Discurso durante a 62ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Contingenciamento dos recursos orçamentários das agências reguladoras.

Autor
Augusto Botelho (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • Contingenciamento dos recursos orçamentários das agências reguladoras.
Publicação
Publicação no DSF de 18/05/2005 - Página 15109
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • DEBATE, LEGISLAÇÃO, AUTONOMIA, AGENCIA NACIONAL, FISCALIZAÇÃO, CONCESSIONARIA, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, PROTEÇÃO, CONSUMIDOR, SERVIÇO PUBLICO, AUSENCIA, SUBORDINAÇÃO, EXECUTIVO, CRITICA, GOVERNO FEDERAL, TENTATIVA, REVERSÃO, SITUAÇÃO, ILEGALIDADE, CORTE, ORÇAMENTO, REGISTRO, DADOS, PERDA, ANALISE, EFEITO, ESPECIFICAÇÃO, ATUAÇÃO, AGENCIA NACIONAL DO PETROLEO (ANP), AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELETRICA (ANEEL), AGENCIA NACIONAL DE AGUAS (ANA), AGENCIA, TRANSPORTE TERRESTRE, PROTESTO, PRIORIDADE, CRIAÇÃO, SUPERAVIT, PREJUIZO, DEMOCRACIA, ECONOMIA NACIONAL.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Agências reguladoras e contingenciamento orçamentário.”

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Governo é Governo, e Estado é Estado. Esconde-se, por detrás dessa tautologia simplista, uma lição muito importante, que vem sendo negligenciada pela Administração Federal mesmo antes de sua posse. Falo, aqui, da insistência com que vêm sendo solapadas - de forma sistemática, preconcebida e persecutória - as condições de funcionamento das Agências Reguladoras.

Criadas em vista da necessidade de controlar, normalizar e fiscalizar os prestadores de serviços públicos delegados, as Agências realizam uma função de Estado, ou seja, uma função de caráter perene, continuado, muito mais ligada à proteção dos consumidores dos serviços, a médio e longo prazos, que aos interesses imediatos dos setores de Governo, qualquer seja o governo de plantão.

É por esse motivo - para que atuem livres das diversas pressões e dos diversos interesses, inclusive os governamentais - que a Lei quis as Agências autônomas e independentes.

Autônomas porque não subordinadas a nenhum órgão do Poder Executivo, nem mesmo, como pensam alguns, aos Ministérios que com elas compartilham, por vezes, uma determinada área temática. Apenas se sujeitam ao controle do Poder Legislativo, que atua como representante e defensor do interesse público.

Independentes porque dotadas, pela Lei, de receitas e recursos próprios; livres, portanto, ao menos em teoria, das barganhas e dos instrumentos de coerção orçamentária e financeira que, muitas vezes, costuram a autoridade governamental ao longo do tecido administrativo.

E é precisamente porque não se conforma a essa autonomia, nem a essa independência, que o Governo Federal vem trabalhando para, na prática, revertê-las, tendo já escolhido o instrumento e a metodologia: o estrangulamento orçamentário.

Sr. Presidente, de fato, desde o ano de 2003, os recursos legais e orçamentários das Agências vêm sendo sistematicamente represados e contingenciados. Esses recursos - em parte compostos por verbas originárias do Tesouro Nacional, em parte compostos por arrecadação própria - vêm minguando escandalosamente, ano após ano.

No ano passado, o montante executado, ou seja, o valor efetivamente gasto, por quatro das maiores reguladoras de nosso País - a Agência Nacional de Telecomunicações - Anatel, a Agência Nacional do Petróleo - ANP, a Agência Nacional de Energia Elétrica - Aneel, e a Agência Nacional de Águas - ANA, decresceu, relativamente a 2002, quase 14%, em valores nominais.

Se considerarmos os efeitos da inflação acumulada no período, de mais de 17,6%, conforme o Índice de Preços ao Consumidor, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, temos que, em relação ao último ano do governo anterior, a execução orçamentária dessas Agências assinalou perdas da ordem de 30%. E estou a falar apenas da relação que se verificou entre os valores efetivamente despendidos pelos Órgãos.

Isso porque há uma redução prévia, muitíssimo mais significativa, embutida, de origem, na proposta orçamentária do Executivo, pela qual as receitas próprias, apenas no caso da ANP e da Anatel, foram represadas em 91,3 e em 86,2% do seu montante original, respectivamente, perfazendo um valor de retenção superior a 2 bilhões, duzentos e cinqüenta milhões de reais, para o total dos dois Órgãos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o contingenciamento de que falo, por conseguinte, significa uma redução adicional; uma redução feita após outra, muito maior, previamente engendrada pelos técnicos do Ministério do Planejamento e Orçamento. É disso, então, que se trata. De um colossal aprisionamento de recursos, todos eles legalmente direcionados!

Para 2005 é de se supor que o problema será ainda maior: estudo patrocinado pela Confederação Nacional da Indústria constatou, até o momento, um nível médio de execução inferior a 3,2%, aplicados sobre os já reduzidíssimos recursos aprovados para o exercício.

Em vista de todo esse panorama, grave e preocupante, selecionei um grupo de Agências, dentre aquelas mais importantes, para, nelas, exemplificar a cadeia de efeitos negativos que essa modalidade de indigência orçamentária traz ao País, desde os provocados pelo iminente desmantelamento da capacidade operacional dos Órgãos reguladores, até aqueles que tocam ao público consumidor; seja em termos da qualidade dos serviços prestados, seja em termos dos níveis de preço que alcançam tais serviços.

Sr. Presidente, inicialmente, vamos tratar da Agência Nacional do Petróleo. Com um contingenciamento da ordem de 43%, a ANP contará com apenas metade dos recursos necessários para a continuidade de seus contratos e convênios.

Várias de suas responsabilidades deixarão, por conseguinte, de ser cumpridas, dentre elas, a fiscalização das distribuidoras de combustível, que devem ser vistoriadas ao menos uma vez a cada ano. Também corre risco de descontinuidade o convênio com a Marinha, que objetiva fiscalizar os volumes de petróleo e gás extraídos na plataforma continental, permitindo o cálculo dos royalties sobre a produção e a distribuição dessa receita, que constituem, hoje, aporte vital para vários Estados e Municípios.

Veremos configurada, como nas palavras de Haroldo Lima, Diretor-Geral interino da ANP, um episódio de “economia caríssima”, tanto para o Órgão quanto para os Entes Federativos envolvidos.

Sr. Presidente, na Agência Nacional de Energia Elétrica, a situação é igualmente grave. A redução de recursos, mesmo desconsideradas as rubricas relativas a pagamento de pessoal, ainda é significativa, situada em torno de 42%.

Essa redução, sobre um volume de recursos já pequeno, prejudicará as atividades de fiscalização, inclusive aquelas relativas à recepção e tratamento das reclamações do consumidor, seja em função de problemas de preço e de tarifa, nas contas de luz, seja por problemas de qualidade dos serviços prestados, tais como a queima corriqueira de aparelhos eletrodomésticos, motivada pela variação de voltagem na rede elétrica.

A pouca disponibilidade de verbas, no caso da Agência Nacional de Águas, prejudicará algumas das atividades centrais do Órgão, dentre elas, o programa de apoio à instalação dos comitês de bacias hidrográficas, como é o caso das bacias do rio Doce, em Minas Gerais e no Espírito Santo, e do rio Piranhas-Açu, no Rio Grande do Norte e na Paraíba. Esses comitês são extremamente importantes para o bom encaminhamento das ações de saneamento e de proteção ambiental, situando-se, ambos, em regiões de grande carência, onde sua atuação, na resolução dos problemas da água, é vital para o bem-estar das populações locais.

Ainda com relação à Agência de Águas, poderá ser comprometida a manutenção da rede hidrometeorológica nacional, sistema em funcionamento há mais de 30 anos, que acompanha os índices de vazão dos rios em cerca de 5,5 mil pontos no País. Essas informações são críticas para o manejo e o aproveitamento dos nossos recursos hídricos e grandes serão os prejuízos econômicos, administrativos e científicos caso seja interrompida a coleta de dados.

A Agência Nacional de Transportes Terrestres, por sua vez, foi contingenciada em mais de um terço de seus recursos, podendo temer-se, até mesmo o risco de descontinuidade na fiscalização dos serviços de transportes, sejam de passageiros, sejam de carga, rodoviários e ferroviários.

Podem deixar de ser auditados e certificados, portanto, serviços de transporte de grande relevância para a vida da população, tais como as linhas interestaduais de ônibus, e serviços críticos para a economia nacional, como o transporte de cargas, seja para consumo interno, seja para a exportação. Parece que, nesse caso, também se aplica a máxima acerca do “barato que sai caro”. E caro, aqui, pode significar um alto custo econômico e, ainda, um custo ainda mais alto, em vidas humanas.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, já podemos declinar, portanto, quais serão os maiores prejudicados pela postura adotada pelo Executivo: serão os brasileiros; serão os consumidores dos serviços públicos, justamente aqueles que a Lei buscou proteger, além, em verdade, da própria economia do País.

E quem o confessa é o próprio Governo Federal. Em matéria recentemente divulgada na imprensa especializada, o Subchefe de Coordenação da Ação Governamental da Casa Civil, Luiz Alberto dos Santos, conclui que o assim chamado “risco regulatório” gerou, em relação aos investimentos feitos ano passado, na América Latina, um custo adicional na faixa de 2 a 6 %; e um acréscimo nas tarifas públicas de até 20%.

Somos, então, todos prejudicados. Trabalhadores e setor produtivo.

Sr. Presidente, um pouco mais difícil é identificar os beneficiados por tão insensata política. Os recursos não executados, inclusive aqueles bilhões e bilhões de reais que sequer chegaram ao Orçamento, só servirão, de fato, para engrossar a conta das economias públicas que formam o superávit primário. De forma estéril e inútil.

É impressionante, de fato, constatar que tais recursos não podem, sequer, ser utilizados no pagamento da dívida pública. Para que serve, então, tanto dinheiro? Para que serve, já que não é investido na melhoria dos serviços públicos, por meio dos agentes de regulação, nem usado para pagar os juros e o principal de nossa dívida?

Ele fica imobilizado; esterilizado nos cofres dos bancos oficiais; gerando apenas as condições para o alcance das metas de superávit, em conjunto com muitos outros recursos, tais como aqueles, pagos pelos consumidores, usados na formação do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações - Fust; tais como os consignados na conta da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico - Cide, apenas para citar alguns.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, finalizo, por óbvio, que há um modelo de regulação dos serviços públicos em vigor no Brasil. Se esse modelo não agrada ao Executivo, é legítimo que ele o discuta, apresentando as alternativas junto ao Congresso Nacional. 

Julgados oportunos e convenientes, que se façam os aprimoramentos. Essa é uma alternativa constitucionalmente aberta; disponível à iniciativa do Senhor Presidente da República.

Penso, entretanto, que não é legítimo, nem democrático, prejudicar o desempenho de um conjunto de agentes do Estado - as Agências Reguladoras - em pleno exercício de suas prerrogativas legais, por meio de subterfúgios, por meio da verdadeira guerra orçamentária que, hoje, contra elas é levantada.

Uma guerra que atinge os interesses de todos os cidadãos e todos os consumidores de serviços públicos. Que fere, ainda, a competitividade da nossa economia, a sua capacidade de atrair investimentos produtivos, internos e externos, e as perspectivas mesmas do desenvolvimento permanente e sustentado do Brasil.

É o que eu tinha a dizer.

           Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/05/2005 - Página 15109