Discurso durante a 60ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à Fundação Nacional do Índio (Funai) e às Organizações não-Governamentais (ONGs), em face das novas demarcações de reservas indígenas em áreas ocupadas pelo agronegócio.

Autor
Juvêncio da Fonseca (PDT - Partido Democrático Trabalhista/MS)
Nome completo: Juvêncio Cesar da Fonseca
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Críticas à Fundação Nacional do Índio (Funai) e às Organizações não-Governamentais (ONGs), em face das novas demarcações de reservas indígenas em áreas ocupadas pelo agronegócio.
Aparteantes
Leomar Quintanilha.
Publicação
Publicação no DSF de 13/05/2005 - Página 14491
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • QUALIDADE, PRESIDENTE, COMISSÃO, DIREITOS HUMANOS, ANALISE, PROBLEMA, FALTA, POLITICA INDIGENISTA, BRASIL, OMISSÃO, ESTADO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), DESENVOLVIMENTO SOCIAL.
  • DENUNCIA, ATUAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), INCENTIVO, INDIO, INVASÃO, PROPRIEDADE RURAL, LEITURA, LEGISLAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, MUNICIPIO, DOURADOS (MS), ANTONIO JOÃO (MS), ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), PROTESTO, ILEGALIDADE, HOMOLOGAÇÃO, DESRESPEITO, DECISÃO JUDICIAL, REINTEGRAÇÃO DE POSSE.
  • DEFESA, AUMENTO, AUTONOMIA, NATUREZA POLITICA, INDIO.

O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PDT - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesses poucos meses em que estou à frente da Presidência da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal, pude constatar a triste realidade por que passa o mundo indígena do meu País.

No Brasil, os indígenas estão órfãos da tutela da Funai e do Estado. Não há uma política indigenista que faça com que chegue às aldeias a ação do Estado, que é necessária para compor a questão social precária em que vivem os índios.

Trago um ponto de fundamental importância para que o estudemos. A Funai e algumas ONGs têm estimulado os índios a invadir terras tituladas - até mesmo terras produtivas ou improdutivas, mas tituladas -, de domínio particular, induzindo o índio e lhe dizendo que aquelas são terras indígenas, onde pode haver ocupação de índios porque a terra será revertida em favor da sua aldeia e da sua etnia por termos uma grande e profunda dívida com os índios. Isto é verdade: temos essa dívida.

A questão fundiária com relação ao índio é por demais delicada. O art. 231 da Constituição Federal determina claramente: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam...”. Está no presente do indicativo. Portanto, as terras ocupadas pelos índios a eles pertencem. São terras indígenas e devem ser demarcadas.

É uma dívida também do Estado para com os índios a demarcação das terras. O Decreto nº 1.775/96 estabelece: “As terras indígenas serão administrativamente demarcadas por iniciativa e sob orientação do órgão federal de assistência ao índio, de acordo com o disposto neste decreto”. A orientação técnica é da Funai nessa demarcação administrativa. E o referido Decreto, em seu art. 5º, reza: “A demarcação das terras indígenas, obedecendo a procedimento administrativo, será homologada mediante decreto”. Fixa o art. 6º: “Em até 30 dias após a publicação do decreto de homologação, o órgão federal de assistência” - ou seja, a Funai -“promoverá o respectivo registro em cartório imobiliário e na Secretaria de Patrimônio da União”.

Observem, Srs. Senadores, que a terra tradicionalmente ocupada pelo índio, objeto da demarcatória, e a demarcatória sendo um ato puramente administrativo, chega a seu final com um decreto que é do Presidente da República, dizendo: essa é a demarcação dessa área, e essa área tem o seguinte perímetro. E manda inscrever no registro imobiliário. Não cita ninguém.

Por quê? Porque a terra demarcada é, pela Constituição Federal ou por esse decreto, essencialmente terra devoluta sem título a terceiro. No entanto, há uma política na Funai, corroborada por algumas ONGs que se dizem protetoras dos índios e inclusive por pessoas de boa-fé nesse sentido, de que a terra indígena não é a que a Constituição Federal determina. Qualquer terra pode ser indígena, desde que se possa comprovar que houve ali, um dia, uma aldeia. É o princípio da ocupação imemoriável - em tempos imemoriais -, e a ocupação em tempos imemoriais traz a certeza de que aquela terra é indígena. Não é verdadeiro. Porque a Súmula do Supremo Tribunal Federal interpreta o entendimento do art. 231 em jurisprudência predominante. Ou seja, por meio de vários julgamentos, existe hoje uma súmula aceita em todo o território nacional pelos tribunais como princípio jurisprudencial. E esse princípio não alcança as terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto. Portanto, a Constituição Federal é clara, o verbo está no presente: há de haver terras ocupadas atualmente, e não antigamente. E o Supremo Tribunal Federal vem e edita a Súmula, por meio da qual, ainda que ocupadas antigamente, o princípio não alcança as terras de aldeamentos extintos.

O que ocorre é que a Funai e determinadas ONGs que se dizem protetoras dos índios e da questão da terra, que é crucial no País, em Dourados, no meu Estado, argumentam que a morte de crianças por desnutrição se deve essencialmente à falta de expansão da aldeia. Em 3.500 hectares, 11 mil índios vivem em confinamento! Não queremos isso. Mas isso não justifica, Sr. Presidente Senador Tião Viana, a invasão de terras particulares para corrigir a injustiça cometida na ocupação do território nacional contra os índios. Seria corrigir uma injustiça com outra. E os índios já sentem que se tornaram massa de manobra para ocupações ilegais.

O Sr. Leomar Quintanilha (PMDB - TO) - V. Exª me permite um aparte, Senador Juvêncio da Fonseca?

O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PDT - MS) - Senador Leomar Quintanilha, já concedo o aparte a V. Exª. Quero completar meu raciocínio.

Dentro do conflito que existe, infelizmente, até o Presidente da República, Senador Leomar Quintanilha, estimula a quebra da ordem constitucional, homologando, por decreto, demarcatória de terras tituladas da faixa de fronteira, ratificadas pelo Incra. É o absurdo dos absurdos jurídicos do País.

Digo isso em razão de em Antônio João, Município do Estado de Mato Grosso do Sul, 9 mil hectares, 8 ou 9 propriedades rurais e um distrito com mais de 70 casas populares terem sido invadidos. Os invasores foram insuflados por ONGs que tratam da questão indígena e pela Funai também. Foram ocupadas terras tituladas. A Justiça concedeu liminar de reintegração de posse, em razão principalmente da legitimidade dos títulos e da ocupação antiga pelos não-índios da área daquelas fazendas.

Em seguida, a Funai providenciou, rapidamente, administrativamente, como é da sua função, a demarcação dessa área. Concomitantemente com a decisão judicial, veio a decisão administrativa da demarcatória, dizendo que aquela era uma área indígena, e o Presidente da República assinou o decreto de homologação dessa área como terra indígena, agora demarcada.

É a quebra frontal da ordem jurídica constitucional deste País. O Presidente não poderia praticar um ato como esse, porque fere a ordem jurídica brasileira. Que segurança teremos? A instabilidade na aplicação das leis no País está trazendo para o brasileiro e para os investidores que querem aqui fazer o nosso desenvolvimento uma insegurança completa. E a população não sabe para onde correr, porque, a cada instante, a lei vale para uns e não vale para outros. E usam, inclusive, o índio como massa de manobra, dizendo que, em nome dele, estão fazendo essas demarcações, contrárias à letra da lei e à Constituição.

Fica aqui o meu protesto, a minha indignação, principalmente pelo ato do Presidente da República, que deveria ser o primeiro a preservar a Constituição brasileira, mas não está. Ao ferir a Constituição, Sua Excelência deveria também ser objeto não só da indignação de um parlamentar, mas até de um impeachment presidencial. Um Presidente da República não pode acintosamente, tão claramente, afrontar a Constituição brasileira.

Concedo um aparte ao Senador Leomar Quintanilha se ainda tiver tempo.

O Sr. Leomar Quitanilha (PMDB - TO) - Senador Juvêncio da Fonseca, V. Exª tem toda razão. O princípio constitucional não pode ser quebrado, nem mesmo por quem esteja investido na mais importante função deste País. O Presidente da República, ao contrário, deve ser um guardião da Lei Maior. V. Exª está, nesta tarde, anunciando a questão da demarcação de terras indígenas feita de forma equivocada, enquanto outras questões se arrastam...

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O Sr. Leomar Quitanilha (PMDB - TO) -... há bastante tempo, trazendo uma dificuldade muito grande para a região, principalmente essa região nova que está sendo ocupada agora, o centro-norte, para aqueles que querem fazer empreendimentos e para os índios, que têm direitos legítimos sobre a terra. Qual a explicação para a não demarcação de áreas indígenas no nosso País? Há esses contrapontos, como V. Exª disse: há uma superpopulação indígena para um território relativamente pequeno, quando, em Rondônia ou Roraima, temos quase a extensão de todo o Estado para uma população reduzida. Então, é preciso que o responsável pela resolução dos problemas indígenas neste País, o Governo Federal, tome providências o mais urgentemente possível, para trazer tranqüilidade não só para os índios, que têm e que merecem de todos nós respeito, mas também para aqueles que querem empreender na região.

O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PDT - MS) - Obrigado, Senador Leomar Quintanilha.

Mas o Presidente também tem dificuldades, Senador Tião Viana, porque não tem autorização legislativa para desapropriar terras e expandir aldeias. A PEC nº 03/2004, de minha autoria, de que V. Exª tem conhecimento, poderia dar ao Presidente o instrumento necessário para resolver a expansão das aldeias sem cometer injustiça contra o índio ou contra os proprietários legitimamente titulados.

Sr. Presidente, como última argumentação, é preciso que o Executivo, o Governo Federal, a Funai e todos os que lidam com a questão indígena dêem mais autonomia política para os índios. Já existe uma geração nova de liderança indígena altamente qualificada, que pode perfeitamente falar por si e não por intermédio de Funai, de CIMI, de PKN, ou de quem quer que seja. O índio tem que falar por si só; tem direito a voz e voto nas assembléias das instituições que dizem respeito às questões indígenas.

O Brasil precisa, urgentemente, de uma política indigenista e de um conselho nacional indigenista como uma instituição forte, que possa fazer com que os nossos irmãos não sejam tão massacrados e que deixem de ser massa de manobra para essas ações ilegais que estão ocorrendo, principalmente na região Norte e Centro-Oeste.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/05/2005 - Página 14491