Discurso durante a 63ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Condena o procedimento adotado pela Polícia Federal, na violação dos princípios básicos do Estado de Direito, para prisões feitas no Estado de Alagoas daqueles, que segundo noticiário da Imprensa, participaram em fraudes contra a merenda escolar.

Autor
Teotonio Vilela Filho (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AL)
Nome completo: Teotonio Brandão Vilela Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Condena o procedimento adotado pela Polícia Federal, na violação dos princípios básicos do Estado de Direito, para prisões feitas no Estado de Alagoas daqueles, que segundo noticiário da Imprensa, participaram em fraudes contra a merenda escolar.
Publicação
Republicação no DSF de 21/05/2005 - Página 15959
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • IMPORTANCIA, PUNIÇÃO, CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, COMENTARIO, PRISÃO, PREFEITO, EX PREFEITO, SECRETARIO, GOVERNO MUNICIPAL, EMPRESARIO, ESTADO DE ALAGOAS (AL), ACUSAÇÃO, FRAUDE, MERENDA ESCOLAR.
  • PROTESTO, ARBITRARIEDADE, ATUAÇÃO, DELEGADO DE POLICIA, ESTADO DE ALAGOAS (AL), VIOLAÇÃO, ESTADO DE DIREITO, CIDADANIA, EXPOSIÇÃO, ACUSADO, ANTERIORIDADE, JULGAMENTO, DIREITO DE DEFESA, SEMELHANÇA, PERIODO, DITADURA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 20/05/2005


 

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DISCURSO DO SR. SENADOR TEOTONIO VILELA FILHO ENVIADO À MESA PARA PUBLICAÇÃO (NA FORMA DO DISPOSTO NO ART. 203, COMBINADO COM O INCISO I E O §2º DO ART. 210, AMBOS DO REGIMENTO INTERNO) NA SESSÃO DO DIA 18 DE MAIO DE 2005, QUE ORA SE REPUBLICA.

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O SR. TEOTONIO VILELA FILHO (PSDB - AL. Sem apanhamento taquigráfico) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Polícia Federal prendeu essa semana, em Alagoas, prefeitos, ex-prefeitos, secretários municipais e empresários, acusados, segundo o noticiário da Imprensa, de participação em fraudes contra a merenda escolar. Condene-se com toda ênfase e energia qualquer tentativa de fraude, seja contra a merenda escolar ou o Fundef, seja contra prefeituras. Garanta-se, a qualquer custo, que o dinheiro público terá única e exclusiva aplicação para objetivos públicos, claros e transparentes. Prendam-se e punam-se todos os culpados.

Nenhum mandato, nenhum cargo público poderá servir nem de atenuante de culpa, muito menos de pretexto de impunidade. Ao contrário, o mandato público aumenta a responsabilidade pessoal no trato com os recursos públicos. O que não se perdoa num cidadão comum menos ainda se admite num mandatário popular.

O combate à fraude e à corrupção e a punição aos criminosos, quaisquer que sejam eles, a todos tem de mobilizar, mas a ninguém poderá permitir violar os princípios básicos do próprio Estado de Direito. E foi isso o que se teve em Alagoas: um espetáculo onde atropelou-se o direito e violentou-se a cidadania. 

O que se viu em Alagoas não foi uma operação policial, foi uma execração pública. O que se viu, em Alagoas, não foi uma operação contra fraudes, foi um sumário fuzilamento moral, depois do qual não adianta nenhum julgamento. Todos já foram irremediavelmente condenados à pior e mais grave pena, que é a desmoralização perpétua.

Todos foram arrancados de suas casas ainda na madrugada, na presença de esposas e filhos em prantos. Foram algemados e jogados em camburões policiais. Alguns passaram pelo constrangimento adicional de enfrentarem corredores poloneses, enquanto as pequenas cidades do interior ferviam com a espetaculosidade da ação da Polícia Federal, que mobilizou 350 policiais, centenas de carros e até helicópteros.

Não sou advogado de defesa de nenhum dos presos. Até porque nenhum teve advogado, menos ainda defesa. Nenhum, aliás, teve sequer culpa formada. Nenhum foi ouvido, nenhum sabia, sequer, do que era acusado. Mas todos foram execrados, numa humilhação que poucas vezes a crônica policial de Alagoas terá registrado.

Dizem, e tudo o que se sabe é por ouvir dizer... Dizem que foram presos por ordem de um desembargador federal do Recife. A ordem judicial acobertaria qualquer violência e extravagância policial.

Não me cabe discutir ordens judiciais, sobretudo quando ninguém as conhece, a não ser um delegado de polícia, cujos propósitos ninguém conhece ao certo, mas cujos métodos todos devem contestar, sem dúvida. Mas me reservo o direito de lembrar que, ultimamente, o Brasil tem conhecido ordens judiciais não apenas discutíveis, mas absolutamente deploráveis. E registro, sem qualquer satisfação, que a ditadura também utilizava sentenças de juízes, militares embora, para coonestar sua brutalidade contra estudantes, profissionais liberais e dissidentes em geral.

O que distingue um estado de direito de um estado de arbítrio é o cumprimento de normas legais e de princípios jurídicos que protejam o cidadão e a cidadania contra o Poder do Estado e o arbítrio do Poder. É a observância de princípios jurídicos que distingue a civilização da barbárie, a democracia da ditadura.

É tudo o que não se teve no episódio de Alagoas. O espetáculo foi maior que o compromisso com a lei e, sobretudo, com o bom senso. Feriram-se os princípios jurídicos de defesa do cidadão, qualquer cidadão.

O mais grave na violação de princípios jurídicos é que, hoje, eles atingem acusados de uma fraude contra a merenda escolar, que ninguém nem sabe se são culpados ou não. Amanhã poderão penalizar um inocente, apenas vítima de uma rixa pessoal com algum delegado de polícia. A crônica policial e os arquivos jurídicos estão cheios de casos como esse. O risco do arbítrio é que ele não escolhe vítimas, apenas circunstâncias.

O lamentável, no estado de arbítrio, é que os princípios se aplicam apenas seletivamente. Diante da lei e do arbítrio, alguns são mais iguais que outros.

O Presidente do Banco Central do Brasil sofre pesadas acusações de ilícitos penais variados. Está sob investigação do Supremo Tribunal Federal, com sigilo fiscal já quebrado pelo próprio Supremo. Mas permanece no cargo, felizmente beneficiado pelo princípio jurídico inegociável de que todo cidadão tem direito à presunção da inocência. Por que execrar o presidente do Banco Central antes que se defina se ele, de fato, é culpado? Por que?

Ninguém defenderá a fraude e a corrupção. Todos exigirão que fraudadores e corruptos paguem, e paguem exemplarmente, por todos os seus crimes. Mas quem disse que os presos, ou todos eles, são culpados? Quem os julgou? Quem os ouviu? Quem analisou suas defesas?

Não faltará quem diga que os presos de Alagoas terão julgamento isento e justo. Que julgamento, se eles todos já foram condenados à execração pública, Terão direito de defesa? Que defesa, se eles foram moralmente massacrados diante de suas famílias, de seus vizinhos e de seus conterrâneos? Que interesse terá, de agora em diante, qualquer sentença de absolvição que venham a conseguir? Que absolvição?

A única sentença que, de hoje em diante, pesará perpetuamente em suas vidas é o despacho silencioso da madrugada, que um desembargador assinou contra eles. Que absolvição apagará da memória de filhos pequenos e esposas atônitas a imagem de pais e maridos algemados na madrugada, arrancados da cama para corredores poloneses de humilhação e execração?

Fechem-se os processos. Arquivem-se os autos. Para que autos, para que processos? Encerrem-se os julgamentos. Para que julgamentos? Para que defesa, para que contraditório, para que provas ou contraprovas? Todos os presos de Alagoas já foram condenados a penas perpétuas, indeléveis, imprescritíveis.

Não tenho, ninguém tem elementos para julgar as prisões de Alagoas. Mas condeno os métodos utilizados. E pelos métodos usados, lamento essas prisões pelos presos sumariamente condenados, pelas famílias irremediavelmente punidas. Lamento por eles e elas, e lamento pelos princípios jurídicos e pelo Estado de Direito do próprio Brasil. O Brasil aprendeu muito pouco com seu longo período de ditadura e de arbítrio.

Era o que eu tinha a dizer!


             V:\SLEG\SSTAQ\SF\NOTAS\2005\20050520ND.doc 5:57



Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/05/2005 - Página 15959