Discurso durante a 69ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Questionamentos acerca da política externa brasileira. Importância da consolidação do Mercosul.

Autor
Marco Maciel (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Questionamentos acerca da política externa brasileira. Importância da consolidação do Mercosul.
Publicação
Publicação no DSF de 28/05/2005 - Página 16470
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • ANALISE, INTEGRAÇÃO, BRASIL, POLITICA INTERNACIONAL, DEFESA, PRIORIDADE, REFORÇO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), AMPLIAÇÃO, INCLUSÃO, TOTAL, PAIS ESTRANGEIRO, AMERICA DO SUL, AREA DE LIVRE COMERCIO, PRE REQUISITO, MELHORIA, NEGOCIAÇÃO, UNIÃO EUROPEIA, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA).
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO, JOSE MARIA DA SILVA PARANHOS, EX MINISTRO DE ESTADO, ITAMARATI (MRE), HISTORIA, POLITICA EXTERNA, BRASIL, ATENÇÃO, REGIÃO, RIO DA PRATA, ELOGIO, SOLUÇÃO, PROBLEMA, FRONTEIRA.
  • ANALISE, EVOLUÇÃO, INTEGRAÇÃO, UNIÃO EUROPEIA, DEFESA, APLICAÇÃO, MODELO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), APREENSÃO, ATRASO, BRASIL, NEGOCIAÇÃO.
  • LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ACORDO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), AMERICA CENTRAL, MOTIVO, PARALISAÇÃO, NEGOCIAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), PERDA, BRASIL, OPORTUNIDADE, COMERCIO EXTERIOR.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Srª Presidente desta sessão, Senadora Heloísa Helena, Srªs e Srs. Senadores, venho à tribuna nesta sessão matutina para ferir um assunto que diz respeito a nossa política externa. Refiro-me especificamente, Srªs e Srs. Senadores, à questão do nosso esforço de integração internacional.

Como é de conhecimento público, nossa prioridade deve ser, pelo menos a meu ver, a consolidação do Mercosul. O Mercosul não é, como disse Celso Lafer certa feita, uma opção, mas o destino, mesmo porque, como sabemos, a geografia condiciona a história de um país. Estarmos na América do Sul e, de modo especial, sermos um país que se encontra no Cone Sul nos torna, naturalmente, parceiros dos países que o integram.

Assim, nossa vocação natural será, certamente, a de fortalecer o Mercosul. Fortalecendo-o, adquiriremos musculatura para ter uma maior presença na política internacional e, por que não dizer, também no comércio exterior. Esta é, certamente, a primeira e grande opção do Brasil.

A segunda, obviamente, como eu não poderia deixar de observar, diz respeito à necessidade de ampliarmos o Mercosul, convertendo-o naquilo que hoje se chama Associação de Livre Comércio Sul-Americana, Alcsa, compreendendo, assim, todos os países da América Meridional. De alguma forma, ao assim procedermos, estaremos criando condições para termos parcerias, para estabelecermos um bloco que compreenda os doze países. Isso é algo muito importante, porque nos ajudará a melhorar a nossa interlocução com duas outras grandes alianças que também precisamos estabelecer: com a União Européia - cujo acordo-quadro foi firmado em Madri, em 1995 - e com a Alca - proposta americana de 1994.

É bom lembrar que, quando a Alca foi proposta pelo Governo dos Estados Unidos, o Presidente daquele país era George Bush, pai do atual Presidente, e o Presidente eleito era Bill Clinton. O Brasil compareceu ao lançamento da proposta, em reunião realizada em Miami, por meio do Presidente da República à época, Itamar Franco, e do Presidente eleito, Fernando Henrique Cardoso.

            A partir dessas tratativas com relação à Alca, surgiu a proposta de que houvesse uma bipresidência, ou seja, um presidente de um país da América do Norte, no caso os Estados Unidos, e um da América do Sul, no caso o Brasil. Então, de alguma forma, podemos dizer que o Brasil é co-presidente dessa proposta de criação de uma associação de livre comércio que viesse a promover uma integração hemisférica, abrangendo a América do Norte, a América Central, o Caribe e a América do Sul.

Sr. Presidente, o Mercosul tem avançado, mas muito aquém do que desejávamos.

Se olharmos bem para essa questão, vamos verificar que estamos perdendo tempo na consolidação do Mercosul.

Já Rio Branco, reputado como patrono da diplomacia brasileira, pela sua visão, pelo seu descortino, pela maneira como negociou a definição das nossas fronteiras, tinha uma preocupação enorme com a questão do Prata. Ele considerava ser esse talvez o ponto mais delicado da nossa política externa.

Rio Branco exerceu o Ministério das Relações Exteriores durante dez anos. Acredito que os seus paradigmas, as suas propostas, os seus princípios se consolidaram. Ele mudou um pouco o eixo da política externa brasileira, e houve um acolhimento, ao longo da história da política externa brasileira, daquilo que anunciara.

Ao afastar-se do Ministério das Relações Exteriores, se não me engano em 1912, ele deixara já os nossos problemas de fronteira totalmente resolvidos. O Brasil tem muitos países lindeiros, mas não tem conflito nem aberto e nem latente com nenhum deles, graças em grande parte a Rio Branco, pela sua capacidade de interlocução política, de recorrer muitas vezes à arbitragem na solução dos problemas. Mas a sua obra também passou pela preocupação com o Prata.

Volto a dizer que o Mercosul avançou, mas avançou pouco. Lamentavelmente, a sensação que temos hoje é de que o Mercosul está ficando uma instituição que, nos últimos anos, tem tido mais reveses do que conquistas. Cabe à nossa chancelaria e, mais do que isso, ao Governo Federal dar uma maior prioridade ao Mercosul.

É lógico que o Mercosul não é só o Brasil. O Mercosul, além dos quatro países do Cone Sul, tem outros membros que, posteriormente, a ele se associaram, mas ninguém pode deixar de reconhecer que o Brasil exerce uma posição de certa - eu não diria de liderança - ascendência no desenvolvimento do Mercosul, já porque é, sob o ponto de vista econômico, o parceiro de maior porte.

Isso é, talvez, uma marca singular do nosso País. Poucos países têm tantos vizinhos - temos dez Estados vizinhos -, e não temos problema com nenhum deles, a não ser no futebol. Conheço países no mundo que têm menor número de Estados lindeiros e têm enormes problemas externos, inclusive com seus vizinhos. Precisamos dar um pouco mais de ênfase ao Mercosul. Essa é, talvez, a nossa questão central.

Fico muito preocupado quando observo que as negociações não se desenvolvem. A sensação que se passa para a sociedade e para o empresariado é que estamos vivendo momentos de retrocesso de conquistas feitas. O Mercosul poderia estar seguindo o exemplo da União Européia, que, a partir de 2007, possivelmente, se converterá numa verdadeira confederação de estados.

É certo que alguém poderá dizer que a União Européia começou há 50 anos, no pós-guerra, com o Tratado de Roma, que é de 1957. Mas a União Européia adquiriu grande musculatura e, além dos 15 países que a integram, está incorporando mais 10 países, o que a converterá talvez na mais bem tecida política de integração regional. Se quisermos tomar como modelo um tipo de associação de nações, a União Européia é hoje o nosso modelo.

É possível que, em 2007 - se tudo continuar caminhando como está -, a União Européia se converta numa federação, num estado confederado. Pela nova constituição, haverá uma política externa comum, uma moeda e que, por fim, haverá, no que diz respeito à defesa e à segurança, uma ação coordenada. Isso significa dizer que os estados membros da União Européia abrem mão de parte de sua soberania em torno de um órgão central que exerceria esses papéis.

Isso está fazendo com que a Europa, sobretudo essa dos 25, tenha hoje uma moeda que desempenha um papel tão importante quanto o dólar americano. É talvez a segunda moeda de reserva e tende a se estabilizar como tal. Quando o euro foi lançado, havia muita dúvida sobre seu êxito, mas hoje vemos um euro consolidado, inclusive com excelente cotação no mercado financeiro internacional.

Sr. Presidente, volto à questão do Mercosul. O Governo Federal precisa dar uma maior ênfase ao Mercosul, porque esse é o nosso destino. Mas não podemos também descartar as nossas opções. O Mercosul é um destino que decorre da geografia. Napoleão dizia que a história de um país é a história da sua geografia. É evidente que a geografia condiciona a história de um povo, de um país.

Se o Mercosul é um destino manifesto, se assim posso dizer, temos nossas opções de curto prazo. Quais são? Uma é um acordo com a União Européia, que caminha, mas não com a velocidade desejada. Há outra: o entendimento para a criação da Alca.

Verifico, pelas últimas palavras do Presidente da República, que Sua Excelência descartou a Alca entre suas prioridades. Não entendo, não sei as razões dessa decisão, porque, de toda maneira, em tese, a idéia de uma integração hemisférica é uma idéia positiva. É lógico que promover um processo de integração significa que haja um acerto para que esse bloco que surge, esse bloco que seria fortíssimo, a chamada Alca, não traga prejuízos senão traga vantagens para nosso País.

O fato de descartarmos, pura e simplesmente, a Alca, a meu ver é um erro, sobretudo porque ninguém pode deixar de reconhecer que, na medida em que estabelecemos essa associação hemisférica, se alavanca muito nosso comércio exterior. Entendo que não custa nada discutir essa questão.

Aliás, recorro à citação de um ex-Presidente americano, Kennedy, que, quando tomou posse, em janeiro de 1961, na Presidência dos Estados Unidos da América do Norte, em seu discurso disse uma frase que ainda ressoa em meus ouvidos: “Nunca negocie por medo, mas nunca tenha medo de negociar.”

A Alca é uma opção que está aí. Não devemos ter medo de negociar. Pode ser que não nos convenha, mas, em tese, por que não discutir? Sobretudo, Sr. Presidente, se observarmos que se um acordo vier a ser construído isso nos daria condições mais privilegiadas inclusive de comércio internacional.

Faço tais considerações porque os Estados Unidos estão concluindo agora, já que não houve, pelo que leio nos jornais, interesse do Governo brasileiro em continuar as negociações da Alca - e os americanos são pragmáticos inclusive em negócios -, um acordo com a América Central, envolvendo também a República Dominicana, o chamado Cafta-DR. Com isso, naturalmente o Governo dos Estados Unidos começa a expandir seu processo de integração. O acordo foi assinado, mas não ratificado pelo Congresso dos Estados Unidos e, se vier a ser ratificado, certamente vai afetar o comércio exterior brasileiro.

Aliás, o jornal O Estado de S. Paulo, no dia 19 de maio, observa, em editorial intitulado “O Cafta e o Brasil”:

“Mais seis países ganharão acesso ampliado ao mercado americano, o maior do mundo, se o Congresso dos Estados Unidos aprovar o acordo de livre comércio com a América Central e a República Dominicana (Cafta-DR, abreviação em língua inglesa)”

E observa, mais adiante, o editorial de O Estado de S. Paulo: “Perder oportunidades comerciais, que outros governos mais prosaicos não enjeitam, é a maneira escolhida pelas autoridades brasileiras para mostrar que não se submetem ao jugo e ao jogo das potências imperialistas.”

O O Estado de S. Paulo, dissentindo dessa opinião, observa que tal medida certamente demonstra que os Estados Unidos procuram - pelo que ouvi das declarações do Presidente Lula -, já que outros países, sobretudo o Brasil, não desejam discutir esta questão, expandir suas alianças, começando, notadamente, pelos países mais próximos, os países da América Central, incluindo a República Dominicana, que são países com os quais, até por proximidade geográfica, mantêm intercâmbio maior.

Mas, Sr. Presidente, não gostaria de encerrar minhas palavras sem dizer que espero que possamos continuar avançando no processo de integração internacional. O mundo vive um acentuado processo de globalização, isso é reconhecido. Se desejamos ampliar a inserção do Brasil, precisaremos recorrer a alianças. Ou seja, em primeiro lugar, dando ênfase ao Mercosul, que é nosso destino, e trabalhando as opções: o acordo com a União Européia, a viabilização ou não da Alca, que não pode ser descartada sem uma análise aprofundada de nossos interesses e enlaces com outros blocos. Agindo dessa forma, certamente criaremos condições para sermos um país que venha a ter, neste século XXI, um certo, não diria protagonismo, mas, pelo menos, uma presença forte na sociedade internacional.

Eu era estudante universitário, quando surgiu o livro Brasil, País do Futuro, de Stefan Zweig, um alemão que para cá veio com a esposa, fugindo do regime nazista. Aqui viveu, escreveu e morreu de forma dramática - ele e a mulher se suicidaram -, mas deixou esse livro que marcou a minha geração e as gerações subseqüentes.

A pergunta que sempre se faz é: quando o Brasil se converterá em uma nação do presente? Quando deixará de ser sempre o país do futuro a que aspiramos, futuro que nunca se materializa? Quando o futuro começará a habitar em nós antes de ocorrer? Essa é a grande questão. A meu ver, para que isso ocorra, muito já foi feito. Consolidamos a democracia no País, e alcançamos estabilidade política. É uma democracia que considero robusta. O Brasil vive, portanto, numa democracia plena. Ninguém desconhece que há estabilidade institucional no País. O Brasil avançou na estabilidade econômica. O real é o ícone - para usar uma expressão da moda - da estabilidade econômica.

Estamos avançando, também, em que pesem as dificuldades, no campo social. Não podemos deixar de dizer que alguns índices, na área de educação e de saúde, melhoraram consideravelmente. Precisamos, todavia, avançar em dois setores em que ainda, lamentavelmente, pouco progredimos. O primeiro, naturalmente, é o campo das reformas institucionais, também chamadas reformas políticas, que pouco progresso tiveram. Na medida em que avançarem, certamente testemunharemos maior robustez institucional e teremos melhorado a nossa governabilidade. Precisamos avançar também na integração internacional. O Brasil pela sua expressão demográfica, pela sua extensão territorial, tem tudo para ser não o país do futuro, mas do presente, neste século que se inicia, isto é, neste milênio que nasce, sob as esperanças de que possamos construir uma sociedade internacional democrática, justa e desenvolvida, que seja símbolo daquilo que é o Brasil, que cultua os valores da integração étnica, da liberdade, da solidariedade e da convivência pacífica.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/05/2005 - Página 16470