Discurso durante a 58ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões sobre o papel do Mercosul no processo de integração regional.

Autor
Marco Maciel (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).:
  • Reflexões sobre o papel do Mercosul no processo de integração regional.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 10/05/2005 - Página 13785
Assunto
Outros > MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).
Indexação
  • ANALISE, CRIAÇÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), COMENTARIO, IMPORTANCIA, HISTORIA, REGIÃO, RIO DA PRATA, VINCULAÇÃO, SOBERANIA NACIONAL.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), INTEGRAÇÃO, COOPERAÇÃO, ECONOMIA, POLITICA, CULTURA, PAIS, REGIÃO, RIO DA PRATA.
  • ELOGIO, MODELO, UNIÃO EUROPEIA, COOPERAÇÃO, ECONOMIA, POLITICA, SOCIEDADE, OBJETIVO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
  • COBRANÇA, PROVIDENCIA, GOVERNO FEDERAL, REFORÇO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), BENEFICIO, INTEGRAÇÃO, REGIÃO.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Tião Viana, Srªs e Srs. Senadores, pode parecer estranho dizer o óbvio, isto é, que o Mercosul é importante para o Brasil e os países que o integram, quer como membros instituidores, quer como membros associados.

O Mercosul foi iniciado com o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, assinado entre o Brasil (governo José Sarney) e a Argentina (governo Raul Alfonsín), em 1988, portanto há dezessete anos. É uma instituição que responde aos anseios mais lídimos dos países do Cone Sul, que são os seus membros fundadores.

Quando do seu lançamento, o Mercosul despertava grande interesse no Brasil e nos seus vizinhos, pois se percebia que um processo de integração, com grande potencial de sucesso, estava sendo promovido. Fazia parte do entendimento corrente a noção de que o Mercosul poderia significar um amplo espectro de benefícios políticos, econômicos, sociais e culturais.

Os ganhos no comércio poderiam ser até a parte mais visível e mais imediata. No entanto, entendia-se também que esse processo de enlace teria desdobramentos mais profundos e duradouros para as nações que o integrassem. Na verdade, os fatos mais marcantes que desencadearam o lançamento do Mercosul haviam sido políticos. Ou seja, em larga medida, a iniciativa foi produto do jogo diplomático que, de forma exemplar, transformou em cooperação as divergências surgidas entre a Argentina e o Brasil acerca do desenvolvimento dos seus respectivos programas nucleares, levando também em consideração a solução de contenciosos, sobretudo aqueles relativos às usinas hidroelétricas de Corpus e de Itaipu.

O imediato engajamento nesse projeto de cooperação do Paraguai e o do Uruguai, que rapidamente perceberam seu alcance e seu potencial, transformou o Mercosul em realidade.

Quando o Tratado de Assunção foi assinado, em 1991, havia grande entusiasmo com a perspectiva de que essa iniciativa iria efetivamente fortalecer as economias nacionais permitindo assim uma inserção mais vantajosa no mundo de relações globalizadas. Além disso, vislumbrava-se também o potencial do Mercosul como fator de consolidação dos regimes democráticos que se reinstalavam na região, podendo ainda, à medida que o projeto de integração avançasse, contribuir para o fortalecimento de todas as demais nações da América do Sul.

Será que hoje essas perspectivas de benefício deixaram de existir? Será que o mundo mudou tanto que a região perdeu completamente sua importância para as relações externas do Brasil?

Se olharmos a região numa perspectiva histórica, veremos que a região do Prata, que corresponde exatamente à intersecção dos Países integrantes do Mercosul, sempre foi essencial para o Brasil. Desde a Independência, foi a única região onde o País foi obrigado a travar batalhas, nas quais a integridade territorial e a segurança da Nação estiveram efetivamente em jogo diante de ameaças estrangeiras diretas.

A propósito, Sr. Presidente, lembro, por oportuno, que foi no dia 1º de maio de 1865 - há exatos 140 anos, portanto - que a Argentina, Brasil e Uruguai selaram a Tríplice Aliança, para derrotar Solano Lopes na mais sangrenta guerra entre nações sul-americanas.

As questões do Prata, desnecessário frisar, sempre foram aquelas que mais exigiram talento e aplicação da nossa competente diplomacia.

Em discurso na Câmara dos Deputados, o Visconde do Rio Branco, pai e inspirador daquele que viria a ser considerado o patrono da diplomacia brasileira, o Barão de Rio Branco, afirmava:

“Vejo as nossas relações com os Estados do Prata sob um aspecto muito desagradável... espero que o Governo Imperial proceda não só com o tino e a energia que se lhe recomenda, mas também com a sabedoria e a prudência de que tem dado tantas provas...”

Será que o mundo mudou tanto que essa região deixou de ter essa importância crucial? Ou será que as relações com os países da região já atingiram um tal nível de entendimento que podemos olhar despreocupadamente para as relações inter-regionais?

Com certeza, não é o que os fatos correntes mostram. Ao contrário, o incremento das relações entre os países do Prata trouxe a necessidade de rever e adequar, constantemente, tanto os padrões normativos que regem especificamente o intercâmbio entre os países quanto os dispositivos legais, sociais, econômicos, culturais e políticos da ordem interna das nações integrantes do bloco.

O fluxo de comércio e de investimentos pode ter sofrido abalos decorrentes das crises que se abateram sobre as economias argentina e brasileira, mas vem, rapidamente, retomando a tendência ao crescimento. Igualmente, o fluxo de turistas e de imigrantes, bem como a cooperação entre profissionais e entre estudantes e pesquisadores, também voltaram a crescer.

São muitas, contudo, as questões ainda não resolvidas envolvendo as nações do Prata e que se têm agravado à medida que a integração real da região avança e que o entendimento político e diplomático é negligenciado.

Certamente, não se pode esquecer de que um arranjo como o Mercosul é um projeto de cooperação que depende da vontade compartilhada de várias nações, mas, por outro lado também, não se pode esquecer que, nesse projeto, o Brasil tem um papel crucial. Em outras palavras, a vontade brasileira sozinha é insuficiente para promover esse projeto de integração. Mas, de outro lado, sem uma disposição clara e inequívoca do Brasil, a consolidação do bloco também fica comprometida. Além disso, a condição geográfica é um fato, e não um elemento neutro que possa ser acionado ou deixado de lado, dependendo apenas da vontade daqueles que, momentaneamente, têm a responsabilidade de conduzir o Governo.

A propósito, lembremo-nos de que Napoleão dizia que a história das nações é condicionada à Geografia. Daí por que, observa o Ministro Rubens Ricupero, Braudel reintroduziu a Geografia no coração da história.

Não se trata de um acaso o fato de que, ao longo da história do Brasil como nação independente, as relações com os países do Prata tenham sido problemáticas e sensíveis. Foi no Prata que, tal como ocorreu na Europa, um acre de terra ou um curso d’água podiam se transformar numa acirrada disputa. Mas, igualmente, tal como ocorreu na Europa, essas mesmas condições de rivalidade e disputa traziam consigo o potencial para proporcionar as bases para uma integração efetiva e profícua.

Saenz Peña, um dos mais notáveis presidentes da República Argentina, em visita ao Brasil em 1910, declarara: “Tudo nos une; nada nos separa”. Um pouco mais adiante, Perón observou: “O Século XXI nos encontrará unidos ou dominados”.

Em vista disso, o Barão do Rio Branco, o patrono da diplomacia brasileira, precisa ser lembrado com mais freqüência. Não como mera reverência, mas pela visão e sabedoria com que conduziu a ação diplomática do Brasil. Mesmo quando recomendou a aproximação com os Estados Unidos, o fez para insistir que as relações com os país platinos constituíam parte essencial de sua estratégia de ação. Com efeito, na ótica do Barão, entre as razões que tornavam essa aproximação importante, estava sua preocupação em evitar que a ação da grande potência emergente na América do Norte viesse a se tornar um favor de desestabilização da já conturbada região do Prata. Usando o pseudônimo de J. Penn, Rio Branco escrevera: “Washington foi sempre o principal centro das intrigas e dos pedidos de intervenção contra o Brasil por parte de alguns de nossos vizinhos, rivais permanent4es ou adversários de ocasião”.

A respeito da atenção e do cuidado com que Rio Branco tratava as questões do Prata, peço-lhes permissão para lembrar dois episódios extremamente reveladores.

O primeiro deles ocorreu em 1894, quando recebeu o laudo arbitral do Presidente Cleveland em Washington, no qual ficava configurada uma vitória verdadeiramente completa na disputa com a Argentina sobre a questão de Palmas. Recebido o laudo arbitral, Rio Branco preferiu voltar diretamente para a Inglaterra, onde servia como agente consular, ao invés de passar pelo Rio de Janeiro, onde receberia calorosas e merecidas homenagens. No seu entendimento, essas homenagens poderiam ofender as sensibilidades da Argentina causando, portanto, um dano desnecessário às relações com a nação vizinha. Rio Branco entendia que era muito mais importante cultivar a amizade com a Argentina do que dar curso ao seu sentimento de júbilo ou mesmo colher os dividendos políticos que renderiam ao governo que o nomeara para aquela missão.

Citar Rio Branco, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é recordar sua política externa, cujos princípios se transformaram em paradigmas que ainda hoje são extremamente válidos. Entre eles, friso mais uma vez, estava o de conferir atenção preferencial ao Prata ou, trazendo para a semântica de nossos tempos, conferir prioridade ao Mercosul.

Outro episódio no qual avulta a importância que Rio Branco atribuía à região do Prata teve como oriigem os termos dos acordos que selaram as fronteiras entre o Brasil e o Uruguai. Assinados os acordos, o Presidente do Uruguai em mensagem ao Congresso daquele país declara que “a Chancelaria brasileira concedeu ao Uruguai muito mais do que a nossa diplomacia pediu em todos os tempos, e aceitou muito menos que essa mesma diplomacia ofereceu, como compensação, em suas primeiras gestões”. 

É evidente que um estadista da envergadura de Rio Branco jamais faria concessões em detrimento dos interesses nacionais. Os historiadores concordam em que as concessões a que se refere o então Presidente do Uruguai poderiam significar muito para o país vizinho e representar para nós a construção de um sentimento de integração e amizade entre as duas nações-irmãs.

Componente a ser lembrado no Mercosul, que o associa à melhor tradição da diplomacia brasileira - se diz, com propriedade, que o Itamaraty não improvisa - é o fato de que, friso, existe e - deve existir - a consciência de se evitar colocar o Brasil como líder do processo ou de exercer qualquer tipo de papel hegemônico.

Apesar das evidentes diferenças nas dimensões geográficas e econômicas entre seus países-membros, os construtores do Mercosul, ao longo de vários governos que se sucederam no Brasil e nos países parceiros nesse projeto, sempre tiveram presente a noção de que a condução do bloco deveria ser feita dentro do mais absoluto respeito aos princípios de soberania das partes, com concessões mútuas quando necessário e com a busca de consenso, ainda que isso significasse avançar mais lentamente no processo de integração que o desejado.

É certo que, no mundo de hoje, a diversidade e a complexidade das relações econômicas, sociais e políticas tornaram mais próximos os povos antes separados pelas limitações dos meios de comunicação e dos recursos tecnológicos em geral. Todavia, a proximidade geográfica, especialmente quando se trata de vizinhança fronteiriça, ainda continua sendo um fator condicionante para muitos aspectos das relações entre as nações. As extensas fronteiras entre o México, os Estados Unidos e o Canadá criam realidades que esses países são obrigados a manejar. Com esse propósito, foi criado o Nafta, que hoje constitui um dos instrumentos mais importantes nesse esforço de integração subcontinental.

Na Europa, o processo de integração não foi fruto apenas de iniciativas de estadistas como Jean Monnet e Maurice Schuman. Desde a Idade Média, a integração entre as nações européias era uma realidade traduzida em inúmeras formas de interação - entre elas, a forma mais dramática: a guerra. O que os estadistas do pós-guerra fizeram foi perceber que essa realidade geográfica e histórica poderia ser convertida num imenso processo de cooperação que transformasse as disputas comerciais e políticas em um fator de crescimento, do qual, de diferentes maneiras, todos os seus integrantes se beneficiariam.

Se isso é válido, Sr. Presidente, para os projetos de integração sub-regional observados em nosso hemisfério; se isso é válido para a União Européia, que agora acaba de avançar, inclusive com a aprovação de uma Constituição que deverá entrar em vigor em 2007 e significará um passo muito importante para que a Europa dos 25 se converta numa quase confederação; se esses avanços têm ocorrido no mundo, por que não olhar o Mercosul da mesma forma? Por que desprezar as energias latentes na região, que são muito semelhantes àquelas existentes na América do Norte e, sobretudo, na Europa?

Aliás, não estaria exagerando, se dissesse que a União Européia é certamente o modelo mais bem-sucedido de cooperação entre nações. Por que - insisto, Sr. Presidente - deixar o Mercosul marchar ao sabor das circunstâncias, buscando-se corrigir, geralmente a posteriori, suas dissintonias?

Parece que o atual Governo tem concedido, na minha opinião, baixa prioridade ao Mercosul, em contraste com as aspirações da sociedade brasileira e dos países que o integram.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Permite V. Exª um aparte?

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Logo concederei o aparte a V. Exª.

A história, mestra da vida, ensina que o sucesso de qualquer diplomacia de alcance mais abrangente depende de uma base sólida de cooperação no plano regional mais próximo. Isto é, mais uma vez, vem a componente geográfica, e o Mercosul, sob esse aspecto, é uma demonstração do que afirmo: a geografia nos ajuda a criar condições para um processo de desenvolvimento integrado.

Concedo o aparte ao Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Marco Maciel, evidentemente, o que V. Exª fala é muito oportuno - mas quero crer que devemos, sobretudo, ao Renascimento quando criaram a bússola. O nosso País tem de entender o que é democracia, o que é poder. Já estava quase fechado o Senado, o Poder Legislativo. E justamente a ignorância audaciosa. Senador Tião Viana, atentai bem: ninguém mais do que Rui Barbosa fez pelas Relações Exteriores, aqui no Senado. Ele foi Ministro da Fazenda, mas foi em Haia que se destacou, e em Buenos Aires a cada passagem. E aqui mesmo está a experiência, Senador Marco Maciel. Eu ia buscar Pedro Simon, que foi o pai do Mercosul. Quando Governador de Estado, S. Exª foi o primeiro a sonhar, a fomentar, a dar passos. E criou a primeira Secretaria de Ciências e Tecnologia. O que entendo é que o Poder Executivo tem de vir aqui, para buscar essa sabedoria tão bem representada pela sua experiência, somada à ousadia desse grande Líder do PT, o Senador Tião Viana, que reabriu o Senado.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Agradeço, Senador Mão Santa, seu aparte.

Sr. Presidente, concluo.

Enfim, não se podem esquecer as lições da história, não se pode abandonar o que de melhor a diplomacia brasileira já produziu. A visão, a sensatez, o pragmatismo e a percepção da importância do Mercosul são o que nos faz vir a esta tribuna, para cobrar um processo de fortalecimento da instituição, sob pena de vermos naufragar um processo de integração regional, que frutos de tanto êxito oferecem aos países que dele fazem parte.

Espero, portanto, que o Governo possa atentar para esses fatos e conferir ao Mercosul a relevância que tem, num mundo que se globaliza, que se associa, cada vez mais.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/05/2005 - Página 13785