Discurso durante a 59ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a elaboração dos Planos Diretores pelos municípios brasileiros e a importância do Estatuto das Cidades.

Autor
Sergio Guerra (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PE)
Nome completo: Severino Sérgio Estelita Guerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA URBANA. ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL.:
  • Considerações sobre a elaboração dos Planos Diretores pelos municípios brasileiros e a importância do Estatuto das Cidades.
Publicação
Publicação no DSF de 12/05/2005 - Página 14363
Assunto
Outros > POLITICA URBANA. ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL.
Indexação
  • REGISTRO, CAMPANHA, GOVERNO FEDERAL, CONCLAMAÇÃO, PREFEITO, CUMPRIMENTO, PRAZO, ESTATUTO, CIDADE, OBRIGATORIEDADE, APROVAÇÃO, PLANO DIRETOR, MUNICIPIOS, APREENSÃO, FALTA, RECURSOS, GOVERNO MUNICIPAL, CUSTEIO, INEXISTENCIA, TECNICO, INCAPACIDADE, ATENDIMENTO, EXIGENCIA, ANALISE, LEGISLAÇÃO.
  • PROTESTO, CONCENTRAÇÃO, RECEITA, UNIÃO FEDERAL, EXCESSO, DEPENDENCIA, ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL.
  • SOLICITAÇÃO, PROVIDENCIA, GOVERNO FEDERAL, AUXILIO, MUNICIPIOS, ELABORAÇÃO, PLANO DIRETOR, ALTERNATIVA, AMPLIAÇÃO, PRAZO, REGISTRO, SITUAÇÃO, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE).

O SR. SÉRGIO GUERRA (PSDB - PE. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e srs. Senadores, o Governo Federal, e especialmente o Ministério das Cidades, vem pressionando os municípios brasileiros a elaborarem, com urgência, seus planos diretores. Para isso, está deflagrando uma ampla campanha, de abrangência nacional, de forma a esclarecer e incentivar as comunidades quanto aos benefícios que essa medida pode proporcionar; e a alertar os prefeitos dos municípios com mais de 20 mil habitantes quanto ao prazo para a implementação desses planos.

Compreende-se perfeitamente, Sr. Presidente, a necessidade e conveniência dessa campanha, uma vez que a Lei nº 10.257, de 2001, estabeleceu a data de 30 de outubro de 2006 como limite para a aprovação dos planos diretores municipais. Os prefeitos que não cumprirem essa determinação podem incorrer em improbidade administrativa, nos termos da Lei n° 8.429, de 2 de junho de 1992.

 Entretanto, em que pesem todos os indiscutíveis benefícios que podem advir da elaboração dos planos diretores municipais, muitos prefeitos correm o risco de descumprir os dispositivos constitucionais e a citada Lei nº 10.257 simplesmente por não disporem de recursos para custear esses planos. À falta de recursos acresce-se a inexistência de pessoal técnico qualificado para elaborar os planos diretores, ainda que o Governo Federal se disponha a colaborar com repasses de verbas orçamentárias do Programa Gestão Urbana. Na verdade, esses recursos somam apenas 15 milhões de reais, montante que permitiria atender a cerca de cem municípios, apenas, dos 1.740 que, pelos levantamentos do IBGE, estão obrigados a apresentar os citados planos.

As queixas que me têm chegado, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, de numerosos prefeitos, muitos deles correligionários ou coestaduanos, não se referem ao mérito da Lei nº 10.257, mas à absoluta incapacidade de atender aos seus dispositivos no prazo estipulado.

Ninguém ignora que essa lei, mais conhecida como Estatuto da Cidade, veio suprir uma grave lacuna em nosso ordenamento jurídico, ao regulamentar dispositivos dos artigos 182 e 183 da Constituição Federal. A própria inserção desses artigos na Carta de 88, como se recorda, demandou longa e penosa luta, então encabeçada pelo saudoso Senador Pompeu de Sousa.

A Constituição em vigor, não custa recordar, foi a primeira a tratar da questão urbana em nosso País, embora a população brasileira, havia já algumas décadas, vivesse majoritariamente nas cidades. Na metade do século passado, 36,2% dos brasileiros viviam nos centros urbanos; em 1970, a população urbana ultrapassaria o contingente da população rural, com um índice de 56%; no ano 2000, nada menos que 81,2% dos brasileiros já viviam nas cidades.

As disposições constitucionais relativas à questão urbana, como mencionamos, se concentram nos artigos 182 e 183. O primeiro delega aos municípios a definição de sua política urbana, em conformidade com as diretrizes de lei federal, e obriga todas as cidades com população superior a 20 mil habitantes a aprovar o seu Plano Diretor, com destaque para a função social da propriedade urbana; o segundo, entre outras disposições, estabelece as condições para regularização de áreas urbanas visando à demanda habitacional de populações carentes.

Pode-se dizer que a Carta de 88, no que concerne à função social, deu à propriedade urbana um tratamento que, até então, se resumia à propriedade rural. Esta, em situação de improdutividade, de danos ambientais ou de desrespeito à legislação trabalhista, é passível de desapropriação para fins de reforma agrária.

Pode-se dizer que a Constituição vigente deu tratamento semelhante aos terrenos urbanos, evitando-se a propriedade ociosa. Esse papel deve ser definido pelo Plano Diretor, objetivando garantir o bem-estar da coletividade e o cumprimento da função social dos imóveis. Na hipótese de propriedades ociosas, que descumpram a função social, os dispositivos constitucionais prevêem, sucessivamente, o parcelamento ou edificação compulsórios; a cobrança de IPTU progressivo ao longo do tempo; e a desapropriação para fins de reforma urbana, mediante pagamento em títulos da dívida pública.

Embora previstos na Constituição, esses procedimentos careciam de uma lei federal para que se tornassem aplicáveis, motivo por que o Estatuto da Cidade, aprovado em 2001 - treze anos, portanto, após a promulgação da Carta Magna - foi festejado como um importante instrumento de execução da política de desenvolvimento urbano. A Lei nº 10.257, ou Estatuto da Cidade, não se restringe, porém, a viabilizar a exigência de cumprimento da função social da propriedade urbana. Entre outros méritos, ela permite aos governantes utilizar os instrumentos administrativos e jurídicos para promover um desenvolvimento urbano sustentável.

Há muito, reconhecemos, nosso País carecia de um diploma como o Estatuto da Cidade. Trata-se de um instrumento que, de um lado, impõe exigências à municipalidade e amplia suas responsabilidades; e que, de outro, lhe confere os meios necessários à execução de uma política de desenvolvimento sustentável, observadas as suas particularidades e sua vocação econômica. Afinal, é no âmbito da administração municipal, principalmente, que devem ser desenvolvidas as ações de promoção da qualidade de vida da comunidade.

A importância do Estatuto da Cidade é destacada não apenas pela classe política, mas também pelo meio jornalístico, pelos urbanistas, arquitetos, economistas e outros estudiosos da vida nacional. À época de sua aprovação por esta Casa, o jornalista econômico Joelmir Beting assim se manifestou: “Com o novo diploma, a autoridade municipal ganha formato e conteúdo para intervir na estrutura e na dinâmica da cidade - cuja gestão constitui, doravante, o maior desafio técnico e político do Século XXI”.

O site ComCiência, em reportagem especial sobre as cidades, destacava: “A vida nas cidades continua a ser um desafio neste século recém-iniciado, acirrando cada vez mais os conflitantes interesses em jogo e tendo como pano de fundo uma urbanização perversa, que agrava diuturnamente o quadro de exclusão social, tornando mais evidente a marginalização de grandes segmentos populacionais”.

O que podemos observar, Senhoras e Senhores Senadores, é que as opiniões e análises, com raras exceções, são convergentes quanto à administração caótica e à exclusão social nos centros urbanos, especialmente nos grandes conglomerados.

Para dar maior eficácia ao Estatuto da Cidade, o Conselho Nacional das Cidades aprovou, em março último, a Resolução nº 25, que, ao definir os municípios obrigados a elaborar ou rever seus Planos Diretores, impõe determinadas exigências para garantir a participação das comunidades nessa tarefa. Em seu art. 7º, a Resolução determina que, na elaboração do plano diretor, devem ser mobilizados, preferencialmente, os movimentos sociais, as lideranças comunitárias e os profissionais especializados.

Discorremos, até aqui, acerca de um diploma legal que teve enorme receptividade nos mais diversificados segmentos da sociedade brasileira. A elaboração dos planos diretores, seguramente, não encontra resistências outras, das municipalidades, que não a escassez de recursos financeiros e de pessoal qualificado.

É certo que o Governo Federal, ao lançar o Programa Gestão Urbana, procurou minimizar as dificuldades enfrentadas pelos municípios obrigados a elaborar seus planos diretores até outubro de 2006; ou, para aqueles que já o fizeram, obrigados a revisá-los até outubro de 2011. Uma das linhas de ação desse programa é o PMDU - Ação de Estudos para Formulação de Planos Municipais de Desenvolvimento Urbano Sustentável. Seu objetivo é fortalecer institucionalmente os municípios brasileiros com a promoção de estudos setoriais, tendo em vista o fomento de ações integradas de desenvolvimento.

Entretanto, os recursos colocados à disposição pelo Governo Federal, como já dissemos, são quase irrisórios, e os municípios brasileiros vivem uma situação de verdadeira penúria - o que não é qualquer novidade, dada a perversidade da repartição tributária em face de suas crescentes responsabilidades.

Essa situação, aliás, traz à tona, de novo, um tema recorrente na nossa vida política, que é o elevado nível de dependência dos municípios em relação ao Governo Federal. Basta lembrar, Senhor Presidente, que, nos municípios com menos de 100 mil habitantes - onde vive quase metade da população brasileira -, 85% dos recursos são provenientes das transferências constitucionais.

Em Pernambuco, nada menos que 73 cidades, de porte variado, estão obrigadas a elaborar e aprovar os planos diretores até outubro de 2006. Os prefeitos, de partidos diversos e de variadas concepções ideológicas, se encontram numa situação convergente: a falta de condições técnicas e financeiras de cumprir, em tempo hábil, as determinações do Estatuto da Cidade. Os financiamentos colocados à disposição dos municípios pelo Governo Federal não representam mais do que 30% do total a ser aplicado na elaboração dos planos diretores. As verbas do Monumenta BID e do Prodetur se destinam a uns poucos municípios de relevância para o turismo e, mesmo para esses, são insuficientes.

A saída que vislumbramos para esse impasse, que, seguramente, afeta a grande maioria dos municípios brasileiros com mais de 20 mil habitantes, é a ação efetiva do Governo Federal no sentido de colocar à disposição dos prefeitos, além da assistência técnica, recursos financeiros em maior volume; ou então, alternativamente, a alteração do Estatuto das Cidades, com a estipulação de novos prazos, contemplando-se esses municípios com recursos específicos para esse fim no Orçamento Geral da União dos próximos exercícios.

Por ser o Estatuto da Cidade um instrumento essencial para a execução de políticas de desenvolvimento sustentável, e por afetar diretamente a vida de milhões de cidadãos brasileiros, apelamos ao Governo Federal para que proporcione às municipalidades os recursos necessários à garantia da paz social e de um futuro com melhores perspectivas.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/05/2005 - Página 14363