Discurso durante a 67ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

A carga tributária e as sanções fiscais indiretas.

Autor
Augusto Botelho (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA NACIONAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • A carga tributária e as sanções fiscais indiretas.
Publicação
Publicação no DSF de 25/05/2005 - Página 16253
Assunto
Outros > ECONOMIA NACIONAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, SUPERIORIDADE, TAXAS, JUROS, EXCESSO, TRIBUTAÇÃO, PREJUIZO, CRESCIMENTO ECONOMICO, OBSTACULO, INVESTIMENTO, INICIATIVA PRIVADA, FALTA, PROPOSTA, POLITICA DE DESENVOLVIMENTO, CRITICA, OMISSÃO, GOVERNO FEDERAL.
  • CRITICA, ADMINISTRAÇÃO FEDERAL, FALTA, QUALIDADE, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, EXCESSO, CARGO PUBLICO, NOMEAÇÃO, CRITERIOS, POLITICA PARTIDARIA, CRESCIMENTO, ARRECADAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO COMPULSORIA, ASSOCIADO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT).
  • ANALISE, CRESCIMENTO, ECONOMIA INFORMAL, NECESSIDADE, INCENTIVO, INCLUSÃO, TRABALHADOR, EMPRESA, AMPLIAÇÃO, NUMERO, CONTRIBUINTE, REGISTRO, DADOS, CRITICA, BUROCRACIA, LEGISLAÇÃO COMERCIAL, SUPERIORIDADE, TRIBUTOS.
  • IMPORTANCIA, JULGAMENTO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), ILEGALIDADE, PUNIÇÃO, INADIMPLENCIA, TRIBUTOS, IMPEDIMENTO, ATIVIDADE ECONOMICA.

O SR AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil de 2005 vive certas realidades únicas e espantosas para uma nação que se insinua capitalista: experimentamos estratosféricas taxas de juro reais, sempre crescentes, ao lado de uma política tributária voraz, que está perigosamente na iminência de exterminar o contribuinte. Juro alto e expropriação tributária são dois dos principais inibidores do empreendedorismo, logo inconcebíveis em um País tão carente de iniciativas. Não estivesse o movimento surrealista já tão distante de nós, seria lícito supor que o Brasil ou, mais precisamente, o atual Governo brasileiro apresta-se a retomá-lo.

A verdade é que a 17 anos do bicentenário de nossa Independência, ainda não fomos capazes de desenhar um projeto mínimo de nação; uma proposta que nos permita contemplar o futuro com alguma seriedade, nutrindo uma perspectiva real de desenvolvimento para a sociedade e o cidadão. E óbvio que isso não se deve à inércia de um só Governo: o conjunto da obra é secular. Entretanto, pela sinalização que emite o Palácio do Planalto, em precoce obsessão pela reeleição, estamos ainda muito distantes de pensar o País com a profundidade exigida.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando o assunto é administração pública, também bancada pelos tributos que recolhemos todos, a perspectiva não é melhor. Em todo o mundo, a administração pública está sendo redimensionada e a gestão governamental profissionalizada, buscando contornos de excelência; enquanto isso, em nosso País, o atual Governo e o seu partido tratam obstinadamente de aparelhar o Estado. Já são tantos os cargos ocupados pelos partidários, que o Governo perdeu a conta e, relatam os jornais, o Presidente da República teve de encomendar ao Partido dos Trabalhadores um levantamento sobre cargos e ocupantes. Tudo, dentro do mais elevado espírito republicano, como gostam de salientar certas autoridades do Governo.

Como conseqüência natural dessa peculiar governança, o PT entope seus cofres com o dízimo que impõe aos milhares de apaniguados que hoje se aninham na Esplanada dos Ministérios e adjacências. Entre 2002 e 2003, a arrecadação do partido cresceu 730% (Conforme o jornal Folha de S. Paulo de 16.05.2005, caderno Brasil). Haja contribuinte e capacidade contributiva para manter esse novo estamento!

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mas quando imaginei e iniciei este pronunciamento, que não pretendo longo, tratava de encaminhá-lo por uma linha muito bem definida, ou seja, a questão da inadimplência da obrigação tributária e suas trágicas conseqüências para os negócios, para o próprio Fisco e para a economia em geral. Não é segredo, para qualquer brasileiro adulto, a evolução acelerada da carga tributária nas últimas três décadas. A voracidade dos cofres públicos, em sucessivos governos, foi e é tamanha, que parte significativa de nossa economia vive na informalidade. Ora, isso não somente enseja lesões aos direitos trabalhistas e previdenciários de milhões de pessoas, mas também configura um total descompromisso com o recolhimento de tributos, causando pesados prejuízos que serão suportados por toda a sociedade. Engendra uma lógica com elevado grau de perversidade, que, eventualmente, não pode ser avaliada em toda a sua extensão; sem contar que a produtividade no segmento informal da economia é a metade daquela obtida pelos setores formais, que, por sua vez, em geral, ainda não têm um desempenho propriamente invejável.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há outros dados que precisam ser analisados e compreendidos, para que se possa agir adequadamente, e estimular e promover a inclusão, no mercado formal, de milhões de trabalhadores e de negócios. É isso que vai implicar, naturalmente, a necessária e desejada inclusão fiscal, pois estaremos ampliando a base de contribuintes. Pesquisa realizada pelo Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS) evidencia que quase metade dos brasileiros vive em famílias chefiadas por trabalhadores da economia informal, vinculados a micro e pequena empresa (Jornal O Estado de S. Paulo, 15.05.2005, caderno Economia). A taxa de informalidade de nossa economia é uma das mais altas do mundo - estimada em 40% -, quando a média mundial situa-se em 32% e países como Estados Unidos e Argentina, por exemplo, detêm 9% e 25% de informalidade, respectivamente (Revista Exame, 02.06.2004). No que se refere ao Brasil, esses números nada têm de positivo. Revelam, antes de tudo, uma tremenda precariedade em nossa arquitetura econômica. E, certamente, são decorrência direta do uso inconseqüente, pelo Estado, do poder de tributar e da crônica indisciplina coletiva na observância do ordenamento jurídico.

Contudo, em muitas ocasiões, tentar escapar do braço fiscal do Estado transformou-se em uma estratégia de sobrevivência, dada a incapacidade de inúmeros negócios observarem estritamente as normas que hoje regem a avidez de nosso emaranhado universo tributário. Ainda há poucas semanas, um dos principais empresários brasileiros, Jorge Gerdau Johanpeter, dizia à revista Veja que, antes mesmo de colocar uma empresa para funcionar no Brasil, era preciso recolher uma enormidade de recursos, a título de tributos. Isto é, antes de produzir e comercializar seus produtos, as novas empresas brasileiras já se vêem obrigadas a alimentar os cofres públicos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, se tudo isso não bastasse, se essa inauspiciosa realidade já não criasse um ambiente totalmente adverso à livre-iniciativa e ao investimento, tem-se observado, com freqüência, a aplicação daquilo que os doutrinadores denominam de sanções políticas ou indiretas, aplicadas pelo Poder Público ao contribuinte inadimplente. Essas sanções, fundadas em lei, têm como objetivo forçar a adimplência. Na realidade, o que acaba ocorrendo é não apenas a permanência do débito tributário, como também - o que é muito pior quando se pensa a economia nacional - a absoluta inviabilização da atividade econômica por parte do devedor. E isso, acredito, é tudo o que não interessa ao País.

A matéria, aparentemente incontroversa, mas ainda a ameaçar inúmeros contribuintes, chegou ao Supremo Tribunal Federal e contou com a relatoria, naquela corte, do ministro Celso de Mello. Ancorado nos princípios de nossa Carta Política, que garantem a livre prática de atividades econômicas lícitas e a liberdade do exercício profissional, e considerando que o Poder Público detém meios legítimos para exigir créditos tributários, o voto do relator fixou orientação jurisprudencial estabelecendo que a imposição de restrições punitivas, motivadas pela mera inadimplência do contribuinte, revela-se contrária às liberdades públicas (Texto de apoio fornecido pelo Gabinete).

Recorde-se ainda que, ao longo dos anos, entravam em vigência três súmulas que impedem a imposição de meios gravosos ao contribuinte devedor. Vale a pena recuperá-las, para melhor compreensão da vedação. A súmula nº 70 diz que “é inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo”. Por sua vez, a de nº 323 garante ser “inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos”. Enfim, a súmula nº 547 estabelece que não “é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais”.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vimos, portanto, que nossa melhor jurisprudência repele as restrições ou proibições impostas ao contribuinte como forma indireta de obrigá-lo ao pagamento do tributo. Em interessante e revelador artigo intitulado O Inadimplente Tributário tem Direito ao Livre Exercício de Atividade Econômica, segundo o STF, o professor Roberto Wagner Lima Nogueira dá ampla visibilidade, com base doutrinária e jurisprudencial, ao voto do ministro Celso de Mello. Faz ver, também, que medidas do Poder Público, como interdição do estabelecimento, apreensão de mercadorias, regime especial de tributação, recusa de autorização para impressão de notas fiscais e suspensão ou cancelamento da inscrição do contribuinte no respectivo cadastro, entre outras, são sanções políticas incabíveis.

É forçoso reconhecer que, embora a liberdade de atividade empresarial não seja absoluta, as ditas sanções políticas ou indiretas, além de eivadas de inconstitucionalidade, como vimos, acabam por inibir e inviabilizar a atividade econômica. A atuação do Estado não pode ser exorbitante, os agentes estatais devem observância aos princípios maiores que regem a vida social, entre os quais se destacam, no caso, a proporcionalidade e a razoabilidade. Constranger empresários a fechar as portas de seus negócios não é, positivamente, um caminho adequado para ingressarmos na rota de desenvolvimento, de que tanto necessitamos. E todos sabemos que é o desenvolvimento, preferentemente o sustentável, que vai garantir um presente melhor e um futuro auspicioso para todos os brasileiros.

Enfim, o mínimo que se pode esperar do Poder Público é que ele não iniba nem atrapalhe a atividade econômica lícita, essencial para que alcancemos nossos principais objetivos permanentes.

É o que tinha a dizer.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/05/2005 - Página 16253