Discurso durante a 51ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Destaque para o aniversário de 80 anos da mãe-de-santo Stella de Oxossi, que serão comemorados na Bahia no próximo dia 2 de maio. Considerações sobre a história do Candomblé no Brasil, e sua origem na África Ocidental.

Autor
Rodolpho Tourinho (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Rodolpho Tourinho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Destaque para o aniversário de 80 anos da mãe-de-santo Stella de Oxossi, que serão comemorados na Bahia no próximo dia 2 de maio. Considerações sobre a história do Candomblé no Brasil, e sua origem na África Ocidental.
Aparteantes
Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 29/04/2005 - Página 12671
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, MULHER, LIDER, ASSISTENCIA ESPIRITUAL, RELIGIÃO, CULTURA AFRO-BRASILEIRA.
  • REGISTRO, ORIGEM, EVOLUÇÃO, SEITA RELIGIOSA, PREDOMINANCIA, ESTADO DA BAHIA (BA).

O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na próxima segunda-feira, dia 2 de maio, a Bahia celebra, com enorme alegria, os 80 anos de vida de uma das mais importantes personalidades baianas: Mãe Stella.

Maria Stella de Azevedo Santos, Mãe Stella de Oxossi. Mãe Stella. Odé Kayodê, seu nome religioso, como se diz em iorubá, a principal língua africana dos rituais nos Candomblés de minha terra.

A religião dos orixás, praticada hoje pelos afrodescendentes, veio da Costa Ocidental da África com os escravos, desde os primórdios da colonização portuguesa, de forma dispersa, e, a partir do final do século XVIII, institucionaliza-se no famoso Terreiro do Alaketo, o mais antigo candomblé da Bahia. Deste momento em diante, os candomblés se constituem num foco de resistência cultural muito grande.

As comunidades-terreiros são quilombos, na verdade, protegidos, além do mais, pelo mistério, pelo segredo, pelo temor reverencial que a religião inspira.

As Grandes Mães de Santo foram as estrelas guias da luta do povo negro pela libertação e afirmação na sociedade global, reproduzindo no Brasil um matriarcado que já traziam da tradição africana.

Antes mesmo da Abolição, Mães de Santo negras alforriadas e produtivas economicamente, foram capazes de comprar ou arrendar terras nos arredores de Salvador e nelas implantar seus terreiros. Com a Abolição, esse processo se acelerou.

Em torno das ialorixás, de sua liderança religiosa e comunitária, foram se agrupando os negros, escravos fugidos, alforriados e outros que nos terreiros encontraram o alimento material e espiritual de sua afirmação como povo e como cultura. Tudo isso viu, muito bem, Ruth Landes, pesquisadora americana, em seu livro clássico sobre Salvador, The City of Women (Cidade das Mulheres) em que ela conta como as mães de santo haviam assumido papéis masculinos nas comunidades-terreiros e governavam como rainhas.

Foi assim no Terreiro do Alaketo, que tem hoje como rainha Olga Regis, Olga do Alaketo, Oyá Fumi, seu nome religioso. Foi assim também no Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho, Ilê Yá Nassô Oká, fundado no início do século XIX por outra Grande Mãe, a Yá Nassô, que havia sido vendida para o Brasil após a queda do reino de Oyó, em guerra com árabes e negros muçulmanos.

Da Casa Branca sai o Terreiro do Gantois, implantado por Maria Júlia da Conceição Nazaré, que arrendou as terras de um belga nos arredores de Salvador, dando início a uma dinastia.

Hoje, o Gantois está no perímetro urbano, sua rainha é Mãe Carmem da Conceição Nazaré, outra Grande Mãe de Santo, sucedendo a Mãe Cleuza, filha da famosa Mãe Menininha do Gantois, Maria Escolástica da Conceição Nazaré, que reinou absoluta no mundo mágico da Bahia durante décadas, tendo morrido após os 90, quase 100 anos de idade. Mãe Menininha, outra grande figura da Bahia, foi sucessora de Mãe Pulcheria, responsável por tornar a casa tão famosa que os termos canzuá e ganzuá, corruptelas de Gantois, são usados como sinônimo de candomblé, como nos ensina Edson Carneiro, em seu famoso livro Candomblés na Bahia.

E foi assim também no Ilê Axé Opô Afonjá, candomblé de São Gonçalo, fundado pela Grande Mãe Eugênia Anna dos Santos, Mãe Aninha, Oba Biyi, em 1910.

Mãe Aninha era uma verdadeira estadista e fundou o Ilê Axé Opô Afonjá como uma réplica do reino Oyó, na Nigéria. Este terreiro atingiu um grau de nobreza, sendo, inclusive, a única casa no mundo que possui o corpo dos Doze Obas de Xangô, corpo mítico e místico de doze reis que se agruparam em torno da hegemonia de Xangô, rei supremo de todos os iorubas.

Foram Obas de Xangô: o escritor Jorge Amado, os pintores Carybé e Genaro de Carvalho. São Obas de Xangô: o cantor Dorival Caymmi, o Ministro Gilberto Gil, Luis Roberto Nascimento Silva, Antônio Olinto, Muniz Sodré, o escritor e poeta Ildásio Tavares, entre outros. Para mim é uma grande honra fazer parte desse grupo de pessoas do Opô Afonjá.

Após Mãe Aninha, Oba Biyi, Eugênia Anna dos Santos, a fundadora do Ilê Axé Opô Afonjá, vieram Mãe Bada, Olufan, Deyi, por pouco tempo, e a renomada Mãe Senhora, Maria Bebiana do Espírito Santo, Oxum Muiwá, tão grande que Vinícius de Morais a saudou no “Samba da Benção” como a maior ialorixá do Brasil. Sucedeu-a Mãe Ondina, Mãezinha, Ondina Valéria Pimentel, que se projetou por sua clarividência e generosidade.

E agora, em toda sua majestade, reina no mundo religioso afro-brasileiro como sua ialorixá suprema, Maria Stella de Azevedo Santos, Mãe Stella de Oxossi, que, repito, no próximo dia 02 de maio estará completando 80 anos de vida e quase 70 anos de sacerdócio.

Maria Stella de Azevedo Santos pertence a uma tradicional família negra da Bahia, família de negros formados, professores, profissionais liberais, o que, na época, infelizmente, era coisa rara no meu Estado. Foi iniciada no candomblé muito cedo, com 14 anos, por Mãe Senhora que logo dela se afeiçoou e por ela teve predileção. A confiança de Mãe Senhora em Maria Stella era tanta que começou a prepará-la para ser sua sucessora. No Axé Opô Afonjá a sucessão não é dinástica, ou seja, não é familiar.

Mãe Stella cedo foi escolhida para o posto de Kolobá, um importante posto na casa de Xangô e dividia suas funções sacerdotais com sua profissão de enfermeira, que exerceu até se aposentar. Mãe Stella teve uma educação primorosa no Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, da famosa educadora Anfrísia Santiago, sendo sempre distinguida por esta grande mestra.

Pode-se dizer que Mãe Stella é a primeira das grandes Mães de Santo que tiveram um trânsito exitoso no terreiro, e, na sociedade global, como ialorixá, como enfermeira e como personalidade intelectual negra.

Ela é, sem dúvida, das primeiras a fazer a conexão do candomblé com a sociedade global, repito, fazendo-se inclusive respeitar pelo mundo leigo. Afirmou seus valores perante as demais religiões, escreveu livros, fez conferências, participou de congressos, encontros e seminários em todo Brasil e no exterior, representando, em todo seu saber, brilho e dignidade a cultura afrodescendente do Brasil, como uma verdadeira embaixadora cultural do nosso País.

Por todas essas razões, Mãe Stella merece nossa homenagem pelo transcurso de uma data tão significativa quanto seus 80 anos. E merece muito mais do que nossa homenagem, muito mais do que minhas modestas palavras: ela merece a admiração e o respeito desta Casa e de todo Brasil; o reconhecimento e a gratidão do povo brasileiro e, em especial, dos afrodescendentes que ela tão bem representa.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, com grande satisfação, o povo baiano prestará as devidas homenagens a Mãe Stella através da realização de vários eventos culturais, todos motivados pela passagem de seu aniversário, de hoje, dia 28, até segunda-feira, dia 02 de maio.

Dentro da programação de festividades, haverá, na sexta-feira, dia 29, às 18 horas, no Museu de Arte Moderna (MAM), da Bahia, a abertura da exposição Faraimará, que em iorubá significa “todos nós estamos nos abraçando”, em alusão ao papel agregador de Mãe Stella. A mostra, organizada pelo Diretor do Museu de Arte Moderna, Dr. Heitor Reis, reunirá obras de nomes como o pintor Carybé; o fotógrafo, sociólogo e antropólogo Pierre Verger; Mário Cravo; Mário Cravo Neto; Rubem Valentim; Mestre Didi e Tati Moreno.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no ano decretado como Ano da Promoção da Igualdade Racial, e no momento em que tramita no Senado Federal o Estatuto da Igualdade Racial, de autoria do Senador Paulo Paim, aqui presente, e que tenho a honra de relatar na Comissão de Assuntos Sociais, vejo como uma feliz e caprichosa coincidência a comemoração dos 80 anos da vida de Mãe Stella.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA) - Concedo um aparte ao Senador Paulo Paim.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador Rodolpho Tourinho, eu, quando aqui pedi o aparte, observava o seu discurso há cerca de dez minutos e não sabia que V. Exª ia tocar no Estatuto da Igualdade Racial. O aparte que eu pretendia fazer - e na mesma linha o farei ainda - fala da minha alegria ao ver a sua exposição e o conhecimento de V. Exª sobre as religiões de matriz africana. V. Exª faz um discurso de solidariedade, mas se mostra também um grande conhecedor da caminhada dos povos afro-brasileiros. V. Exª mostra que conhece a história da comunidade negra não somente no Brasil, mas também no mundo. Quando V. Exª, há um tempo, me disse que ia relatar o Estatuto da Igualdade Racial, eu de pronto fiquei satisfeito, por conhecer a forma grandiosa como V. Exª trata as questões raciais. Contudo, não sabia, confesso, que V. Exª é um estudioso desse tema. Fiquei sabendo agora, pelo pronunciamento que ora faz. Então o meu aparte é mais para homenageá-lo, porque V. Exª não é só o Relator do Estatuto da Igualdade Racial, mas também fez um belo relatório de um outro projeto, que, se estivesse aprovado, não permitiria o pagamento de fiança e a libertação daquele jogador argentino que ofendeu o jogador Grafite. Por isso, o cumprimento que faço neste momento é rendendo a V. Exª as homenagens pelo trabalho que faz na Comissão de Assuntos Sociais e nas outras comissões, sempre com o viés de atender àqueles que mais precisam. Parabéns a V. Exª!

O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA) - Muito obrigado, Senador Paulo Paim, pelas suas palavras. Eu reafirmo aqui o meu respeito por essa religião; reafirmo aqui a minha grande admiração por toda a cultura negra e pelos negros.

E é neste exato momento que faço essa homenagem a Mãe Stella, porque tenho certeza que sua história de vida representa, de forma inequívoca, uma luta pela afirmação da raça e da cultura negra no País e no mundo.

Em nome do povo da Bahia, que represento nesta Casa, saúdo e desejo muitos anos de sabedoria e felicidade a Mãe Stella.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/04/2005 - Página 12671