Discurso durante a 53ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem ao Trabalhador pela passagem do Dia Mundial do Trabalho.

Autor
Geraldo Mesquita Júnior (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AC)
Nome completo: Geraldo Gurgel de Mesquita Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao Trabalhador pela passagem do Dia Mundial do Trabalho.
Publicação
Publicação no DSF de 03/05/2005 - Página 13004
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • COMENTARIO, HISTORIA, LUTA, TRABALHADOR, AUMENTO, SALARIO MINIMO, GOVERNO, GETULIO VARGAS, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, SEMELHANÇA, GOVERNO, ANTERIORIDADE, REGISTRO, INFERIORIDADE, PODER AQUISITIVO, DESEMPREGO, SUBEMPREGO, DESCUMPRIMENTO, PROMESSA, CAMPANHA ELEITORAL, REPRESALIA, OPOSIÇÃO, SENADOR, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), DEBATE, POLITICA SALARIAL.
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, TRABALHADOR, NECESSIDADE, RESPEITO, BRASILEIROS.

O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (P-SOL - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, senhoras e senhores que representam de uma forma ou de outra os trabalhadores públicos e privados deste País, os aposentados, os inativos e até os desempregados deste País, discutindo as melhores e as piores formas de governo em seu livro notável, intitulado Considerações sobre o Governo Representativo, escrito em 1861, o filósofo inglês John Stuart Mill escreveu que “é verdade que um déspota pode educar um povo; e, se realmente o fizesse, esta seria a melhor desculpa para o seu despotismo”.

Se tivéssemos um déspota que garantisse a todos os brasileiros três refeições por dia, seguramente tal fato justificaria o seu despotismo, segundo a concepção daquele filósofo. Nem isso, no entanto, fomos capazes de conseguir até hoje. Mas se os déspotas que tivemos ao longo de nossa história não foram capazes de educar o nosso povo, nem ao menos de dar-lhe três refeições todos os dias, não deixa de ser lamentável ter sido um déspota, no pleno exercício de seus poderes discricionários, quem sistematizou e materializou um conjunto de medidas que constituíram a política social de natureza trabalhista. Política que ainda hoje prevalece, permanece, subsiste no Brasil com alguns poucos e tímidos avanços, nos últimos 70 anos, desde que a Lei nº 185, de 16 de janeiro de 1936, instituiu o salário mínimo, cujo valor de 240 mil réis só foi fixado no dia 4 de julho de 1940, em plena ditadura do Estado Novo. Em razão da mudança do padrão monetário nesse mesmo ano, seu valor foi corrigido em 1º de dezembro para 380 cruzeiros.

Passaram-se quase 9 anos sem que o salário mínimo fosse reajustado, o que só veio a ocorrer quando o déspota, já presidente eleito, o corrigiu para 1,2 mil cruzeiros, em 1º de maio de 1952. Quando seu Ministro do Trabalho anunciou nova correção dois anos depois, a reação dos quartéis fez-se imediata pelo pronunciamento conhecido como “manifesto dos coronéis”, documento em que os militares insurgentes, seus signatários, exigiram a destituição do Ministro por julgar sua proposta subversiva! Hoje são circunstâncias pouco associadas, os fatos de que, não tendo como resistir à pressão militar, o Presidente cedeu exonerando o Ministro do Trabalho, mas, em decreto simultâneo, para deixar claro o seu inconformismo, demitiu também o titular da Pasta da Guerra. Pela primeira vez em seu Governo, Getúlio não pôde fixar o salário mínimo no dia 1º de maio, como já tinha-se tornado tradição. Em 4 de julho, porém, assumiu a proposta do seu ex-Ministro e reajustou o seu valor em 100%, o que jamais havia ocorrido nem viria a ocorrer jamais no País. Um mês e quatro dias depois, sob ameaça de deposição, saiu da vida para entrar na história. A vitória dos trabalhadores implicou um gesto de desespero sem precedentes na história política contemporânea por parte de um chefe de Estado.

Por esse breve relato, Sr. Presidente, pode-se constatar como, desde o início, foram incerta, insegura, tortuosa e sangrenta a história e as poucas vitórias desse pequeno benefício concedido aos trabalhadores brasileiros, na era moderna. Sangrenta e violenta tem sido a singradura de todas as lentas conquistas sociais dos trabalhadores em todo o mundo. Não só as de natureza trabalhista, mas sobretudo as resultantes de suas lutas sindicais e de suas reivindicações políticas, de que o mais eloqüente exemplo é a universalização do direito de voto para os homens, em meados do séc. XIX.

“Neste País, as chamadas classes trabalhadoras podem ser consideradas como excluídas de toda participação direta no governo”. Não são minhas essas palavras, Sr. Presidente, nem eu seria injusto a ponto de pronunciá-las em relação ao Brasil. Mas na Inglaterra de seu tempo, Stuart Mill justificava sua crua afirmação com duas inquietantes perguntas para a época: quando o Parlamento ou qualquer um de seus membros alguma vez já examinou uma questão qualquer com os olhos de um trabalhador? Quando um assunto de interesse para ditos trabalhadores é levantado e examinado de um ponto de vista diferente daquele dos patrões?

No Brasil, seriam perguntas injustas se feitas ao Parlamento a que pertencemos. Nós temos uma ativa representação de trabalhadores nas duas Casas do Congresso. Mais do que um partido trabalhista, tal como o que existe hoje no poder na Inglaterra por dois períodos consecutivos de governo, temos não só um, mas vários partidos dos trabalhadores, além de um presidente da República, chefe de governo e de Estado, que se pode orgulhar de sua dupla militância, antes de se tornar um político profissional: a de trabalhador do setor metalúrgico e a de dirigente sindical.

Se não ouso fazer minhas as perguntas de John Stuart Mill, também não me constrange indagar qual o sentido das comemorações de hoje nesta sessão solene convocada de forma legítima, justificada e procedente para celebrarmos o Dia do Trabalho e, simultaneamente, homenagearmos os trabalhadores brasileiros. Será porventura a entrada em vigor do reajuste do salário mínimo de R$1,33 por dia, nos meses de 30 dias, e de R$1,29 por dia, nos meses de 31 dias, importâncias que não pagam uma passagem de ida ao trabalho de 34 milhões de trabalhadores que cumprem essa jornada a pé, por falta de recursos? Ou será o fato de que, no ano anterior à posse do atual Governo, 11,1% dos trabalhadores com carteira assinada das seis maiores regiões metropolitanas ganhavam menos de um salário mínimo, nível que até o mês passado tinha aumentado para 16,7% e que, a partir de hoje, deve crescer ainda mais? Ou será a esperança de que, no ano que vem, último do atual Governo, será finalmente cumprida a promessa de dobrar o valor de seu poder aquisitivo? Ouviremos aqui, porventura, dos líderes do Partido hoje no poder, o anúncio do reinício da campanha desencadeada em 1996, para que o Governo anterior promovesse a recuperação histórica do mínimo, que já no ano passado, segundo os cálculos do Dieese, deveria ser de R$1.440,00?

Há perguntas que não podem calar, Srªs e Srs. Parlamentares, senhores e senhoras aqui presentes. O que comemoramos, afinal? O subemprego, a subocupação, o desemprego ou a sub-remuneração? Estaremos celebrando o fato de que há pelo menos dois anos não cumpre o Governo as metas por ele mesmo estabelecidas de assentamentos para os sem-terra ou as promessas de programas de habitação popular para os sem-teto? Será por acaso o sucesso do programa Primeiro Emprego, que já acabou, ou do Agente Jovem, que ainda nem começou?

Estima-se que, se a queda do poder aquisitivo dos 10% mais pobres da população continuar sendo de 5% ao ano, como vem ocorrendo, em 2020 - dois anos antes, portanto, de comemorarmos mais um centenário de nossa Independência - a pobreza em nosso País terá sido varrida do mapa por eliminação física decorrente da inanição, e assim teremos, talvez, finalmente cumprido a meta do milênio, de acabar com a pobreza. E os que tiverem a ventura de sobreviver 34 anos mais, desde que o atual Presidente permaneça no poder até 2054, poderão, finalmente, ver atendida a promessa de Sua Excelência de dobrar o poder aquisitivo do salário mínimo em seu Governo.

Não restrinjo minhas críticas somente ao atual Governo. Apenas constato que, lamentavelmente, seu desempenho segue o mesmo padrão dos anteriores. Enquanto a taxa de desemprego nas seis maiores regiões metropolitanas cresceu de 4,7% sobre a respectiva população economicamente ativa em 1995, para 13% em 2003, o rendimento médio dos ocupados, no mesmo período, caiu de R$725,00 para R$636,00, em uma equação perversa: desemprego em alta, rendimentos em queda. A renda do trabalho, que na década de 50 do século passado era 70% do Produto, caiu para 30% meio século depois.

O que sobressai e surpreende no atual Governo em relação aos Governos anteriores é o comportamento do poder em relação aos que entendem chegada a hora de começarmos a corrigir as graves distorções sociais do Brasil, os empecilhos que entravam o desenvolvimento e as ilhas de atraso que mantêm inúmeros setores atados ao passado, sem que haja providências visíveis para corrigir tais situações. Nós aqui na Casa formos testemunhas das represálias ostensivas de que foi vítima nosso colega Senador Paulo Paim, quando, coerente com seu passado de lutas em favor da correção do poder aquisitivo do salário mínimo, manteve a postura que só o dignifica de defender, quando o seu Partido chegou ao poder, as mesmas reivindicações e posturas que constituíram sua bandeira de luta ao longo de mais de duas décadas de militância na Oposição. Aqueles que ousam desmascarar a tibieza deste Governo errante em relação à classe trabalhadora brasileira são alvo de retaliações que não conseguem esconder o propósito sórdido de nos calar e nos afastar do debate político. Não vão conseguir.

Reconhecemos que, a despeito deste ou daquele Governo, os trabalhadores urbanos brasileiros dispõem hoje de poder, força e capacidade de mobilização, para a defesa de suas reivindicações. Sua capacidade de luta foi extraordinariamente reforçada depois da redemocratização proporcionada pela Constituição em vigor. Deles, e de sua atuação, só podemos esperar avanços sociais, progresso econômico e conquistas coletivas em matéria de direitos humanos, trabalhistas e sindicais. No entanto, é nosso dever não esquecermos as levas de sem-terras acampados nas margens das rodovias, em quase todo o Brasil, que aguardam, por anos a fio, que lhes asseguremos o direito de acesso à terra e as condições dignas para que possam viver e, produzindo, cooperarem para o desenvolvimento da agricultura brasileira. Temos de lembrar, todos os dias, os cinco milhões de trabalhadores sem teto, sem abrigo e sem condições mínimas de saúde, educação, saneamento para que possam sobreviver integrados à comunhão nacional. É preciso denunciar, com veemência, sem descanso e com medidas corretivas ainda pendentes do Congresso, a chaga social do trabalho em condições análogas à escravidão. É preciso redimir do esquecimento, da marginalidade, do desprezo e da indiferença os milhões de brasileiros que clamam por trabalho e pedem, no Dia do Trabalho e no Dia do Trabalhador, o acesso a esse direito universal que, inscrito na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, subscrita pelo Brasil inclusive, assegura a todos o elementar direito de trabalhar com dignidade.

Viva o povo brasileiro!

Vivam os trabalhadores brasileiros! (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/05/2005 - Página 13004