Discurso durante a 69ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Importância da efetividade dos trabalhos da "CPI dos Correios", pois é instrumento precioso da democracia.

Autor
Heloísa Helena (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS (ECT).:
  • Importância da efetividade dos trabalhos da "CPI dos Correios", pois é instrumento precioso da democracia.
Publicação
Publicação no DSF de 28/05/2005 - Página 16460
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS (ECT).
Indexação
  • COMENTARIO, MOBILIZAÇÃO, IMPRENSA, OPINIÃO PUBLICA, DEFESA, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), INVESTIGAÇÃO, DENUNCIA, CORRUPÇÃO, QUESTIONAMENTO, FALTA, ETICA, GOVERNO FEDERAL, IMPEDIMENTO, INSTALAÇÃO, CONTRADIÇÃO, ANTERIORIDADE, ATUAÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), ALEGAÇÕES, PREJUIZO, FUNCIONAMENTO, CONGRESSO NACIONAL.
  • ESCLARECIMENTOS, PROIBIÇÃO, SIMULTANEIDADE, FUNCIONAMENTO, PLENARIO, COMISSÃO, SENADO, CAMARA DOS DEPUTADOS, AUSENCIA, IMPEDIMENTO, PROCESSO LEGISLATIVO, REGISTRO, IMPORTANCIA, PRIORIDADE, PUNIÇÃO, CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, PROTESTO, ALEGAÇÕES, EFICACIA, INVESTIGAÇÃO, POLICIA FEDERAL, DETALHAMENTO, SUPERIORIDADE, PODER, FISCALIZAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), AUMENTO, DEMOCRACIA, POPULAÇÃO.
  • ANALISE, FALTA, ETICA, CLASSE POLITICA, BRASIL, PREJUIZO, REPUTAÇÃO, LEGISLATIVO, CONCLAMAÇÃO, CONGRESSISTA, COMBATE, OMISSÃO, IMPUNIDADE.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Agradeço a V. Exª, Senador Pedro Simon, que, para a honra de todos nós, preside a sessão do Senado hoje.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é de conhecimento de todos que, sem dúvida, o assunto da CPI toma mentes e corações, como ocorreu tantas outras vezes na história do País sempre que são apresentadas pela imprensa denúncias graves de corrupção ou o que chamamos de indícios relevantes de crimes contra a Administração Pública. Trata-se, portanto, de tráfico de influência, intermediação de interesses privados, exploração de prestígio, enfim, tudo aquilo que consta no Código Penal como crimes que levam à prisão.

Infelizmente, sabemos todos que, muitas vezes, o Código Penal, que pode até apresentar uma capa preta para mostrar-se sisudo, independente e disciplinante, serve como mecanismo para atribuir a penalidade máxima, a cadeia, o presídio e a reclusão para os filhos da pobreza, mas acaba sendo interpretado com flexibilidade quando se destina aos delinqüentes de luxo do País.

Todas as vezes em que se trata de comissão parlamentar de inquérito, é absolutamente natural que muitas perguntas surjam. São muitas pessoas que nos encaminham questionamentos querendo saber o que de fato ocorre com uma comissão parlamentar de inquérito quando instalada no Congresso Nacional.

Na história muito recente do País, ainda nas disputas do Governo Fernando Henrique - eu na época era do PT -, estávamos no Congresso Nacional juntamente com outros Parlamentares e nas ruas gritando palavras de agitação política, o que é muito próprio dos movimentos sociais, dos movimentos de esquerda: “Fora, Collor”, “Xô, Sarney”, “Fora, Fernando Henrique”.

Especialmente no governo Fernando Henrique, é evidente que muitos argumentos que à época eu caracterizava como fraudulentos e que continuo fazendo, argumentos esses que, no passado recente, condenávamos com veemência hoje são os mesmos reivindicados pela cúpula palaciana do PT, por muitos dirigentes do Partido e pelo Governo Lula de uma forma geral. Esses mesmos argumentos fraudulentos passam a ser apresentados como se fossem a expressão da verdade absoluta. É claro que, por estarem sendo apresentados por um Partido que reivindicou, ao longo da sua história, a bandeira da ética e que hoje joga essa bandeira como desprezada, de uma forma absolutamente vexatória e vergonhosa, acabam fazendo ressurgir no imaginário popular muitos questionamentos.

As pessoas perguntam sempre: a CPI atrapalha o Congresso Nacional? Ela impede o funcionamento do Congresso Nacional? Quando uma CPI está instalada impede que o Congresso Nacional faça leis ou abra procedimentos de investigação ou de fiscalização dos atos do Executivo?

Qualquer pessoa honesta intelectualmente, independentemente de ser contra ou a favor da CPI, de ser da Oposição ou da Situação, sabe que uma CPI não atrapalha os trabalhos do Congresso Nacional.

Para se ter idéia, quando o Plenário do Congresso Nacional, ou Plenário da Câmara dos Deputados e/ou do Senado Federal estão funcionando - e tanto no plenário quanto nas comissões são votadas leis que aprimoram a legislação em vigor no País, se estabelece um procedimento de investigação ou aprovação de um requerimento de informação -, quando o Plenário está funcionando, é proibido o funcionamento de qualquer comissão. Nenhuma comissão ou CPI pode funcionar quando o Plenário está trabalhando. E o Plenário tem seus horários, que são todos os dias, mesmo que seja sessão não deliberativa, como ocorre às sextas-feiras e às segundas-feiras, que são dias em que as comissões também não funcionam. Portanto, é mentira dizer que uma CPI atrapalha o funcionamento do Congresso Nacional. É impossível, pois é proibido funcionar qualquer comissão, inclusive CPI, quando o Plenário da Câmara e do Senado estão trabalhando.

Outra mentira é dizer que as Comissões Parlamentares de Inquérito atrapalham o País. O Governo Fernando Henrique Cardoso dizia isso de forma fraudulenta. Infelizmente, o atual Governo também diz isso. Nada tem a ver uma coisa com a outra, porque investigar crimes contra a administração pública, investigar saqueadores de cofres públicos, investigar delinqüentes de luxo, que, ao saquearem os cofres públicos, retiram o dinheiro que seria utilizado em saúde, em educação e em segurança pública, o que minimizaria a dor, a pobreza e o sofrimento da grande maioria da população, é essencial para o País.

Uma outra coisa que as pessoas dizem muito - é claro que falo daqueles que querem impedir a instalação de CPIs - é que a Polícia Federal já está apurando, já está investigando, portanto, não é preciso uma comissão do Congresso para fazê-lo. O Governo Fernando Henrique Cardoso utilizava esse argumento fraudulento, e, para tristeza de todos nós, o atual Governo e ilustres representantes da sua base de bajulação também falam isso. Isso não é verdade, porque a Constituição do País estabeleceu um mecanismo precioso para que o Congresso Nacional cumprisse a tarefa nobre de fiscalizar os atos do Poder Executivo, que é a Comissão Parlamentar de Inquérito.

O único instrumento, de fato, com poder de investigação próprio das autoridades judiciais para que o Congresso cumpra a tarefa nobre de fiscalizar os atos do Poder Executivo é a Comissão Parlamentar de Inquérito. Não há outro procedimento investigatório, seja o das Comissões de Fiscalização e Controle do Senado e da Câmara, seja o procedimento de investigação chamado Controle Externo, inclusive do Tribunal de Contas da União, que possibilita a fiscalização financeira, contábil, orçamentária, que tenha o poder de investigação que uma CPI tem.

Não é à toa que a Constituição Federal, em seu art. 58, § 3º, prevê que, ao entregar ao Congresso Nacional um poder de investigação próprio das autoridades judiciais, que é a Comissão Parlamentar de Inquérito, é justamente para deixar claro que o Congresso Nacional, para cumprir a tarefa nobre de fiscalizar os atos do Poder Executivo, precisa de um instrumento com poder de investigação próprio das autoridades judiciais, e, portanto, quebra sigilo bancário, fiscal e telefônico. Além do fato de que com uma CPI, ao contrário de outros procedimentos de investigação instalados por outras instituições, a capacidade de transparência e de democratização do acesso da população às investigações é muito maior, pois são realizadas audiências públicas em que a população pode acompanhar o que está acontecendo. Os mecanismos de esconderijo são muito mais difíceis de ser viabilizados, as “patas” do poder político tentando impedir os trabalhos de investigação são mais dificultadas. Enfim, é um instrumento próprio, essencial e precioso que o Congresso Nacional tem para cumprir a tarefa nobre de fiscalizar os atos do Poder Executivo.

Uma outra mentira que, infelizmente, representantes ilustres da base de bajulação do atual Governo utilizam, e a base de bajulação do Governo Fernando Henrique Cardoso também utilizava, outro argumento fraudulento - é sempre isso, quem já acompanhou Comissão Parlamentar de Inquérito sabe, é sempre a velha desculpa, a velha cantilena, enfadonha e mentirosa - é que não existe fato determinado. Ora, como não existe fato determinado? O fato determinado acabou sendo criado, no caso específico da CPI dos Correios, no caso Waldomiro Diniz, no caso dos Bingos ou em qualquer outro caso, casos relacionados a indícios de crimes contra a administração pública no Governo Fernando Henrique Cardoso, nas privatizações do setor elétrico. O fato determinado, até para a Polícia Federal e para o Ministério Público - uma denúncia de corrupção apresentada pelos meios de comunicação -, é um instrumento primoroso e essencial para que esses órgãos estabeleçam outros mecanismos de investigação.

Mas o fato determinado, agora, é uma denúncia grave. Não são apenas denúncias, não são apenas palavras gastas e vazias soltas ao vento por algum adversário político; não são apenas denúncias, são indícios relevantes de crimes contra a administração pública apresentados por personalidades que estão nos Correios. Portanto, existe o fato determinado. Mais fato determinado do que um indício relevante de crime contra a administração pública, do que o que está acontecendo, mais fato determinado do que isso só se uma das personalidades disser para a opinião pública: “Eu roubei!”. Mas já foi demonstrado que ele roubou, que participou de esquemas gigantescos de corrupção. O essencial agora, por intermédio da CPI, é desvendar as raízes, os tentáculos, os mistérios sujos, ainda não desvendados pela opinião pública. E isso só pode ser feito pela Comissão Parlamentar de Inquérito.

Uma outra coisa que as pessoas dizem - e agora vemos mais um processo de intolerância e totalitarismo, não apenas contra o Senador Eduardo Suplicy, mas contra outros membros do PT que assinaram a CPI -: “Ora, assinar a CPI é fazer o jogo da direita, que foi derrotada no processo de disputa entre PSDB e PT”. É evidente que esse argumento não é sério; é desprezível, é desavergonhado. Sabemos que a direita carcomida do Brasil também está no Governo Lula: da tropa de choque de Collor até outros delinqüentes de luxo muito conhecidos da opinião pública continuam, por concessão do Presidente Lula, compondo sua base de bajulação e, portanto, parasitando e privatizando a estrutura do Estado brasileiro.

É muito estranho. E é por isso que a opinião pública, Senador Pedro Simon, com certeza fica entre a indignação, a aversão à política e a surpresa diante do que acontece, porque os mesmos representantes, muitos deles os mesmos, que eram da tropa de choque do Governo Fernando Henrique Cardoso e que utilizavam os mesmos argumentos fraudulentos atualmente utilizados pelo PT e pelo Governo Lula, hoje defendem a instalação de Comissão Parlamentar de Inquérito.

É claro que existe um jogo de cinismo e de dissimulação dos dois lados. Mas a pessoa honesta intelectualmente e que tem zelo com o exercício de seu mandato não faz a distinção política disso.

O que defendemos - e este Congresso tem sido, muitas vezes com razão, desmoralizado perante a opinião pública - é que seja iniciado um procedimento investigatório. Uma CPI é um mecanismo para inocentar quem não tem relação promíscua com o aparato de corrupção criado e também um mecanismo essencial para estabelecer, definir, apresentar à sociedade aqueles que estão envolvidos em crimes contra a Administração Pública.

O Parlamentar honesto, sério, conseqüente, que zela pelo seu mandato, tem a obrigação de ajudar e promover mecanismos de investigação independentemente de quem esteja diretamente envolvido.

Há sermões muito bonitos do Padre Antônio Vieira tratando do crime de omissão. Quem é cristão sabe exatamente a gravidade do crime da omissão. Quem lê a história da luta e da libertação do povo de Deus conhece uma das passagens mais bonitas da Bíblia que é o diálogo de Deus com Elias, homem designado por Deus como grande profeta de Israel. Elias pensava que estava abafando, fazendo o máximo, numa caverna jejuando, disciplinando sua própria vontade para servir a Deus. E Deus grita lá de cima para ele: “O que você está fazendo aí, Elias?” Ele diz: “Eu estou aqui jejuando, disciplinado, honrando o meu papel junto com Deus”. Então Deus lhe disse: “Eu não lhe dei uma tarefa para que esteja isolado, jejuando, salvando a sua própria alma, mas para que esteja nas praças, gritando para ajudar a salvar não apenas a você mesmo, mas aos outros”.

O que acontece no mundo da política é algo completamente distinto. Muitas pessoas negam-se a investigar os crimes contra a Administração Pública para salvar a sua própria pele, seus cargos, prestígio, poder e sua medíocre capacidade de vender a alma para se lambuzar no banquete farto do poder. Isto é que é especialmente triste: a omissão patrocinada hoje por muitos que, com veemência, condenavam no passado as denúncias de corrupção do Governo Fernando Henrique.

O Governo Lula e a sua base de bajulação usar os mesmos argumentos fraudulentos do Governo Fernando Henrique para impedir a instalação da CPI causa muito mais do que indignação, dá muita tristeza nas mentes e nos corações de muitos daqueles que sempre condenaram esses atos de corrupção.

As declarações do Procurador-Geral da República - o Senador Pedro Simon está inscrito e certamente falará sobre isso -, nos faz lembrar um texto de um livro belíssimo de Hannah Arendet sobre responsabilidade e julgamento. Ela, que é uma das mais importantes personalidades da história contemporânea, nesse livro diz que a capacidade de pensar é a pré-condição de julgar e que a recusa e a incapacidade de julgar convidam o mal a entrar e infeccionar o mundo. É a omissão no julgar, é a omissão da responsabilidade de ser parte das instâncias de julgamento que convidam o mal a entrar e a infeccionar o mundo.

Portanto, espero que nenhuma das manobras protelatórias sejam utilizadas para impedir a Comissão Parlamentar de Inquérito. Infelizmente, os detalhes nos jornais são tristes. Durante esta semana, até anteontem, ficamos aqui, por proposta do Senador Pedro Simon, até meia-noite para identificar se iria ou não ser instalada a CPI; identificamos também o vergonhoso balcão de negócios sujos que hoje, tal qual era montado no Governo Fernando Henrique Cardoso, é montado pelo Governo Lula para comprar Parlamentares. Agora, são as novas manobras protelatórias, ou na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, ou esvaziando a Comissão não aprovando requerimentos para convocar determinadas personalidades a prestar depoimento, ou não dando quórum para a realização dessas Comissões.

Então, eu espero, realmente, que esta Casa seja capaz de impedir aquilo que, sem dúvida, convida o mal a entrar e infeccionar o mundo. Se nós identificamos denúncias de corrupção, seja no Governo Fernando Henrique Cardoso, seja no Governo Lula, se nós entendemos o quão grave para o aparelho de Estado é o que está acontecendo - porque, infelizmente, onde se toca sai secreção purulenta no aparelho de Estado, em função das denúncias graves de corrupção - eu espero, acima de tudo, que sejamos capazes de julgar esses fenômenos morais e políticos e, portanto, cumprir a nossa obrigação constitucional, que é desvendar os mistérios sujos de todos os crimes contra a Administração Pública, de corrupção, de intermediação de interesses privados, de exploração de prestígio, de tráfico de influência, e que possamos honrar, zelar pelos nossos mandatos, abrindo esses procedimentos de investigação.

É só, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/05/2005 - Página 16460