, uma política de feições indisfarçadamente autoritária. Ao certo, o princípio democrático passa ao largo das discussões que envolvem os interesses dos índios que habitam o Estado de Roraima.

Enquanto a grande maioria dos índios clamavam pela demarcação descontínua da Raposa/Serra do Sol, ONGs internacionais (que se arvoram na condição de legítimos representantes do indígenas) e o Governo preferiram a demarcação de forma contínua, o que, para os índios da região, significará o isolamento forçado.

Como já tive oportunidade de dizer, a área Raposa/Serra do Sol abriga, em sua maioria, índios totalmente integrados, vivendo em permanente contato com não-índios. Ocupam-se do comércio, da política, da agricultura etc. Estão inteiramente entrosados com o modo de vida dos não-índios. Com efeito, como qualquer um de nós, querem ter máquinas agrícolas e gerarem excedentes de produção para a venda; querem energia elétrica; querem televisão, escola de qualidade, água gelada, carro para locomoção e todos os confortos que a vida moderna nos pode proporcionar.

No entanto, ignorando essa realidade, setores do Governo e FUNAI (obviamente pressionados por ONGs) acabaram por lançar esses mesmo índios no isolamento; querem forçá-los a viver de forma primitiva; querem, desprezando qualquer senso de razoabilidade e a todo custo, relegá-los a viver como vivem algumas tribos de índios não-integrados ainda encontradiços no País.

Sr. Presidente, a atual política indigenista brasileira parte do pressuposto de que o índio é desprovido de vontade própria e, por isso mesmo, sua vontade deve ser suprida por burocratas governamentais ou mesmo por ONGs que estão, cada vez mais, ocupando os vazios deixados pela falta de atuação estatal.

No Estado de Roraima e, especialmente na Raposa/Serra do Sol, os índios revelam plena capacidade de zelarem pelos seus interesses; de dizerem como querem viver. Portanto, uma política indigenista democrática e respeitosa aos valores indígenas, nesta área, deveria ser pautada pelo respeito à vontade dos índios que lá vivem. Não foi por outro motivo que propus, por diversas vezes, fosse realizada uma consulta plebiscitária entre os índios que habitam a área Raposa/Serra do Sol, para, aí sim, ser definida a forma de demarcação: de forma descontínua, como queriam grande parte dos índios ou, como queria e o fez o Governo, de forma contínua.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, além de condenarem os índios da Raposa/Serra do Sol ao isolamento, a homologação, da forma como foi feita, nos deixa indignados e totalmente descrentes com relação ao atual Governo.

Além da vontade dos índios e não-índios que habitam a região, o Executivo golpeou, da mesma forma, o Judiciário e o Legislativo.

Aqui, no Legislativo, uma Comissão Temporária Externa, concebida para examinar a demarcação da Raposa/Serra do Sol, depois de extenuante trabalho, concluiu que aludida área deveria ser demarcada de forma descontínua, ou seja, de forma a preservar, entre outras áreas, "as necessárias à exploração econômica". Aliás, diga-se de passagem, com a homologação da Portaria nº 534/2005, editada pelo Ministério da Justiça, os riziculores, que já ocupavam a região antes das sucessivas ampliações da reserva, terão até um ano para a desocuparem. Esse fato gerará um contingente de 6.000 (seis mil) desempregados e abrirá uma enorme fenda na já combalida economia do Estado.

No que diz respeito ao Judiciário, o Executivo, usando de um artifício muito pouco ético, acabou por impedir que o Supremo Tribunal Federal analisasse o mérito da questão relativa à demarcação da Raposa/Serra do Sol. É que, tão logo o Pretório Excelso julgou procedente Reclamação nº 2833, ajuizada pelo Procurador-Geral da República, trazendo para si a competência para julgar se a demarcação se daria de forma contínua ou descontínua (mérito), o Ministro da Justiça publicou uma outra portaria que, revogando a anterior - de nº 820/98 - acabou por ser homologada pelo Presidente. Ou seja, o Governo impediu que o Supremo Tribunal Federal julgasse o mérito da questão. É bom que se diga, neste quadrante que, antes de julgada aludida Reclamação, liminares concedidas pela justiça federal e confirmada pelo Supremo, em sede de uma Ação Popular, suspendiam o efeito da Portaria nº 820/93.

Não poderia deixar de fazer menção ao fato de que a experiência demonstra, no meu Estado, que nenhuma das pessoas que foram retiradas de suas terras, para atender as grandes demarcações de terras indígenas, tiveram qualquer tipo de indenização, exceto as da reserva São Marcos. Pelo contrário: foram abandonados à sua própria sorte, não sendo raro os que passaram a mendigar nas ruas da Capital Boa-Vista. Estas pessoas não tiveram nenhum tipo de indenização ou mesmo o reassentamento prioritário, conforme determina o Decreto nº 1.775 de 1996 (Dispõe sobre o procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas e dá outras providências).

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é por essa e por outras, que manifesto, aqui, o meu repúdio ao ato do Governo Federal que demarcou, de forma contínua, a Raposa/Serra do Sol.

Nunca fui contra referida demarcação. Fui e sou contra a demarcação como foi posta que, conforme já falei, contraria a vontade da grande maioria dos índios que habitam a reserva e dos não-índios do meu Estado. Contraria, também, conclusões extraídas do Relatório Final da Comissão Externa do Senado criada para examinar a demarcação da Raposa/Serra do Sol e, se não bastasse, contraria uma tendência que já se ia consolidando no judiciário.

A homologação representa um golpe baixo à democracia. Representa um golpe contra o Estado de Roraima que, neste momento, está de luto, pois morreu a esperança de que o Governo Federal fosse conduzir democraticamente a demarcação da Raposa/Serra do Sol.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/04/2005 - Página 9882