Discurso durante a 45ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Trabalhos realizados pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para esclarecimentos sobre a atuação da FARC na eleição presidencial brasileira.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SOBERANIA NACIONAL. REFORMA AGRARIA.:
  • Trabalhos realizados pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para esclarecimentos sobre a atuação da FARC na eleição presidencial brasileira.
Aparteantes
Serys Slhessarenko.
Publicação
Publicação no DSF de 26/04/2005 - Página 10113
Assunto
Outros > SOBERANIA NACIONAL. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • IMPORTANCIA, TRABALHO, INVESTIGAÇÃO, APRESENTAÇÃO, SUGESTÃO, COBRANÇA, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, VISITA, ESTADOS, OBSERVAÇÃO, INCOMPETENCIA, GESTÃO, ORGANIZAÇÃO FUNDIARIA, NECESSIDADE, DEBATE, REFORMA AGRARIA.
  • RECEBIMENTO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), TERRAS, DENUNCIA, VINCULAÇÃO, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, GRUPO, GUERRILHA, PAIS ESTRANGEIRO, COLOMBIA, OCORRENCIA, TREINAMENTO, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE).
  • PROTESTO, DESRESPEITO, SOBERANIA NACIONAL, INVESTIGAÇÃO, EMBAIXADA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), DENUNCIA, ATUAÇÃO, BRASIL, GRUPO, TERRORISMO.
  • CRITICA, NEGLIGENCIA, INVESTIGAÇÃO, AGENCIA BRASILEIRA DE INTELIGENCIA (ABIN), DENUNCIA, RECURSOS, GRUPO, TERRORISMO, CAMPANHA ELEITORAL, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT).
  • DEFESA, BUSCA, ALTERNATIVA, MODELO, REFORMA AGRARIA, DIVERSIDADE, SITUAÇÃO, TERRITORIO NACIONAL, SUGESTÃO, ARRENDAMENTO, TERRAS, DEFINIÇÃO, VIABILIDADE, ATIVIDADE AGRICOLA.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Srª. Presidente, Srs. Senadores, uma comissão parlamentar de inquérito pode se constituir em instrumento da maior importância não apenas para investigação, a sua prioridade, e, de outro lado, para a apresentação de sugestões administrativas e no plano do Legislativo: a meu ver, pode se constituir, sobretudo, em instrumento de pressão sobre a autoridade constituída, expediente para propor transparência em determinadas ações públicas que muitas vezes se encontram na clandestinidade.

No Congresso Nacional se instalou, há mais de um ano, uma comissão parlamentar mista de inquérito para oferecer amplo diagnóstico sobre a estrutura fundiária brasileira. Revelações importantes, sobretudo em função das incursões a Estados brasileiros, vêm ocorrendo. Já estivemos em Pernambuco, no Pará em duas oportunidades, em Rondônia e no Paraná. São revelações importantes, sim, que muitas vezes dão margem a outras ações que se desenvolvem paralelamente.

Por exemplo, o noticiário de hoje revela que a embaixada americana está investigando suposta relação das Farc com o MST no Brasil. A revelação no dia de hoje é feita pela Superintendente do Incra em Pernambuco, D. Maria de Oliveira*, que recebeu o cônsul dos Estados Unidos e o segundo secretário para assuntos políticos da embaixada dos Estados Unidos em Brasília, Peter Reiter. Eles buscavam informações sobre uma suposta relação das Farc com o MST, conforme denúncia feita à CPMI da Terra por um ex-integrante do MST de Pernambuco.

Segundo essa denúncia, as Farc estariam, por meio de um ex-padre de nome Bernardo, ministrando palestras na fazenda Normandia, em Caruaru, no agreste pernambucano, onde fica a sede do MST no Estado de Pernambuco - palestras com o objetivo de orientar invasões e saques a caminhões nas estradas.

Essa denúncia foi apresentada à CPMI da Terra, que recorreu à Embaixada da Colômbia para conhecer a identidade do suposto representante das Farc no Brasil, de nome Padre Bernardo. Não recebemos ainda informação da Embaixada da Colômbia a respeito. A informação que nos chegou, através da Superintendente do Incra de Pernambuco é que esse colombiano teria sido vítima de acidente no Rio de Janeiro há cerca de dois anos, e que teria falecido em função do acidente. Mas não tivemos nenhuma informação oficial a respeito, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.

Quanto a essa investigação da diplomacia americana, parece-nos que há extrapolação. Não creio ser das relações diplomáticas esse tipo de procedimento. Não me parece ser uma missão diplomática investigar uma entidade brasileira, enfim, um organismo social de nosso País e uma eventual relação com uma organização criminosa de outro país, no caso a Colômbia.

Creio, Sr. Presidente, que chegamos a um arranhão à soberania nacional. É evidente que, quando se trata de relação entre dois países, é preciso ter o cuidado de não promover o exagero. Sem o desejo de exagerar, eu diria que há, pelo menos, um arranhão em nossa soberania. Não posso ver de outra forma a providência tomada a não ser como intromissão indevida em assunto interno do nosso País. Houve uma interferência indevida. Não há dúvida de que houve, sim, uma interferência indevida.

A responsabilidade da autoridade brasileira é investigar. Se há suposição, se há indício, se há denúncia - e se trata de denúncia da maior gravidade -, cabe à autoridade constituída em nosso País adotar as providências para a necessária investigação e esclarecimento à sociedade.

Sim, há denúncias, que já foram investigadas nesta Casa por intermédio de sua Comissão de Inteligência, dando conta de que as Farc, agindo no Brasil, teriam repassado US$5 milhões à campanha do Partido dos Trabalhadores. A Abin não procedeu, a nosso ver, da forma cuidadosa como deveria em assunto de tal dimensão. Não promoveu a investigação necessária, preferiu ignorar a existência de documentos relatando reuniões. Dessa forma, ainda estamos aguardando respostas às dúvidas relativas à presença ativa das Farc em nosso País, não apenas no cenário eleitoral, através de contribuição para campanha política, mas agora, nessa suspeita relação com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

Sr. Presidente, não compreendo essa ação diplomática americana, como não compreendo o silêncio da autoridade constituída de nosso País. Se erra a diplomacia americana ao interferir indevidamente em assunto doméstico, nacional, erra o governo brasileiro ao se omitir e ser cúmplice ou conivente em uma situação como essa.

Sr. Presidente, a comissão parlamentar de inquérito constituída tem procurado, repito, estudar o sistema fundiário brasileiro. A conclusão a que chego já - não é a conclusão da comissão, mas do parlamentar - é a de que estamos vivendo sob absoluta desorganização fundiária em nosso País; há uma desorganização generalizada em conseqüência da incompetência da gestão pública em assuntos dessa natureza.

Sabemos que a terra é nosso patrimônio, que da terra dependemos no que diz respeito ao futuro do nosso País, que será mais próspero ou menos próspero conforme saibamos explorar com maior ou menor eficiência os resultados advindos do trabalho no campo brasileiro. A desorganização é absoluta, Senador Mão Santa, e não é de hoje, Senadora Serys Slhessarenko. Essa desorganização vem de há muito, especialmente nos Estados em desenvolvimento.

A Srª Serys Slhessarenko (Bloco/PT - MT) - Um aparte, Senador...

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Concederei com o maior prazer, Senadora.

Precisamos rediscutir o modelo de reforma agrária. Essa desorganização tem sido causa da violência, da afronta à lei e ao Poder Judiciário. As invasões, as ocupações, os conflitos fundiários são decorrência da cobiça pela terra. Na ausência da autoridade, as pessoas imaginam poder resolver por si sós situações que só podem ser solucionadas por meio da lei, da ordem constituída. A autoridade ausente possibilita a violência, que é conseqüência da prevalência da impunidade em nosso País.

Concedo um aparte a V. Exª, Senadora Serys Slhessarenko. Depois, falarei sobre o modelo de reforma agrária.

A Srª Serys Slhessarenko (Bloco/PT - MT) - Senador Alvaro Dias, quando V. Exª fala da desorganização total e absoluta em relação à propriedade da terra no Brasil, está coberto de razão. Isso existe há 500 anos, basta lermos em nossa História sobre o processo de apropriação no Brasil desde as capitanias hereditárias até os nossos dias. Alguns se apossaram de tudo ou de quase tudo e a grande maioria ficou com nada ou quase nada. Houve um processo de desorganização total, absoluta, com relação à terra. Em Mato Grosso, tínhamos 6,2 mil hectares de terras publicas! V. Exªs imaginem o que isso significa no meu Estado. Apropriaram-se, de forma indébita, de três milhões de hectares. Os outros 3,2 milhões foram “regularizados” da forma mais espúria, colocando-se cada dois mil hectares em nome de filhos, irmãos, parentes. Enfim, “regularizaram” grandes extensões de terras, mas três milhões de hectares estão praticamente nas mãos de pessoas que invadiram a terra. Há diferença entre invasão e ocupação. A invasão é feita pelos grandes que se apropriam de grandes extensões, e a ocupação é feita pelos pequenos, que querem tirar o pão de cada dia da terra e lutam pela reforma agrária. Então, precisamos acelerar o resgate das terras públicas, pelo menos nos Estados da Amazônia. Há necessidade de se resgatarem as terras públicas que estão nas mãos de grandes proprietários, de forma indevida e irregular. Acredito que V. Exª abordará essa questão no seu pronunciamento. O papel da CPMI da Terra deve passar também pelo resgate das terras públicas que estão nas mãos dos grandes invasores. Muito obrigada pelo aparte.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Senadora Serys Slhessarenko, V. Exª tem razão e traz o argumento central para a rediscussão do modelo da reforma agrária no País. Um país continente como o nosso, de dimensões extraordinárias e diferenças regionais gritantes, não pode conviver com um único modelo de reforma agrária.

V. Exª faz referência a extensas áreas públicas e extensas áreas na posse de um único proprietário. No interior do Pará, há uma propriedade com mais de cinco milhões de hectares que tem um único proprietário. O poder público tem de ser questionado a respeito. Nós, do Poder Legislativo, temos de ser questionados em relação à nossa legislação que possibilita a um único cidadão ser detentor de mais de cinco milhões de hectares de terras, área superior a duas Bélgicas e a muitos países.

Convivemos com esse contraste gritante, com milhares de trabalhadores sem-terra desesperados, buscando oportunidades, enquanto alguns poucos possuem áreas extensas. O modelo único é impraticável no Brasil exatamente por essa realidade.

O Paraná concluiu uma CPI estadual, que dá conta de que o Estado não tem mais áreas disponíveis para desapropriação. O Superintendente do Incra questiona esse dado, mas, de qualquer forma, essa foi a conclusão da Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembléia Legislativa do Paraná.

Em contrapartida, o Estado da Senadora, o Mato Grosso, Rondônia, Pará, a Amazônia, de modo geral, têm extensas áreas. Em Rondônia, visitamos um acampamento, numa área de 143 mil hectares, em que o proprietário, evidentemente, impedia que a área fosse aproveitada para a produção agrícola.

Enquanto alguns Estados estabelecem uma disputa pela terra em função da cobiça que áreas disponíveis despertam, existem Estados, como o Paraná, onde, não havendo disponibilidade de áreas, há conflitos da mesma forma. Neste momento, sessenta e duas ordens judiciais estão sendo desrespeitadas pelo Poder Público, porque não se faz a reintegração de posse, em uma afronta ao Poder Judiciário.

Portanto, há que se rediscutir, sim, o modelo de reforma agrária, buscando alternativas diferenciadas. A alternativa que se poderia aplicar no Paraná não valeria para Rondônia, nem para o Pará, nem para o Mato Grosso. No Paraná, propõe-se hoje o arrendamento de áreas pelo Poder Público, para o assentamento de trabalhadores sem-terra, em uma primeira etapa. Se há disponibilidade de áreas para arrendamento, é porque há também aqueles que desejam afastar-se da atividade agrícola.

É justo, portanto, que o Governo busque aqueles que se interessam pela atividade agrícola diretamente, promovendo, em um primeiro momento, o arrendamento para conferir a vocação. Em havendo a vocação para a atividade agrícola, o Governo adquiriria a área e a repassaria na forma de título definitivo, promovendo o assentamento com perspectivas de viabilidade econômica. Esse fato não ocorre em muitas ocasiões, em face de não ser o assentado vocacionado para a atividade agrícola. E é preciso distinguir bem aqueles que realmente possuem vocação para a atividade agrícola dos que, na verdade, se envolvem com o movimento, desesperados pelo desemprego que bate às suas portas na área urbana.

O que a CPMI constatou é que realmente existem legiões de trabalhadores urbanos engrossando o Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra, em função da angústia que bate às portas das suas famílias na ausência de oportunidade de trabalho na cidade.

O Governo não pode, portanto, ignorar essa realidade brasileira.

A CPMI oferecerá esse diagnóstico, tentará apresentar alternativas administrativas e sugestões no plano legislativo e, eventualmente, na existência de ilegalidades - e elas existem -, na ocorrência de delitos terem sidos praticados, remeterá ao Ministério Público os nomes de eventuais indiciados para necessária responsabilização civil e criminal.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/04/2005 - Página 10113