Discurso durante a 64ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a execução do Orçamento da União.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ORÇAMENTO.:
  • Considerações sobre a execução do Orçamento da União.
Aparteantes
Heráclito Fortes.
Publicação
Publicação no DSF de 20/05/2005 - Página 15809
Assunto
Outros > ORÇAMENTO.
Indexação
  • DEFESA, OBRIGATORIEDADE, EXECUÇÃO ORÇAMENTARIA, GOVERNO FEDERAL, ATENDIMENTO, NECESSIDADE, MUNICIPIOS, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA, RECURSOS.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trago à tribuna, nesta sessão, a minha contribuição sobre um dos temas mais palpitantes no momento: a execução do Orçamento da União. Estamos discutindo propostas de emendas à Constituição de autoria dos Senadores Antonio Carlos Magalhães e Pedro Simon, que, por modos diferentes, buscam garantir a execução do Orçamento Federal.

Infelizmente, Sr. Presidente, a nossa população associa o termo “Orçamento da União”, devido a acontecimentos passados, a falcatruas, aos anões do orçamento - banidos da vida parlamentar por uma CPI deste Congresso -, à moeda de barganha entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo. Portanto, o Orçamento da União parece, à primeira vista, um instrumento não-ético, que macula a administração pública e o Poder Legislativo, também agravado pelo fato de ser uma peça de ficção. Aprovado o Orçamento pelo Legislativo, logo as suas verbas são contingenciadas pelo Executivo, e, raramente, as emendas parlamentares, sejam individuais ou coletivas, são liberadas a tempo para a promoção do desenvolvimento social e para obras de infra-estrutura em todo o nosso País.

Nesse sentido, ao examinar tal assunto, gostaria de abordar duas questões que são preocupantes, típicas de nossa época e típicas da atividade política e parlamentar que exerço. A primeira questão é a relação entre os interesses locais e os interesses gerais da sociedade brasileira. Para essa relação ficar clara, pego justamente o exemplo do orçamento público. O Executivo manda ao Congresso Nacional uma proposta orçamentária geral, que é, em tese, a expressão dos interesses gerais da sociedade brasileira, de todo o País. Em contrapartida, os interesses locais, específicos de um Município, de uma região ou de um Estado, não atendidos por aquela proposta geral, são expressos em emendas de Parlamentares.

A mídia tende a demonizar essas emendas parlamentares, apresentá-las como quase sinônimo de corrupção. No entanto, não vejo por que os interesses locais devem ter menor legitimidade do que os interesses gerais. É claro que estes não podem sobrepor-se àqueles, mas é incorreto que tais interesses mais locais encontrem forma de se expressar de modo secundário? Parece-nos que não, que, pelo contrário, é uma forma de democratizar o processo de elaboração de um orçamento público, especialmente porque, no nosso País, facilmente se faz passar por interesse geral o que é apenas o interesse dos grandes, dos poderosos, dos mais fortes, dos que detêm o poder, o poder político e o poder econômico. No meu entender, utilizar argumentos morais para prejudicar os interesses pequenos ou difusos é uma grave distorção do debate público sobre a moralidade do dinheiro público.

O errado é o sistema com que essas emendas parlamentares são executadas. Como o Orçamento não é impositivo, é apenas autorizativo, o Executivo tem a opção de executar ou não os itens orçamentários ao seu bel-prazer. Assim, os Parlamentares irão defender os interesses locais que coincidem com a sua base regional, e eles estarão sempre dependentes da decisão do Executivo. Quero abrir um parêntese, Sr. Presidente, para dizer que essa dependência do Legislativo em relação ao Executivo nas emendas parlamentares é um problema que se arrasta por longos e longos anos. Com isso, o Executivo fica com uma fortíssima moeda de troca para pressionar o voto dos Parlamentares nos projetos de interesse do Executivo.

Qual seria a forma de solucionar esse conflito ético? Seria, na minha opinião, que o Orçamento fosse impositivo e o Executivo fosse apenas executivo, isto é, executor das decisões do Legislativo, como ocorre na maioria das democracias e, em especial, nos Estados Unidos, tão lembrados por nossa elite como exemplo de democracia e onde o Legislativo não só determina o orçamento que o Executivo está obrigado a cumprir, como este não pode deixar de cumprir cada item, a não ser que uma lei especial o libere disso, por decisão, mais uma vez, do Legislativo. Nos Estados Unidos, a lei orçamentária é impositiva, é obrigatória. E qualquer contingenciamento, por menor que seja, tem de passar pela ótica do Legislativo. Além disso, é a poderosa Comissão de Meios do Congresso americano que verifica qual foi a arrecadação do Tesouro no mês e determina para onde vai essa arrecadação. Nem por isso o Executivo é fraco nos Estados Unidos, mas o Legislativo é muito mais forte do que no modelo brasileiro.

Em nosso modelo de orçamento, o Legislativo praticamente não é um Poder, mas um mero órgão homologador do Executivo, e o Orçamento autorizativo tem grande parte da culpa por isso. Se o Orçamento fosse impositivo, a relação entre os interesses gerais da sociedade e os interesses locais específicos, os interesses regionais, os interesses dos Municípios, seria muito mais transparente, sendo travado um debate geral e público entre os representantes do povo, de forma muito mais democrática do que acontece hoje.

O Legislativo, que é o mais democrático e acessível dos Poderes, aquele que sofre de forma mais direta as influências da sociedade, seria reforçado, o que seria um reforço da própria democracia. A separação dos Poderes seria muito mais efetiva e clara, o Legislativo legislando, inclusive em matéria orçamentária, com autonomia; e o Executivo cumprindo a sua função clássica de executar.

Sr. Presidente, os grupos sociais buscam formas de fazer com que seus interesses específicos sejam compreendidos, de tal forma que possam representar os interesses gerais da sociedade inteira. Assim, a elite - normalmente assentada em grandes metrópoles e que conta com veículos de comunicação social - quer que se entenda que os seus interesses são os melhores interesses também da sociedade; e o trabalhador, o sertanejo, o agricultor ou o pequeno comerciante dos longínquos Municípios do interior do Brasil tentam convencer a sociedade de que os seus interesses devem também ser atendidos e, para isso, contam somente com suas pequenas associações, sindicatos ou, muitas vezes, somente com um Parlamentar que alcançou o cargo de Deputado ou Senador. A vitória nessa disputa de visões ideológicas é que determina a hegemonia social de uma ou outra dessas classes.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Concedo um aparte ao Senador Heráclito Fortes, com muito prazer.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Senador Antonio Carlos Valadares, V. Exª toca num ponto que é muito sensível a todos nós, Parlamentares, que é a falta de uma definição mais lógica sobre o nosso papel no Orçamento brasileiro. É claro que o Orçamento é a lei maior que esta Casa tem a oportunidade de votar ano a ano e que, teoricamente, definiria os rumos da arrecadação brasileira. Mas, como V. Exª bem disse, o Orçamento torna-se uma peça de ficção, uma peça de retórica. A tradição brasileira não é como a americana, de não apenas aprovar como fiscalizar, acompanhando passo a passo a execução orçamentária, como também de, somente por meio do Congresso, permitir correções dos rumos orçamentários. Aqui, a cada ano, por meio de decreto, desmoralizando a lei aprovada pelo Congresso, sob a alegação de superávit ou do que quer que seja, qualquer tecnocrata modifica a Lei Orçamentária e o seu destino. De forma que entendo que V. Exª faz um pronunciamento oportuno, até porque estamos exatamente neste momento procurando encontrar uma maneira de modificar a tramitação do Orçamento no Congresso Nacional. E tenho certeza - V. Exª bem disse isto - de que, se alcançarmos o caminho do Orçamento impositivo, vamos acabar inclusive com as tensões na relação entre o Governo e o Parlamento, muitas delas causadas exatamente pela insegurança em que se vive com relação à liberação de recursos aprovados e que são de interesse dos Parlamentares. Para encerrar, dou-lhe só um exemplo: tivemos, ao final do ano, a aprovação de R$2,9 bilhões, por meio de um acordo feito entre o Governo brasileiro e o FMI, mas ninguém sabe quem comandou esse acordo, quem escolheu as estradas do meu Estado, as estradas do Estado de V. Exª, enfim, de quem partiu essa iniciativa, quem comandou a escolha desses recursos. O Orçamento impositivo, Senador Antonio Carlos Valadares, creio que será a grande solução para que possamos ter essa peça mais transparente. Muito obrigado a V. Exª.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Sr. Presidente, já estou concluindo.

V. Exª tem razão. Depois da Carta Magna, que é a nossa Constituição, a nossa Lei Maior, a lei mais importante deveria ser a Lei Orçamentária. Entretanto, como falei, e V. Exª reafirmou, trata-se apenas de uma lei autorizativa, uma peça de ficção que ninguém leva a sério. Sabe-se que ela não vai ser aplicada na totalidade.

O resultado, Sr. Presidente, é que a hegemonia da marginalização, da exclusão social, que é a hegemonia da elite, vai se consolidando cada vez mais. Assim, a única forma de se fazer frente a essa realidade do Orçamento seria a atuação exemplar e unida dos Parlamentares em colocarem nos eixos o debate sobre o Orçamento.

No Brasil, a questão orçamentária é um importante fator para o atendimento dos objetivos fundamentais da República, previstos no art. 3º da nossa Carta Magna: (i) construir uma sociedade livre, justa e solidária; (ii) garantir o desenvolvimento nacional; (iii) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; (iv) promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Era só, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/05/2005 - Página 15809