Discurso durante a 64ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise da situação fundiária em Roraima.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FUNDIARIA. POLITICA INDIGENISTA. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Análise da situação fundiária em Roraima.
Publicação
Publicação no DSF de 20/05/2005 - Página 15805
Assunto
Outros > POLITICA FUNDIARIA. POLITICA INDIGENISTA. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • REGISTRO, ENTRADA, PROCESSO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), SOLICITAÇÃO, CUMPRIMENTO, DISPOSITIVOS, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, TRANSFERENCIA, TERRAS, UNIÃO FEDERAL, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DE RORAIMA (RR), EFEITO, ELEVAÇÃO DE CATEGORIA, UNIDADE FEDERAL.
  • CRITICA, EXCESSO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, AREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL, ESTADO DE RORAIMA (RR), PREJUIZO, INVESTIMENTO, REGIÃO.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), RETIRADA, POPULAÇÃO, ASSENTAMENTO RURAL, ESTADO DE RORAIMA (RR), ACUSAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, DESRESPEITO, PACTO, REPUBLICA FEDERATIVA.
  • DEFESA, APROVAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, INCLUSÃO, COMPETENCIA, SENADO, ANALISE, CRIAÇÃO, RESERVA INDIGENA, AREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o assunto do meu pronunciamento de hoje tem muito a ver com o que foi abordado aqui pelo Senador Leonel Pavan. Inclusive, presidindo a comissão externa do Senado que analisou a questão de demarcação de terras indígenas, estivemos em Santa Catarina. Lá havia esse problema da demarcação uma área indígena em um local onde vivem duas dezenas de colonos há mais de 100 anos. Retirar esses colonos para criar uma reserva indígena, porque alguns índios residiam perto dali, era o que se pretendia. De um lado, há a questão indígena; de outro, a questão ambiental. E é justamente essa questão que venho colocar na tarde de hoje.

Anteontem, ingressei com uma ação no Supremo Tribunal Federal para que a Justiça determine ao Governo Federal que faça cumprir um dispositivo da atual Constituição segundo o qual, quando da transformação de Roraima de Território Federal para Estado da Federação, havia a disposição especifica de que o novo Estado teria como limite os limites do ex-Território Federal de Roraima.

Ora, Sr. Presidente, se o novo Estado tem os limites do ex-Território de Roraima, isso quer dizer que todas as terras que estão dentro desses limites são do Estado de Roraima e não mais do Território Federal, que se extinguiu, e não mais da União, que era quem administrava o território.

Isso o Supremo Tribunal Federal reconheceu recentemente quando um dos Governadores do Estado quis vender um conjunto de casas, intitulado Conjunto dos Executivos. Esse conjunto foi construído para abrigar os secretários do governo, e a Procuradoria Geral da União entrou com um recurso contra essa venda, alegando que aquele conjunto era propriedade da União, pois que construída na época do Território Federal com recursos federais. E o Supremo decidiu que, desde a implantação do Estado, portanto em 1º de janeiro de 1991, com a posse do primeiro governador eleito, todos os bens móveis e imóveis do ex-Território, portanto da União, passavam para o domínio do novo Estado, o Estado de Roraima.

No entanto, a União vem empurrando com a barriga a adoção dos atos formais para essa transferência, embora até pudessem ser dispensados, uma vez que a Constituição fez alusão de que se aplicavam também aos Estados de Roraima e Amapá as mesmas disposições da lei complementar que criou o Território de Rondônia. Nessa lei complementar, portanto numa norma infra-constitucional, estava claro que todos os bens móveis e imóveis do ex-Território passariam ao novo Estado.

Nesse meio tempo, de 1º de janeiro de 1991 para cá, o que vem fazendo a União? De um lado, a Funai vem demarcando reservas indígenas uma atrás da outra. No meu Estado, já são 35 reservas indígenas, e há mais duas delimitadas para serem demarcadas - isso corresponde mais ou menos a 50% do território do meu Estado; os outros 48% são terras que estão sob o “domínio” do Incra e de áreas de reservas ecológicas. Pois bem, sobra para o Estado algo em torno de 8 a 9% da sua área territorial global.

Nessa situação, ninguém em Roraima tem coragem de investir; se o fizer, por exemplo, na produção do arroz, da soja ou de qualquer outra produção agrícola, pode ter a sua terra desapropriada, ou melhor, expropriada, porque não houve desapropriação alguma - não se pagou à maioria das pessoas atingidas por essas demarcações - e ficarão, portanto, a ver navios.

Então, temos realmente de rever essa situação. Estamos numa Federação, em que há um pacto federativo, e os Estados têm de ser respeitados. No entanto, o meu Estado e o Estado do Amapá enfrentam o mesmo problema. Vê-se, contudo, que isso não ocorre só nos novos Estados. Estava vendo aqui o exemplo de Santa Catarina bem há pouco, relatado pelo Senador Leonel Pavan. Ficamos à mercê de decisões tomadas por portarias e até mesmo por mecanismos menores de determinados ministérios. No momento, por exemplo, não satisfeito de demarcar 35 reservas indígenas - mais duas serão 37 -, o Incra agora está no sul do meu Estado tentando expulsar pessoas que estão lá há mais de 20 anos. O Incra fez os assentamentos, abandonou os colonos lá, não lhes dando assistência técnica ou financeira, de jeito algum. Essas pessoas foram, ao longo do tempo, sendo obrigadas a vender seus lotes para o vizinho ou para uma outra pessoa. Assim, foram aplicando recursos próprios, desenvolvendo a agricultura, a pecuária, dependendo do tamanho do lote. Agora, em locais onde já passou até o prazo legal para se fazer um assentamento e que já deveriam, portanto, ter sido emancipados, o Incra quer retirar milhares de produtores da região para começar um novo assentamento.

Então, isso é um absurdo. Pode-se dizer que o meu Estado vive, hoje, uma situação de intervenção federal branca. Há poucos dias, houve uma operação rocambolesca, executada pela Polícia Federal com o apoio do Exército, por causa da demarcação da área indígena na Raposa Serra do Sol, uma operação desnecessária, intimidatória, que teve apenas o condão de amedrontar as pessoas, mostrando que o Governo Federal é quem manda.

Cessada essa operação, há uma operação no sul do meu Estado, notadamente nos Municípios de Rorainópolis, São João do Baliza, São Luiz e Caroebe, onde estão os assentamentos que o Incra fez há décadas. Estão ameaçados de perder suas propriedades, dadas diretamente pelo Incra ou adquiridas de terceiros, de boa-fé por estarem lá abandonadas. Todas essas pessoas estão em pânico, Sr. Presidente.

Daí por que minha ação junto ao Supremo Tribunal Federal. Considero um absurdo jurídico o que está sendo feito pelo Governo Federal contra uma unidade da Federação. Não posso aceitar que o Senado assista impassível a essa verdadeira intervenção, e, pior: uma expropriação das pessoas que estão lá trabalhando.

Aliás, eu até diria que o Governo teria de pagar para esses brasileiros viverem em Roraima e em todas as fronteiras da Amazônia, porque não é fácil viver lá, à mercê de pegar malária, leishmaniose e outras doenças tropicais endêmicas. No entanto, muitas dessas mentes que se julgam professores de Deus e que ficam aqui em Brasília, no Rio ou em São Paulo, pensam que, só olhando o mapa, podem mudar a vida das pessoas que estão lá sofrendo.

Então, como Senador por Roraima, como Senador da Amazônia e como Senador da República, não posso aceitar essa verdadeira transgressão ao pacto federativo, praticada de maneira escancarada pelo Governo Federal.

Espero, portanto, que nós, aqui no Senado, adotemos as medidas necessárias. Apresentei, inclusive, emenda à Constituição que inclui como competência privativa do Senado a análise da criação de reservas indígenas e ecológicas, porque, no final das contas, o que significa isso na prática? Retirar terras do Estado para a União, para o Governo Federal. Então, não pode uma Casa que representa os Estados, responsável pelo equilíbrio federativo, aceitar isso passivamente.

No entanto, minha emenda à Constituição, que está aí desde 1999, já veio aqui para ser votada em primeiro turno; passaram as cinco sessões, e foi requerida sua volta à CCJ, que a analisou de novo. Na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, foi aprovada e precisamos colocá-la em pauta para votação.

Não é possível mais aceitarmos esse ultraje às pessoas, àqueles milhões de brasileiros que vivem na Amazônia. São 25 milhões de brasileiros na Amazônia, que não podem ficar à mercê do humor ou da ideologia de pessoas que compõem momentaneamente um governo - este Governo, o governo anterior ou o próximo governo. Na verdade, faz-se necessário um pensamento de estadista, e não de uma pessoa que esteja momentaneamente presidindo o País.

Deixo esse registro, dizendo àqueles companheiros de Roraima, principalmente aos dos Municípios que citei - Rorainópolis, Baliza, São Luiz e Caroebe - que entramos com essa ação no Supremo e vamos tomar outras medidas capazes de resguardar os interesses da população, porque, de um lado, somos flechados pela criação de 35 reservas indígenas; de outro lado, somos atacados pelo Incra, que quer expulsar quem está morando lá; e, por outro lado ainda, vem o Ibama criando reservas ambientais uma atrás da outra.

Então, é preciso que o Senado se debruce sobre essa situação, que é séria, não podendo ser conduzida por meia dúzia de pessoas que se julgam muito iluminadas e donas da verdade, professoras de Deus, que, podem, na verdade, colocar em risco a Federação e o equilíbrio federativo.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/05/2005 - Página 15805