Discurso durante a 64ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Inserção em Ata de voto de congratulação à escritora Lygia Fagundes Telles, agraciada com o Premio Camões de 2005. Posicionamento favorável à CPI dos Correios.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS (ECT).:
  • Inserção em Ata de voto de congratulação à escritora Lygia Fagundes Telles, agraciada com o Premio Camões de 2005. Posicionamento favorável à CPI dos Correios.
Publicação
Publicação no DSF de 20/05/2005 - Página 15838
Assunto
Outros > HOMENAGEM. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS (ECT).
Indexação
  • HOMENAGEM, ESCRITOR, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CONGRATULAÇÕES, PREMIO, IMPORTANCIA, AMBITO INTERNACIONAL, LEITURA, TRECHO, OBRA LITERARIA.
  • ANUNCIO, REUNIÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), OBJETIVO, DECISÃO, OPINIÃO, MEMBROS, CRIAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, INVESTIGAÇÃO, DENUNCIA, CORRUPÇÃO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, TEXTO, AUTORIA, ESCRITOR, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), HISTORIA, VIDA, LITERATURA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, em alguns momentos, nossas tarefas são tão intensas que, quando pessoas queridas vêm-nos visitar, é difícil estar com elas.

A Srª Maria José, mãe da Senadora Ana Júlia Carepa, veio passar alguns dias com a filha, mas está muito difícil ficarem juntas em face do grande número de reuniões que têm perdurado até tarde. A Srª Maria José veio hoje ficar junto à filha no plenário.

Dou a ela as boas-vindas e vou proferir discurso em homenagem às mulheres, especialmente uma mulher excepcional da literatura brasileira que acaba de receber o Prêmio Camões, um dos mais importantes da língua portuguesa.

Alguns dos que o ganharam, como José Saramago, acabaram ganhando o Prêmio Nobel de Literatura. É uma ótima notícia para a mulher brasileira.

Sr. Presidente, requeiro, nos termos do art. 222 do Regimento Interno do Senado Federal, a inserção em ata de voto de congratulações à escritora Lygia Fagundes Telles, que recebeu o Prêmio Camões 2005, maior láurea concedida a escritores de países de língua portuguesa.

Lygia recebeu a notícia no Rio, onde participa da Bienal Internacional do Livro. A autora de As Meninas (1973), um de seus principais títulos, acaba de lançar o livro Meus Contos Esquecidos e diz já estar trabalhando num novo romance. A escritora publicou seu primeiro livro de contos - Porão e Sobrado - numa edição paga pelo seu pai, aos 15 anos de idade.

Entre os livros mais conhecidos da autora está o primeiro romance -Ciranda de Pedra - lançado em 1952, e que deu origem a uma telenovela. A vencedora do Prêmio Camões nasceu em 19 de abril de 1923, em São Paulo, onde vive atualmente.

Por causa da profissão do pai, advogado com funções de Promotor Público, passou a infância saltando de cidade em cidade, onde se habituou a ouvir histórias contadas por outras crianças e a criar as próprias fantasias.

O segundo livro de contos - O Cacto Vermelho - saiu em 1949, e conquistou o Prêmio Afonso Arinos, da Academia Brasileira de Letras.

No total, Lygia Fagundes Telles já publicou 17 livros entre contos e romances, disponíveis em Portugal, Alemanha, França, Estados Unidos Itália, Suécia, Holanda, Espanha e Polônia.

Em Portugal, foram lançados os livros A Disciplina do Amor, A Noite Escura e Mais Eu e Antes do Baile Verde.

As Meninas, a mais conhecida de suas obras, foi adaptada para o cinema e a televisão, e mereceu várias homenagens há dois anos, durante as comemorações dos 30 anos de seu lançamento. O romance também se transformou em nome de um prêmio literário, concedido pelo Governo do Estado de São Paulo.

Sua última obra - Durante Aquele Estranho Chá - Perdidos e Achados (2002) - que reúne textos nos quais lembra encontros e emoções que viveu, principalmente as literárias.

Vasco Graça Moura, que integrou o júri do Prêmio Camões 2005, lembra que o estilo de Lygia Fagundes Telles é “sutilmente melancólico, sagaz na maneira como analisa o universo da infância e adolescência ou aspectos da vida urbana”.

Paulo Nogueira, um escritor brasileiro que vive há vários anos em Portugal, destaca a escrita intimista de Lygia, que considera um dos grandes expoentes da literatura brasileira dos últimos anos.

Carlos Pinto Coelho, que entrevistou Lygia Fagundes Telles no programa “Em Português nos Entendemos”, lembra o sentido de humor da escritora, que, na ocasião, fez um elogio divertido ao escritor moçambicano Mia Couto, que também deixa palavras de apreço para a vencedora do galardão.

O Prêmio Camões, no valor de cem mil euros, foi instituído em 1988 pelos governos de Portugal e do Brasil e visa distinguir, anualmente, um escritor cuja obra tenha contribuído para o enriquecimento dos patrimônios cultural e literário em Português.

A votação levou menos de duas horas, e dela participaram o Presidente da Academia Brasileira de Letras, Ivan Junqueira, o também acadêmico Antônio Carlos Secchin, representando o Brasil, o angolano José Eduardo Agualusa, o cabo-verdiano Germano de Almeida e os portugueses Agustina Bessa-Luís (vencedora do ano passado) e Vasco Graça Moura (que mandou o voto por telefone). “Não havia muito o que discutir, por isso decidimos logo”, explicou Agustina. “A Lygia é muito conhecida em Portugal, e este prêmio vai divulgá-la também nos países lusófonos da África”, completou Agualusa.

O prêmio deverá ser entregue em Portugal, ainda no primeiro semestre, dependendo da agenda de Lygia Fagundes Telles. Ela ainda não sabe quando poderá ir lá, mas disse estar feliz em saber que sua obra viajará mais pelo mundo. “Já sou editada em Portugal, França, Alemanha e agora também na República Checa”, disse ela, que, este ano, somente vai escrever um livro de crônicas. O romance ficará para depois.

O livro de contos Invenção e Memória, publicado em 2000, deu a Lygia seu quarto Prêmio Jabuti, um dos mais importantes do Brasil e concedido pela Câmara Brasileira do Livro. Ela também recebeu os prêmios Afonso Arinos (1948), concedido pela Academia Brasileira das Letras, Instituto Nacional do Livro (1958), Boa Leitura (1964), Guimarães Rosa (1971) e PEN Clube Brasil (1977), entre outros.

Ela se formou em Direito na Universidade de São Paulo e chegou a exercer a profissão como Procuradora no Estado de São Paulo.

Todas as vezes em que encontro Lygia Fagundes Telles, ela me transmite uma energia tão positiva, que fico pensando o que ela me recomendaria diante da decisão que estamos por tomar, nós, do Partido dos Trabalhadores, Senador Pedro Simon, diante deste dilema, ela que se diz minha eleitora entusiasmada. Por isso, gostaria de perguntar sua posição. Senadora Heloísa Helena, telefonarei a ela ainda hoje a fim de contar do requerimento que proponho ao Senado Federal e de cumprimentá-la por essa tão bonita homenagem e por receber um dos maiores prêmios para escritores da Língua Portuguesa.

Gostaria de perguntar: Lygia, diante do que estamos percebendo e diante de tudo que foi divulgado, qual é a sua recomendação a nós, que formamos a Bancada do Partido do Presidente Lula?, que, tenho a convicção, ela também ajudou a eleger. “Com toda a nossa história, qual seria a sua recomendação?” Estamos dialogando e realizaremos uma reunião no sábado a fim de decidir em que medida devemos, Senadores e Senadoras do PT, assinar ou não, com o propósito de melhor defender o Presidente Lula e tudo aquilo que nós, do PT, e Sua Excelência sempre defendemos para o Brasil e para o interesse público no que diz respeito à honestidade na Administração Pública. Depois direi aos meus companheiros de Partido, na reunião do Diretório Nacional, qual será a sua recomendação.

Para concluir, passo a ler “A Caçada”, de Lygia Fagundes Teles:

A loja de antiguidades tinha o cheiro de uma arca de sacristia com seus panos embolorados e livros comidos de traça. Com as pontas dos dedos, o homem tocou numa pilha de quadros. Uma mariposa levantou vôo e foi chocar-se contra uma imagem de mãos decepadas.

- Bonita imagem - disse ele.

A velha tirou um grampo do coque e limpou a unha do polegar.

- É um São Francisco.

Ele então voltou-se lentamente para a tapeçaria que tomava toda a parede no fundo da loja. Aproximou-se mais. A velha aproximou-se também.

- Já vi que o senhor se interessa mesmo é por isso... Pena que esteja nesse estado.

O homem estendeu a mão até a tapeçaria, mas não chegou a tocá-la.

- Parece que hoje está mais nítida...

- Nítida? - Repetiu a velha, pondo os óculos. Deslizou a mão pela superfície puída - Nítida, como?

- As cores estão mais vivas. A senhora passou alguma coisa nela?

A velha encarou-o. E baixou o olhar para a imagem de mãos decepadas. O homem estava tão pálido e perplexo quanto a imagem.

- Não passei nada, imagine... Por que o senhor pergunta?

- Notei uma diferença.

- Não, não passei nada, essa tapeçaria não agüenta a mais leve escova, o senhor não vê? Acho que é a poeira que está sustentando o tecido - acrescentou, tirando novamente o grampo da cabeça. Rodou-se entre os dedos com ar pensativo. Teve um muxoxo: - Foi um desconhecido que trouxe, precisava muito de dinheiro. Eu disse que o pano estava por demais estragado, que era difícil encontrar um comprador, mas ele insistiu tanto... Preguei aí na parede e aí ficou. Mas já faz anos isso. E o tal moço nunca mais me apareceu.

- Extraordinário...

A velha não sabia agora se o homem se referia à tapeçaria ou ao caso que acabara de lhe contar.

Encolheu os ombros. Voltou a limpar as unhas com o grampo.

- Eu poderia vendê-la, mas quero ser franca, acho que não vale mesmo a pena. Na hora que se despregar, é capaz de cair em pedaços.

O homem acendeu um cigarro. Sua mão tremia. Em que tempo, meu Deus! Em que tempo teria assistido a essa mesma cena. E onde?...

Era uma caçada. No primeiro plano, estava o caçador de arco retesado, apontando para uma touceira espessa. Num plano mais profundo, o segundo caçador espreitava por entre as árvores do bosque, mas esta era apenas uma vaga silhueta, cujo rosto se reduzira a um esmaecido contorno. Poderoso, absoluto era o primeiro caçador, a barba violenta como um bolo de serpentes, os músculos tensos, à espera de que a caça levantasse para desferir-lhe a seta.

O homem respirava com esforço. Vagou o olhar pela tapeçaria que tinha a cor esverdeada de um céu de tempestade. Envenenando o tom verde-musgo do tecido, destacavam-se manchas de um negro-violáceo e que pareciam escorrer da folhagem, deslizar pelas botas do caçador e espalhar-se pelo chão como um líquido maligno. A touceira na qual a caça estava escondida também tinha as mesmas manchas e que tanto podiam fazer parte do desenho como ser simples efeito do tempo devorando o pano.

- Parece que hoje tudo está mais próximo - disse o homem em voz baixa. É como se... Mas não está diferente? A velha firmou mais o olhar. Tirou os óculos e voltou a pô-los.

Não vejo diferença nenhuma. - Ontem não se podia ver se ele tinha ou não disparado a seta...

Que seta? O senhor está vendo alguma seta?

- Aquele pontinho ali no arco...

A velha suspirou.

- Mas esse não é um buraco de traça? Olha aí, a parede já está aparecendo, essas traças dão cabo de tudo - lamentou disfarçando um bocejo. Afastou-se sem ruído, com suas chinelas de lã. Esboçou um gesto distraído: - Fique aí à vontade, vou fazer o meu chá.

O homem deixou cair o cigarro. Amassou-o devagarinho na sola do sapato. Apertou os maxilares, numa contração dolorosa. Conhecia esse bosque, esse caçador, esse céu - conhecia tudo tão bem, mas tão bem! Quase sentia nas narinas o perfume dos eucaliptos, quase sentia morder-lhe a pele o frio úmido da madrugada, ah, essa madrugada! Quando? Percorrera aquela mesma vereda, aspirara aquele mesmo vapor que baixava denso do céu verde... Ou subia do chão? O caçador de barba encaracolada parecia sorrir perversamente embuçado. Teria sido esse caçador? Ou o companheiro lá adiante, o homem sem cara espiando entre as árvores? Uma personagem de tapeçaria. Mas qual? Fixou a touceira onde a caça estava escondida. Só folhas, só silêncio e folhas empastadas na sombra. Mas, detrás das folhas, através das manchas pressentia o vulto arquejante da caça. Compadeceu-se daquele ser em pânico, à espera de uma oportunidade para prosseguir fugindo. Tão próxima a morte! O mais leve movimento que fizesse, e a seta... A velha não a distinguira, ninguém poderia percebê-la, reduzida como estava a um pontinho carcomido, mais pálido do que um grão de pó em suspensão no arco.

Enxugando o suor das mãos, o homem recuou alguns passos. Vinha-lhe agora uma certa paz, agora que sabia ter feito parte da caçada. Mas essa era uma paz sem vida, impregnada dos mesmos coágulos traiçoeiros da folhagem. Cerrou os olhos. E se tivesse sido o pintor que fez o quadro? Quase todas as antigas tapeçarias eram reproduções de quadros, pois não eram? Pintara o quadro original e por isso podia reproduzir, de olhos fechados, toda a cena nas suas minúcias: o contorno das árvores, o céu sombrio, o caçador de barba esgrouvinhada, só músculos e nervos apontando para a touceira... “Mas se detesto caçadas! Por que tenho que estar aí dentro?”

Apertou o lenço contra a boca. A náusea. Ah, se pudesse explicar toda essa familiaridade medonha, se pudesse ao menos... E se fosse um simples espectador casual, desses que olham e passam? Não era uma hipótese? Podia ainda Ter visto o quadro no original, a caçada não passava de uma ficção. “Antes do aproveitamento da tapeçaria...” - murmurou, enxugando os vãos dos dedos no lenço.

Atirou a cabeça para trás como se o puxassem pelos cabelos, não, não ficara do lado de fora, mas lá dentro, encravado no cenário! E por que tudo parecia mais nítido do que na véspera, por que as cores estavam mais fortes apesar da penumbra? Por que o fascínio que se desprendia da paisagem vinha agora assim vigoroso, rejuvenescido?...

Saiu de cabeça baixa, as mãos cerradas no fundo dos bolsos. Parou meio ofegante na esquina. Sentiu o corpo moído, as pálpebras pesadas. E se fosse dormir? Mas sabia que não poderia dormir, desde já sentia a insônia a segui-lo na mesma marcação da sua sombra. Levantou a gola do paletó. Era real esse frio? Ou a lembrança do frio da tapeçaria? “Que loucura!... E não estou louco”, concluiu num sorriso desamparado. Seria uma solução fácil. “Mas não estou louco.”

Vagou pelas ruas, entrou num cinema, saiu em seguida e, quando deu acordo de si, estava diante da loja de antigüidades, o nariz achatado na vitrina, tentando vislumbrar a tapeçaria lá no fundo. Quando chegou em casa, atirou-se de bruços na cama e ficou de olhos escancarados, fundidos na escuridão. A voz tremida da velha parecia vir de dentro do travesseiro, uma voz sem corpo, metida em chinelas de lã. “Que seta? Não estou vendo nenhuma seta...” Misturando-se à voz, veio vindo um murmurejo das traças em meio das risadinhas. O algodão abafava as risadas que se entrelaçavam numa rede esverdinhada, compacta, apertando-se num tecido com manchas que escorreram até o limite da tarja. Viu-se enredado nos fios e quis fugir, mas a tarja o aprisionou nos seus braços. No fundo, lá no fundo do fosso podia distinguir as serpentes enleadas num nó verde-negro. Apalpou o queixo. “Sou o caçador?” Mas ao invés da barba encontrou a viscosidade do sangue.

Acordou com o próprio grito que se estendeu dentro da madrugada. Enxugou o rosto molhado de suor. Ah, aquele calor e aquele frio! Enrolou-se nos lençóis. E se fosse o artesão que trabalhou na tapeçaria? Podia revê-la, tão nítida, tão próxima que, se estendesse a mão, despertaria a folhagem. Fechou os punhos. Haveria de destruí-la, não era verdade que além daquele trapo detestável havia alguma coisa mais, tudo não passava de um retângulo de pano sustentado pela poeira. Bastava soprá-la, soprá-la!

Encontrou a velha na porta da loja. Sorriu irônica:

- Hoje o Senhor madrugou.

- A senhora deve estar estranhando, mas...

- Já não estranho mais nada, moço. Pode entrar, o senhor conhece o caminho...

“Conheço o caminho?” - murmurou, seguindo lívido por entre os móveis. Parou. Dilatou as narinas. E aquele cheiro de folhagem e terra, de onde vinha aquele cheiro? E porque a loja foi ficando embaraçada, lá longe? Imensa, real só a tapeçaria a se alastrar sorrateiramente pelo chão, pelo teto, engolindo tudo com suas manchas esverdinhadas. Quis retroceder, agarrou-se a um armário, cambaleou resistindo ainda e estendeu os braços até a coluna. Seus dedos afundaram por entre galhos e resvalaram pelo tronco de uma árvore, não era uma coluna, era uma árvore! Lançou em volta um olhar esgazeado: penetrara na tapeçaria, estava dentro do bosque, os pés pesados de lama, os cabelos empastados de carvalho. Em redor, tudo parado. Estático. No silêncio da madrugada, nem o piar de um pássaro, nem o farfalhar de uma folha. Inclinou-se arquejante. Era o caçador? Ou a caça? Não importava, não importava, sabia apenas que tinha que prosseguir correndo sem parar por entre as árvores, caçando ou sendo caçado. Ou sendo caçado? ... Comprimiu as palmas das mãos contra a cara esbraseada, enxugou no punho da camisa o suor que lhe escorria pelo pescoço. Vertia sangue e o lábio gretado.

Abriu a boca. E lembrou-se. Gritou e mergulhou numa touceira. Ouviu o assobio da seta varando a folhagem, a dor!

“Não...” - gemeu, de joelhos. Tentou ainda agarrar-se à tapeçaria. E rolou encolhido, as mãos apertando o coração.

Lygia Fagundes In:. Antes do Baile Verde.

            Eis um exemplo formidável da literatura brasileira. Foi um prêmio tão merecido, Sr. Presidente.

Submeto à apreciação da Mesa.

Encerrando, Sr. Presidente, peço a V. Exª que faça constar dos Anais da Casa a matéria escrita por Lygia Fagundes Telles chamada “A Criação Literária - No princípio era o medo.”

Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/05/2005 - Página 15838