Discurso durante a 56ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao centenário de nascimento do político e tributalista Aliomar Baleeiro (1905-1978)

Autor
José Sarney (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: José Sarney
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao centenário de nascimento do político e tributalista Aliomar Baleeiro (1905-1978)
Aparteantes
Antonio Carlos Magalhães.
Publicação
Publicação no DSF de 12/05/2005 - Página 14384
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • COMENTARIO, CENTENARIO, NASCIMENTO, ALIOMAR BALEEIRO, CONGRESSISTA, ASSEMBLEIA CONSTITUINTE, EX-DEPUTADO, ESTADO DA BAHIA (BA), ESTADO DA GUANABARA (GB), MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), ELOGIO, VIDA PUBLICA, REGISTRO, HISTORIA, ATUAÇÃO, PARTIDO POLITICO, UNIÃO DEMOCRATICA NACIONAL (UDN), DEFESA, DEMOCRACIA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 11/05/2005


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DISCURSO PROFERIDO PELO SR. SENADOR JOSÉ SARNEY NA SESSÃO DO DIA 05 DE MAIO DE 2005, QUE, RETIRADO PARA REVISÃO PELO ORADOR, ORA SE PUBLICA.

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O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, cumpro um dever para com a memória do Parlamento nacional. Desejo que esta data de 5 de maio de 2005 seja relembrada como o Centenário de Aliomar Baleeiro, que foi um dos maiores Parlamentares que já teve assento no Congresso Nacional.

Quando cheguei ao Rio de Janeiro, na década de 50, justamente na Legislatura de 1955 a 1960, eu era um jovem Deputado, e o cenário político do Rio de Janeiro era iluminado por um grupo excepcional de Parlamentares: a famosa Banda de Música da UDN.

Fundada na luta contra Vargas, numa união de forças muito ampla, que incluía a Esquerda Democrática, sob o comando de João Mangabeira, a UDN se transformara numa grande força de oposição contra o PSD e o PTB.

O grande líder, que vinha da Revolução de 30, era Virgílio de Melo Franco; seu irmão, Afonso, um orador extraordinário, muitas vezes esta tribuna teve oportunidade de ouvi-lo. A seu redor, num grupo que atuava com grande coesão e dominava completamente o debate, estavam as figuras de Prado Kelly, Bilac Pinto, João Agripino, Milton Campos, José Bonifácio, Ernani Sátiro, Carlos Lacerda, Adauto Lúcio Cardoso; do outro lado, Capanema, Vieira de Melo e muitos outros brilhantes Parlamentares daquele tempo. Era nesse painel que estava situado Aliomar Baleeiro, que hoje faria 100 anos.

Vejo entrar nesta Casa o Senador Antonio Carlos Magalhães, um amigo estreito de Aliomar Baleeiro, da Bancada da Bahia, e que honrava aquela Bancada com seu brilho, mantendo a linha dos grandes baianos que ocuparam o Parlamento nacional.

Vinha da luta pela democracia.

Ele, Aliomar, foi um jovem repórter. Foi advogado. Dirigiu o jornal O Estado da Bahia. Começou sua carreira de professor de Direito, que exerceria na Bahia, no Rio de Janeiro e também em Brasília, quando aqui esteve.

Em 1934, juntou-se a Juracy Magalhães, que era, desde a Revolução de 30, o grande líder baiano. Elegeu-se Deputado na Constituinte baiana de 1935. Deputado Estadual, apoiando José Américo de Almeida, sofreu a violência do Estado Novo em 1937. Começou uma longa luta contra a ditadura de Vargas. Em 1945, foi o criador, na Bahia, da União Democrática Nacional. Foi eleito constituinte e secretário-geral do Partido.

Na Assembléia Constituinte, com o seu brilho e a sua fama de grande conhecedor de assuntos financeiros, Aliomar tornou-se relator da comissão de elaboração do anteprojeto de Constituição. Destacou-se na subcomissão de Discriminação de Renda - onde fixou as bases do nosso Direito Constitucional Financeiro - e na defesa do municipalismo.

Já a partir de 1946, apesar do acordo interpartidário entre PSD, UDN e PR, no Governo Dutra, Aliomar destacou-se como uma grande liderança, com sua personalidade combativa e eficiente, sempre colocando a sua grande cultura e combatividade a serviço dos nossos debates.

Carlos Castello Branco o dizia “o mais eficiente e cáustico orador de oposição que apareceu na Câmara sob o regime da Constituição de 1946”. “Ele tinha o poder de ferir o coração do adversário, a tal ponto que, em alguns momentos, muitos fizeram dele a imagem de um homem arrogante e impiedoso, quando ele era apenas enérgico e áspero.”

Ouço o aparte do Senador Antonio Carlos Magalhães.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - Senador José Sarney, ao homenagear hoje o centenário de Aliomar Baleeiro, V. Exª realiza mais um feito na sua vida de político e de estadista. Em verdade, Aliomar foi uma das figuras maiores do Parlamento Brasileiro em todos os tempos. Aliomar foi Deputado Estadual e foi professor de Finanças na Faculdade de Direito, após rumoroso concurso. Aliomar foi um combatente enérgico do Estado Novo, foi o Constituinte de 1946 que realmente brilhou na Comissão de Finanças, discutindo, com muita força, com Souza Costa, que teria sido Ministro de Vargas. Aliomar Baleeiro teve, inclusive, discussões com o próprio Presidente Getúlio Vargas, em plenário, que quase redundaram em luta física. Aliomar Baleeiro foi Deputado pela Bahia, foi Deputado Estadual no Rio de Janeiro e também Deputado Federal pelo Rio de Janeiro. Depois de 1964, Aliomar foi para o Supremo Tribunal Federal, onde, até hoje, tem a fama de ter sido um dos melhores Ministros que passaram por aquela Casa, que ele também presidiu. Tinha uma grande amizade com Bilac Pinto, com Adauto Cardoso e, posso dizer, com V. Exª e comigo. Fui amigo de Aliomar Baleeiro até os últimos momentos. D. Darly, sua esposa, tem documentos meus que revelam isso. Queria dizer a V. Exª que, nesta homenagem, V. Exª está falando também pela Bahia - o Maranhão fala pela Bahia -, porque uma homenagem prestada por V. Exª cresce de significação pela sua estatura. V. Exª pode realmente, como eu também, revelar aspectos da vida de Baleeiro que só fazem engrandecer a Nação brasileira. Agradeço a V. Exª, como baiano e brasileiro, as palavras que V. Exª profere, homenageando esse grande homem público do nosso País.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Senador Antonio Carlos Magalhães, as palavras de V. Exª estão incorporadas ao meu discurso e fazem parte das homenagens à memória de Baleeiro.

Realmente, quando V. Exª entrava neste plenário, tive uma grande felicidade, porque sabia que estava falando também em seu nome, porque conheci muito de perto a amizade de V. Exª com Baleeiro, a presença permanente no Palácio Tiradentes, todos nós juntos. Ele era o grande mestre, o grande orador que demolia, e todos ficávamos encantados com ele comandando o nosso Partido, ali, no Palácio Tiradentes.

Em 1958, Baleeiro não foi reeleito, como V. Exª sabe, e, então, assumiu por um tempo a Secretaria de Fazenda da Bahia. Depois, em 1960, voltou-se para o Estado da Guanabara, onde foi eleito Deputado. Tornou-se relator-geral da Constituinte da Guanabara. Em 1963, foi eleito Deputado Federal e continuou a trajetória brilhante que sempre teve.

Foram anos de instabilidade. A UDN pensara ter realmente chegado ao poder com Jânio Quadros. Vieram depois os momentos dramáticos de agosto de 1961, com a frustração da renúncia e as dúvidas sobre a posse de João Goulart, a agitação do parlamentarismo, o plebiscito, os movimentos pelas “reformas de base”, a rebelião e o golpe militar.

A escolha de Castello Branco como presidente foi identificada, não sem fundamento, como uma vitória da UDN, mesmo se Juscelino e o PSD -- com exceção de Tancredo Neves -- o apoiaram. O desejo de Castello era o restabelecimento da democracia, de uma legitimidade constitucional. Neste sentido teve Aliomar Baleeiro como um de seus principais apoios. Frustado, pressionado pela “linha dura” e pelo resultado das eleições -- 11 dos governadores eleitos em outubro eram de oposição, inclusive Negrão de Lima, no Rio, e Israel Pinheiro, em Minas -- Castello optou, em outubro de 1965, pelo AI-2, que criou o bipartidarismo, estabeleceu eleições indiretas para presidente, reiniciou a cassação de mandatos, e aumentou o número de ministros do Supremo Tribunal Federal para 16. O golpe atingia Carlos Lacerda, já inconformado com o adiamento da eleição presidencial para 1967. Era a hora de Aliomar, próximo a Carlos, deixar a tribuna política e passar para o judiciário. Aceita a nomeação de Castello Branco para o Supremo Tribunal Federal, junto com Adalício Nogueira, Carlos Medeiros Silva, Oswaldo Trigueiros e Prado Kelly.

Devo dizer que os políticos que foram para o Supremo Tribunal Federal honraram aquela Corte. Foram extraordinários Ministros, com grande saber jurídico, com grande responsabilidade, com grande força moral, no exercício da magistratura.

Lembro Prado Kelly, lembro o nosso extraordinário Adauto Lúcio Cardoso e lembro Aliomar Baleeiro. Até, quando ele foi nomeado, recordo-me de que encontrei o Presidente Castello Branco e disse: “O senhor está colocando um tubarão na piscina do Supremo Tribunal Federal”, tão grande a personalidade que era Aliomar nos parecia para um espaço tão pequeno como o Supremo.

No Supremo Tribunal Federal, dedicou-se ao julgamento e ao estudo dos processos e foi um juiz notável. Há uma unanimidade em ver em Aliomar Baleeiro um dos grandes ministros que passaram pelo Supremo Tribunal Federal. Aqui mesmo o líder da oposição, Paulo Brossard, quando ele se aposentou, aos 70 anos, dava como referência ao Presidente da República a estatura de Baleeiro.

E aqui recordo um fato: muitas vezes ouvi se discutir nesta Casa sobre a urgência, relevância e constitucionalidade das medidas provisórias. Eu, muitas vezes, tenho julgado que as medidas provisórias são muito piores do que eram os decretos-leis, pois Aliomar Baleeiro, naquele tempo difícil - ele, nomeado no período revolucionário -, não aceitou uma medida que falava de relações trabalhistas, porque dizia que não atendia aos pressupostos do art. 58. Ficou na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a sua coragem quando rejeitava a hipótese de que bastasse para configurar como de “segurança nacional” a declaração do Presidente da República “sem oposição do Congresso”; e não aceitava a generalização que estendia a competência presidencial a todas as “finanças públicas”, e dizia que “portanto não é possível, de maneira nenhuma, expedir decretos-leis criando impostos, autorizando despesas ou empréstimos, etc.”

Depois daquele tempo, quando ouço falar desse assunto, lembro-me de que essa decisão de Aliomar Baleeiro teve a imagem da coragem com que ele interpretou a Constituição, evitando, assim, que os decretos-leis daquele tempo incluíssem matérias que não eram para serem abordadas em decreto-lei.

Hoje, quando vejo nas medidas provisórias essa grande blague, recordo-me dessa decisão de Aliomar Baleeiro a respeito dos decretos-leis.

Aliomar Baleeiro era muito crítico da Constituição de 1967, inclusive de seu tamanho, “de vinte e cinco mil palavras, das mais compridas do mundo” -- o que diria da nossa de 1988, com quarenta mil? --, e de que ela não falasse em regime democrático em seu preâmbulo.

Mas eram os atos concretos que chegavam ao Supremo os que provocavam maior polêmica. Assim, ele recusava a idéia de que todo ensino de marxismo fosse crime, “enquanto não há propaganda pública de processos violentos de subversão”.

Cultivava sempre o exame do fato concreto, em suas circunstâncias sociais, recusando os aspectos puramente formais, fossem estes favoráveis ou contrários às partes. Era capaz de recusar-se a “invalidar o despacho, num caso gravíssimo, por mero defeito formal”, e julgar que um réu “talvez depravado, ou libertino, deve ser punido dentro das medidas da lei, e não mais do que isso”.

O Ministro Xavier de Albuquerque dizia que tinha dúvidas se Aliomar poderia ter sido um bom juiz: “a síntese de seus atributos dá-lhe dimensão maior do que comportariam os gabaritos ortodoxos da magistratura ordinária”. Ele era o questionador dos princípios morais, o intérprete do fundo das causas, que se sobrepunha ao profundo conhecer da lei e da jurisprudência.

No Parlamento ou no Supremo Tribunal, Aliomar Baleeiro foi, sempre, o mesmo espírito livre e polêmico, o intelectual que se apaixonava pelas causas sem perder a lucidez, o defensor da liberdade pela lei. Lembro aqui sua figura, a voz e o gesto vibrando como há cinqüenta anos, naquelas sessões da Câmara dos Deputados, no Rio de Janeiro, e o plenário, governo e oposição, contaminado pelos argumentos, pela força, pela emoção.

Quero assim deixar registrado para a memória do Parlamento que não passou em brancas nuvens, como se diz, este dia 05 de maio, do centenário de Aliomar Baleeiro, um grande e extraordinário parlamentar que ficará na história do Parlamento brasileiro como um momento de luz, inteligência e cultura.

Muito obrigado a V. Exª.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR JOSÉ SARNEY.

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            O SR. JOSE SARNEY (PMDB - AP. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, jovem deputado, cheguei à Capital Federal, ao Rio de Janeiro, quando o cenário político era iluminado por um grupo excepcional de parlamentares. Era a Banda de Música da UDN.

Fundada na luta contra a ditadura Vargas, numa união de forças muito ampla, que incluía os socialistas de João Mangabeira, a UDN se transformara na grande força da oposição, contra o PSD e o PTB, as duas vertentes onde a situação se distribuía. O grande líder, vindo da revolução de 30, fora Virgílio Mello Franco, e seu irmão, Afonso, era o orador extraordinário que dominava o Congresso. A seu redor, num grupo que atuava com grande coesão e dominava completamente os debates, Prado Kelly, Billac Pinto, José Agripino, Milton Campos, José Bonifácio, Ernany Sátiro, Carlos Lacerda, Adauto Lúcio Cardoso e Aliomar Baleeiro.

Hoje Aliomar faria 100 anos. Naqueles anos, estava em plena maturidade. Era o orador baiano no que isto representa de vivacidade, facilidade de falar, riqueza de construção.

Vinha da luta pela democracia.

Jovem, fora repórter. Fora advogado. Dirigira o jornal O Estado da Bahia. Começara sua carreira de professor de direito, que exerceria na Bahia, no Rio de Janeiro e em Brasília.

Em 1934 juntara-se a Juraci Magalhães. Elegera-se deputado na Constituinte baiana de 1935. Deputado estadual, apoiando José Américo de Almeida, sofre a violência do Estado Novo. A partir de novembro de 37 começa a longa luta contra a ditadura de Vargas. Em 45 ele é o criador, na Bahia, da UDN. É eleito deputado constituinte e secretário-geral do partido.

Na Assembléia Constituinte torna-se relator da comissão de elaboração do anteprojeto de Constituição. Se destaca na subcomissão de Discriminação de Rendas -- onde fixa as bases de nosso direito constitucional financeiro --, e pela defesa do municipalismo. Ainda no plenário da Assembléia faz críticas fortes ao projeto, que chama de conservador e reacionário, incapaz de promover a justiça social.

Já a partir de 1946, apesar do Acordo Interpartidário entre PSD, UDN e PR, no governo Dutra, Aliomar se destaca como uma liderança, com sua personalidade combativa e eficiente. A partir de 1950, com a volta de Getúlio, a Banda de Música vive seus dias mais vibrantes, e com ele cresce o deputado baiano. A deterioração do governo, envolvido em sucessivos escândalos, é exposta à opinião pública.

Carlos Castello Branco o dizia “o mais eficiente e cáustico orador de oposição que apareceu na Câmara sob o regime da Constituição de 1946”.

- Ele tinha o poder de ferir no coração o adversário, a tal ponto que em alguns momentos muitos fizeram dele a imagem de um homem arrogante e impiedoso, quando ele era apenas enérgico e áspero.”

A resposta de Vargas, ferido por Aliomar, Lacerda, Afonso, atingiu o coração da oposição. Subindo ao poder com o vice, Café Filho, que, embora do PSP, governou com a UDN, a Banda de Música envolveu-se nas discussões da maioria absoluta e sofreu o golpe de Lott.

A Banda de Música e Aliomar fizeram sólida oposição a Juscelino. Mas em 1958 Aliomar não foi reeleito e assumiu a Secretaria de Fazenda da Bahia. Em 1960 foi eleito para a Assembléia Constituinte da Guanabara, onde foi relator-geral. Pelo novo estado foi também deputado estadual e, em 1963, deputado federal.

Foram anos de instabilidade. A UDN pensara ter realmente chegado ao poder com Jânio Quadros. Vieram depois os momentos dramáticos de agosto de 1961, com a frustração da renúncia e as dúvidas sobre a posse de João Goulart, a agitação do parlamentarismo, o plebiscito, os movimentos pelas “reformas de base”, a rebelião e o golpe militar.

A escolha de Castello Branco como presidente foi identificada, não sem fundamento, como uma vitória da UDN, mesmo se Juscelino e o PSD -- com exceção de Tancredo Neves -- o apoiaram. O desejo de Castello era o restabelecimento da democracia, de uma legitimidade constitucional. Neste sentido teve Aliomar Baleeiro como um de seus principais apoios. Frustado, pressionado pela “linha dura” e pelo resultado das eleições -- 11 dos governadores eleitos em outubro eram de oposição, inclusive Negrão de Lima, no Rio, e Israel Pinheiro, em Minas -- Castello optou, em outubro de 1965, pelo AI-2, que criou o bipartidarismo, estabeleceu eleições indiretas para presidente, reiniciou a cassação de mandatos, e aumentou o número de ministros do Supremo Tribunal Federal para 16. O golpe atingia Carlos Lacerda, já inconformado com o adiamento da eleição presidencial para 1967. Era a hora de Aliomar, próximo a Carlos, deixar a tribuna política e passar para o judiciário. Aceita a nomeação de Castello Branco para o Supremo Tribunal Federal, junto com Adalício Nogueira, Carlos Medeiros Silva, Oswaldo Trigueiros e Prado Kelly.

No Supremo, Baleeiro não deixou de lado seu combate. Foi, durante os “anos de chumbo”, uma voz de aço em defesa da liberdade.

Há uma unanimidade em ver em Aliomar Baleeiro um dos grandes ministros que passaram pelo Supremo Tribunal Federal. Aqui mesmo o líder da oposição, Paulo Brossard, quando ele se aposentou, aos 70 anos, dava como referência ao Presidente da República a estatura de Baleeiro.

Para Brossard, o exemplo maior era a coragem de ultrapassá-lo na condenação do AI-5: Aliomar fora além de sua classificação de ilícito, para chamá-lo de obsceno.

Num assunto teria, também, opinião muito forte, sobretudo por ser, desde 1946, nossa maior autoridade em direito financeiro: o da expedição de decretos-lei prevista no artigo 58 da Constituição de 1967. Baleeiro rejeitava a hipótese de que bastasse para configurar como de “segurança nacional” a declaração do Presidente da República “sem oposição do Congresso”; e não aceitava a generalização que estendia a competência presidencial a todas as “finanças públicas”, e “portanto não é possível, de maneira nenhuma, expedir decretos-leis criando impostos, autorizando despesas ou empréstimos, etc.”

Aliomar Baleeiro era muito crítico da Constituição de 1967, inclusive de seu tamanho, “de vinte e cinco mil palavras, das mais compridas do mundo” -- o que diria da nossa de 1988, com quarenta mil? --, e de que ela não falasse em regime democrático em seu preâmbulo. Mas eram os atos concretos que chegavam ao Supremo os que provocavam maior polêmica. Assim, ele recusava a idéia de que todo ensino de marxismo fosse crime, “enquanto não há propaganda pública de processos violentos de subversão”.

Cultivava sempre o exame do fato concreto, em suas circunstâncias sociais, recusando os aspectos puramente formais, fossem estes favoráveis ou contrários às partes. Era capaz de recusar-se a “invalidar o despacho, num caso gravíssimo, por mero defeito formal”, e julgar que um réu “talvez depravado, ou libertino, deve ser punido dentro das medidas da lei, e não mais do que isso”.

O Ministro Xavier de Albuquerque dizia que tinha dúvidas se Aliomar poderia ter sido um bom juiz: “a síntese de seus atributos dá-lhe dimensão maior do que comportariam os gabaritos ortodoxos da magistratura ordinária”. Ele era o questionador dos princípios morais, o intérprete do fundo das causas, que se sobrepunha ao profundo conhecer da lei e da jurisprudência.

No Parlamento ou no Supremo Tribunal, Aliomar Baleeiro foi, sempre, o mesmo espírito livre e polêmico, o intelectual que se apaixonava pelas causas sem perder a lucidez, o defensor da liberdade pela lei. Lembro aqui sua figura, a voz e o gesto vibrando como há cinqüenta anos, naquelas sessões da Câmara dos Deputados, no Rio de Janeiro, e o plenário, governo e oposição, contaminado pelos argumentos, pela força, pela emoção.


             V:\SLEG\SSTAQ\SF\NOTAS\2005\20050511DO.doc 5:05



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