Discurso durante a 49ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Grilagem de terras na Amazônia.

Autor
Ana Júlia Carepa (PT - Partido dos Trabalhadores/PA)
Nome completo: Ana Júlia de Vasconcelos Carepa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FUNDIARIA.:
  • Grilagem de terras na Amazônia.
Publicação
Publicação no DSF de 27/04/2005 - Página 10472
Assunto
Outros > POLITICA FUNDIARIA.
Indexação
  • DENUNCIA, GRILAGEM, TERRAS, REGIÃO AMAZONICA, AUTORIA, EMPRESA PRIVADA, UTILIZAÇÃO, FALSIFICAÇÃO, DOCUMENTO, VIOLENCIA, SUSPEIÇÃO, CONLUIO, JUDICIARIO, POLICIA MILITAR, POLICIA CIVIL.
  • NECESSIDADE, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), TERRAS, SENADO, INVESTIGAÇÃO, DENUNCIA.

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, cada vez mais tem se revelado a teia que envolve a propriedade de terras de grandes grupos econômicos na Amazônia. A CPMI da Terra, recentemente debruço-se sobre o que é conhecida como a maior tentativa de grilagem do mundo: a reivindicação pela empresa C.R. Almeida de mais da 3 milhões de hectares de terras no Pará.

Hoje, trago ao conhecimento desta Casa mais um exemplo, não tão grande como o da C.R. Almeida, mas igualmente assustador : trata-se da reivindicação pela empresa Jari Celulose S/A, hoje pertencente ao grupo Orsa, de quase um milhão de hectares localizados no território do município de Almerim, no Pará.

Em 2004, a Corregedoria do Tribunal de Justiça do Pará cancelou o registro dos imóveis rurais que formavam esta área, todos averbados no cartório do município de Monte Alegre, reconhecendo à empresa tão somente o direito as benfeitorias realizadas e não à propriedade das terras.

A Desembargadora Carmecim Cavalcante, à época, verificou que áreas de posse foram transformadas em domínio no cartório de registro de imóveis de Monte Alegre. Foram inclusive tomadas providências contra a titular do cartório, Srª Maria Diva de Almeida Lins, responsável pelas averbações. Na decisão a então Corregedora assinalou : “Por ocasião do exame dos livros pôde-se constatar que a unificação das matrículas das áreas supostamente de propriedade da mencionada empresa deu-se de maneira ilegal, porquanto, além da propriedade do registro, observa-se a existência de bens imóveis sobre os quais a Jari deteria somente a posse”.

Na correição, constatou-se que desde as primeiras transcrições de terras em nome da Jari Celulose, em 1949, já havia irregularidades nos registros dos imóveis. A Gleba Jarí é o resultado de 84 assentamentos, alcançando uma extensão de 965,3 mil hectares. Em agosto de 1998, a empresa realizou a unificação das propriedades com a fusão das transcrições e matrículas. No processo, o que mera expectativa de direito, calcado em posses precárias, tornou-se com as boas graças da cartorária de Monte Alegre, propriedade de pleno direito, um absurdo.

O que mais chama atenção, é que mesmo tendo Almeirim tendo se desmembrado do município de Monte Alegre em 1989, a empresa realizou os registros no cartório de Monte Alegre nove anos depois, quando este sequer tinha, àquela altura, competência para fazê-lo. O que por si só já demonstrava a má fé da operação.

Como sempre, ao lado da grilagem caminha a violência contra os trabalhadores rurais. Principalmente após o cancelamento de seu título de propriedade, a Jari Celulose S/A tem recrudescido na agressão contra a população que mora e trabalha nas terras que a empresa tenta usurpar.

Em 15 de outubro de 2004, na delegacia de Monte Dourado, foi registrada a ocorrência policial nº 687188, onde os seguranças da empresa eram acusados de ameaçar trabalhadores rurais da localidade de Morada Nova, buscando expulsá-los de suas terras.

A ameaça concretizou-se em 23 de fevereiro do corrente, quando seguranças da Jarí, acompanhados de policiais militares e civis, derrubaram casas de trabalhadores rurais, queimaram plantações e ameaçaram matar quem permanecesse na localidade, cuja as terras a Jarí pretende se apossar ilegalmente.

Pior ainda, no último dia 06 de abril, os trabalhadores denunciam que em audiência realizada em Almeirim, para apreciar o processo nº 2005/200140-8, onde seriam apuradas as ameaças feitas pelos funcionários da empresa, os agricultores teriam sido surpreendidos com o desaparecimento do processo de toda a documentação entregue na delegacia de Monte Dourado.

Mais grave ainda, no mesmo processo o juiz local, Sr. Emerson Benjamim Pereira de Carvalho, é acusado pelos agricultores de “trancar-se” por quase três horas em seu gabinete com os advogados da empresa, não permitir a juntada de provas aos autos pelos agricultores, como as fotos das casas queimadas e ainda, às vésperas da audiência ter recebido como “doação” da Jari um carro 0 km. São acusações graves contra o magistrado, das quais não cabe prejulgamento sobre sua procedência ou não, mas devem ser prontamente apuradas pela Corregedoria do Tribunal de Justiça do Pará, assim como foi exemplarmente feito no caso dos registro ilegais.

O resultado de tudo isso somente poderia vir a tona em uma atitude desesperada e de revolta daquela população injustiçada. Com efeito, ontem, cerca de 160 trabalhadores rurais, vindos de Almeirim, ocuparam a sede do Instituto de Terras do Pará (Iterpa), reivindicando justamente a regularização dos cerca de um milhão de hectares de terras no município, reivindicados pela Jari, e onde habitam hoje cerca de três mil famílias, algumas já há meio século.

É urgente a ação do Poder Público em todas as esferas para evitarmos que naquela região aconteça uma nova tragédia. Diante das irregularidades, é preciso que o Ibama reavalie o Plano de Manejo Florestal Empresarial explorado pela Jari e aprovado em 2001, pois uma das denúncias mais graves dos trabalhadores rurais, dá conta de que este plano vem sendo usado como fachada para exploração ilegal e predatória. Bem como seja instaurada sindicância para apurar-se a conduta de fiscais do órgão, lotados no Amapá, que estariam acobertando ações ilegais da empresa.

É urgente a presença da Ouvidoria Agrária Nacional na região, para buscar juntamente com o Instituto de Terras do Pará uma solução para o conflito, através de uma ação urgente do Iterpa, órgão de terras do estado a quem cabe a obrigação de discriminar imediatamente, as terras que possam ser de propriedade da Jari daquelas cuja posse/propriedade é pertencente aos trabalhadores rurais e ao Estado. Para defender não só os agricultores como também o patrimônio público, na forma de grande extensões de terras, que está sendo saqueado.

É preciso que as corregedorias da PM e da Polícia Civil, assim como o Ministério Público, investiguem o envolvimento de membros das corporações na ações daquilo que podemos chamar de “jagunçagem” em favor da Jarí.

Por fim, e aqui vai uma sugestão ao senador Álvaro Dias, que a CPMI da Terra possa incluir este conflito na sua pauta de audiências, tanto pela extensão da região atingida, como pelas diversas evidências de atitudes ilegais cometidas por um poderoso agente econômico.

Essas são sugestões emergenciais, que partem da reivindicação que é hoje apresentada pelos trabalhadores de Almeirim, que podem ser resumidas em um único pedido : paz para trabalhar. Não é possível que ao menos isto o Estado brasileiro não consiga garantir a seus cidadãos.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/04/2005 - Página 10472