Discurso durante a 45ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa da adoção de ações afirmativas destinadas a combater as desigualdades sociais no Brasil.

Autor
Valmir Amaral (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/DF)
Nome completo: Valmir Antônio Amaral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL. EDUCAÇÃO.:
  • Defesa da adoção de ações afirmativas destinadas a combater as desigualdades sociais no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 26/04/2005 - Página 10131
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • DEFESA, IGUALDADE, OPORTUNIDADE, BRASILEIROS, ELOGIO, INICIATIVA, UNIVERSIDADE DE BRASILIA (UNB), SISTEMA, COTA, NEGRO, ACESSO, ENSINO SUPERIOR, EFICACIA, MODELO, UNIVERSIDADE, BRASIL.
  • ELOGIO, CONDUTA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PERDÃO, DIVIDA, PAIS ESTRANGEIRO, MOÇAMBIQUE.
  • DEFESA, AMPLIAÇÃO, COTA, ACESSO, ENSINO SUPERIOR, ABRANGENCIA, INDIO, ALUNO, ESCOLA PUBLICA, VIABILIDADE, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL.

O SR. VALMIR AMARAL (PMDB - DF. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é absolutamente lícito supor e, mais do que isso, acreditar e exigir que os Governos ajam sempre pro bono publico ou, no bom vernáculo, em benefício do interesse coletivo. Infelizmente, a realidade demonstra, com excessiva freqüência, que nem sempre esse é o caso. Em inúmeras oportunidades, os Governos, mesmo os legitimamente constituídos, se deixam desviar, em maior ou menor grau, dos compromissos assumidos espontânea e previamente com a sociedade. Ocasionalmente são levados pela conjuntura; ora vêem-se tão-somente obedecendo às forças estruturais que inibem manobras mais ousadas, ainda que estejam em absoluta sintonia com seus propósitos originais, expectativas e necessidades sociais.

Assim, se estamos seguros de que garantir à totalidade dos brasileiros igualdade de oportunidade é o meio de realizar a efetiva transformação de nossa sociedade, o sistema de cotas para o acesso ao ensino superior, ora em implementação em nosso País, deve ser recebido como um passo imprescindível e louvável. Portanto, é com verdadeiro júbilo que venho assistindo à progressiva, mas segura implantação desse necessário e, até aqui, bem-sucedido modelo no Brasil.

A despeito de um ou outro problema pontual e questionamentos de formadores de opinião, jovens e famílias diretamente interessados no mais amplo acesso ao ensino superior, creio que não será exagero, ainda que dentro da incipiente experiência que vimos verificando nos últimos meses, declarar o sucesso da medida. Que, aliás, deverá também ser estendida às populações indígenas e, logo, aos alunos oriundos da escola média pública. Uns e outros, por sabidas e sobejas razões, como a atual precariedade dos educandários dos níveis elementar e médio mantidos pelos poderes públicos, ainda se encontram em situação de inegável desvantagem e vulnerabilidade, quando confrontados em competição com os jovens das classes média e alta, que tiveram a feliz oportunidade de freqüentar boas escolas particulares.

Como sabemos, em um primeiro momento, o novo modelo alcança prioritariamente os brasileiros afrodescendentes, um considerável contingente de nossa população, que, conforme o Censo de 2000, do IBGE, entre brasileiros auto-declarados negros e pardos, atingiria o expressivo percentual de cerca de 45 por cento de nossa população total. Todos sabemos e reconhecemos a enorme dívida moral, eventualmente irresgatável, que temos para com esses cidadãos. Ainda há poucos dias, em atitude que vem sendo contestada por alguns setores, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu perdão à quase totalidade da dívida de Moçambique. O gesto foi entendido por alguns como generosidade, por outros como prodigalidade e ainda por uns tantos como uma verdadeira ilegalidade.

Concretamente, o que se verifica nestes tempos, no Brasil, é a tentativa de o País ajustar contas consigo mesmo e com a sua sociedade. Trata-se de uma atitude corajosa, há muito protelada, que, apesar de eventuais desinteligências e atritos, ao fim e ao cabo será francamente benéfica para toda a Nação.

Há, Sr. Presidente, e não se pode negar, uma evidente percepção social a ensejar o poder público no sentido de que avance com firmeza na correção dos múltiplos equívocos históricos que nossos antepassados, em exercício de boa ou má-fé, cometeram.

A lição de verdadeiras educadoras, que nos proporcionam hoje algumas universidades brasileiras, notadamente as públicas em suas distintas esferas, começaram a encaminhar o País, há mais de um ano e de moto próprio, ao ajuste de prioridades e agendas, com a destinação específica de vagas, de modo a garantir assento nos bancos acadêmicos para um número crescente de afrodescendentes.

É notável, Srªs e Srs. Senadores, perceber em larga medida a espontaneidade de várias instituições e a compreensão majoritária por parte da sociedade brasileira, que assim deixam evidente o propósito de transformação para a promoção social coletiva.

Não posso deixar de mencionar o papel paradigmático da nossa Universidade de Brasília, a UnB, verdadeira sucessora da antiga Universidade do Brasil, que ainda no primeiro semestre de 2003, em decisão inédita de seu Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão, aprovou a destinação de 20 por cento das vagas para os negros. A iniciativa, na verdade uma experiência singular, por sua ousadia e ineditismo, e que certamente deverá consumar-se de forma positiva, se estenderá pelo prazo de 10 anos, quando então será revisada e reavaliada. Serve igualmente de referência nacional para que as demais universidades públicas multipliquem esse tipo de mecanismo, verdadeiro redutor de desigualdades sociais.

Tenho visto um considerável número de depoimentos de jovens que, alcançados pela política de cotas, conseguiram realizar o sonho de ingressar na Universidade. Aí percebo um otimismo quase unânime, que comporta críticas pontuais absolutamente naturais. Pelas notícias que nos chegam, a aceitação e integração dos jovens afrodescendentes com os demais estudantes universitários têm superado as expectativas, revelando, ainda, mais uma porção generosa da alma brasileira.

Gradualmente passaremos a integrar à elite pensante brasileira milhares de jovens aos quais vinha sendo negado um dos mais comezinhos direitos no mundo contemporâneo: o de obter uma formação educacional capaz de permitir a realização de todas as suas potencialidades humanas, em seu próprio benefício, mas também em favor de toda a sociedade. Isso é motivo de celebração.

A ação afirmativa, que tantas e tão positivas mudanças garantiu à sociedade norte-americana a partir dos anos 60, é o caminho que o Brasil deverá seguir nas próximas décadas, a fim de encerrar uma história de iniqüidades que ainda hoje nos atingem. Estou certo de que somente nessa linha conseguiremos formar uma Nação forte, arrojada e bem estruturada, apta ao enfrentamento dos crescentes e complexos desafios que se apresentam a toda a humanidade.

Fico feliz ao constatar que os primeiros e necessários passos superam a timidez e o conservadorismo que pareciam nos condenar ao abominável atraso do segregacionismo. O Brasil, por meio de suas lideranças e da ação articulada de sua sociedade, toma, enfim, um rumo preciso para assegurar uma vida melhor e mais digna para todos os seus filhos.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/04/2005 - Página 10131